Mostrando postagens com marcador Rússia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Rússia. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Mercenários russos na Venezuela

(Mercenários russos do grupo Corpo Eslavo, na Síria.)

        Mercenários russos do Grupo Wagner, que tem atuado na Síria e na Ucrânia, chegaram à Caracas com o objetivo de fazer a segurança de Nicolás Maduro e outras altas autoridades da Venezuela. A notícia em inglês foi divulgada inicialmente, dia 25 de janeiro, pela Agência Reuters, mas um levantamento feito pela Fundação Jamestown mostrou que, de fato, os mercenários foram enviados de Moscou, passando por Dacar (Senegal), Ciudad del Leste (Paraguai) e Havana (Cuba), antes de chegar à capital venezuelana por um voo comercial no dia 22. A trajetória aparentemente errática da viagem levanta a hipótese de que fora planejada para não levantar suspeitas.      

          Segundo a Jamestown, mercenários russos chegaram à Venezuela já em maio de 2018, antes da atual crise política, iniciada em janeiro com a posse de Maduro para um novo mandato como presidente. A nova leva de combatentes veio, portanto, a somar-se aos que já se encontravam no país. Seriam até 400 novos mercenários.

          Dois dias depois da notícia na Reuters, vários veículos de comunicação informaram que Moscou negou o envio desses mercenários. A Jamestown comenta, porém, que em geral a reação das autoridades russas tem sido de negação ou silêncio sobre o assunto. Em 23 de janeiro, a porta-voz do Kremlin, Maria Zakharova, admitiu que companhias privadas russas de segurança atuavam no Sudão e entrou em contradição com o embaixador russo no país, que em novembro de 2018 havia negado o fato. Este lapso pode ser um indicativo de que a Rússia busca manter silêncio sobre mercenários contratados pelo governo para atuar em nome dos interesses de Estado. Há companhias privadas russas atuando também no Gabão e na República Centro-Africana, como apurou com detalhes a agência Coda.

          Como comentei na última postagem, a Rússia tem muito a perder com a queda do governo de Maduro, que encontra-se cada vez mais isolado internacionalmente, mas tem apoio explícito, além dos russos, da China e da Turquia. A queda do governo significaria a perda de contratos para grandes empresas russas, de dinheiro por não pagamento de empréstimos (que Maduro tem tido dificuldades de pagar) e, principalmente, de um espaço de influência política e militar numa região próxima dos EUA. Um adversário geopolítico ao lado de Washington significa o triunfo de Moscou no seu empenho pela corrosão da liderança global norte-americana. Daí a disputa dos dois países em torno da crise venezuelana. 

          Até o momento, Moscou não tem dado sinais de que enviará militares para a Venezuela ante a possibilidade, mesmo que pequena, de uma intervenção militar de Washington. Enquanto acusa os EUA de promover, com seus aliados, um golpe de Estado na Venezuela e um potencial derramamento de sangue, a Rússia busca se antecipar a uma convulsão social ou mesmo intervenção estrangeira utilizando-se de mercenários pagos. Ao menos por enquanto.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Rússia declara apoio a Maduro. E agora?

(Putin recebendo Maduro em sua residência oficial perto de Moscou, em 5 de dezembro de 2018. Promessa de apoio político.)

          Em meio à grave crise social, política e econômica que atinge a Venezuela, Vladimir Putin telefonou para o presidente Nicolas Maduro para expressar apoio à sua autoridade como presidente do país. Diversos países do mundo, como EUA, Canadá e Brasil, declararam não reconhecer o novo mandato de Maduro e consideraram Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, como presidente encarregado legítimo.

          Na mensagem, Putin afirmou que "a piora da situação política interna" é "provocada de fora do país", um alusão, ainda que não exclusiva, aos EUA, e que essa interferência é uma "grosseira violação" da lei internacional.

          Observando as votações na ONU, as alianças internacionais e as declarações de Moscou e Washington, principalmente depois que a Rússia anexou a Crimeia e passou a patrocinar uma guerra no leste da Ucrânia, fica claro que a Venezuela é um aliado dos russos e que serve como espaço de presença do Kremlin numa região tradicionalmente influenciada pelos EUA.

          Em dezembro passado, a Rússia enviou dois bombardeiros Tupolev Tu-160 Blackjacks à Venezuela para realizar exercícios militares com as forças armadas locais, onde ficaram do dia 10 a 14 de dezembro. No dia 12, realizaram manobras aéreas com duração de 10 horas sobre o Mar do Caribe. Os Tu-160 foram apresentados em novembro de 2017 e foram projetados para realizar voos de mais 10 mil quilômetros de distância sendo capazes de carregar armas nucleares.

          A presença dos bombardeios na Venezuela foi um duplo recado para os EUA, que abandonou recentemente um tratado sobre ogivas nucleares assinado com os soviéticos em 1987 (Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, INF em inglês, que Trump acusou ter sido violado várias vezes pelos russos) e vem aumentando o tom das críticas ao governo ditatorial de Maduro. Também pode ser uma resposta ao apoio dado pelos americanos à Ucrânia na crise do Estreito de Kerch, em novembro de 2018. De forma secundária, é também um recado ao Brasil de Jair Bolsonaro, maior país da América Latina, que tem sido duro crítico de Caracas e busca um alinhamento com Washington. 

(Tupolev Tu-160)

          Há também a possibilidade da Rússia estabelecer uma base militar na ilha venezuelana de La Orchila, no Mar do Caribe, o que garantiria presença permanente de tropas na região e suplantaria dificuldades logísticas, como o deslocamento e abastecimento de aviões como o Tu-160. Ainda que o interesse russo no local tenha mais de dez anos e esta possibilidade não seja clara, uma base em La Orchila implicaria numa mudança da segurança militar das Américas liderada pelos EUA.  

          A presença russa também é uma forma de reafirmar sua aliança com Caracas. Entre 2016 e 2017, Moscou emprestou pelo menos U$ 17 bilhões à Venezuela, e em dezembro de 2018 (quando Maduro encontrou Putin) prometeu mais U$ 6 bilhões em investimentos na indústria de petróleo e na exploração de ouro. Tais dívidas são pagas em parte com petróleo e a participação da estatal russa Rosneft em negócios da venezuelana PDVSA. No campo político, Maduro tem sido um firme apoiador de Moscou nas suas ações geopolíticas, como na Ucrânia e países vizinhos. 

          A questão que fica nestes dias tensos para os venezuelanos é: a Rússia vai agir ante a ameaça de uma possível queda de Maduro? Num momento de tensão, fica em aberto a possibilidade de Caracas pedir a Moscou ajuda de última hora, já que, como mostrou o telefonema de Putin, se a crise política atual é causada por interferência estrangeira seria legítimo que outros estrangeiros (os russos) viessem em defesa de Maduro. Ademais, os russos têm muito a perder com uma eventual queda do governo, não só dinheiro e contratos, mas também uma possível presença militar a médio prazo no Mar do Caribe, região tradicionalmente influenciada por Washington. O quadro que não se vê nas Américas desde a Crise dos Mísseis de 1962 poderia se repetir, ainda que num grau menor do que a tensão que quase levou o mundo a uma guerra nuclear.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O desejo de uma Igreja Cristã na Ucrânia entre Moscou, Constantinopla e o Vaticano.

(Epifânio I e Sviatoslav)

          Nos últimos dias, o líder da Igreja Greco-Católica Ucraniana, o Metropolita Sviatoslav Shevchuk, fez diversas declarações no sentido de promover a unidade entre católicos e ortodoxos e a possibilidade, no longo prazo, de que sua igreja e a recém criada Igreja Ortodoxa Ucraniana se fundam numa só. Coisa muito complicada, já que os dois grupos têm dogmas diferentes e santos canonizados pela defesa de suas respectivas tradições. 

          Em entrevista dada no dia do Natal ortodoxo, em 7 de janeiro, Sviatoslav (chamado pelo Serviço de Informações Religiosas da Ucrânia de "Patriarca") declarou que é possível uma unidade entre as igrejas Greco-Católica e Ortodoxa na Ucrânia tendo como base a herança comum do Batismo da Rus de Kiev em 988, que deu início à cristianização dos eslavos. Os aspectos comuns da cultura como liturgia, língua e tradições certamente contribuem para a unidade, já que cristãos ucranianos da diáspora utilizam a língua materna no rito litúrgico, comum às duas igrejas, por vezes alternado o ucraniano com a língua da comunidade receptora. Esta união poderia ser  a criação de um Patriarcado de Kiev reconhecido tanto por Roma quanto Constantinopla através de uma comunhão eucarística.

          Sviatoslav também citou o diálogo católico-ortodoxo a nível universal. O ecumenismo da Igreja Católica teve início com o decreto Unitatis Redintegratio, do Papa Paulo VI, publicado em 21 de novembro de 1964, ao final do Concílio Vaticano II, e foi reforçado pela encíclica Ut Unum Sint, de João Paulo II, de 25 de maio de 1995. Nestes documentos, a Santa Sé reconhece a realidade do sacramento da comunhão ortodoxa (permitida aos católicos em circunstâncias específicas) e coloca a eucaristia, o batismo e a sucessão apostólica como os principais pontos de unidade entre as igrejas Católica e Ortodoxa. 

        Outro ponto de direto interesse aos ucranianos é a rejeição do "uniatismo", ou seja, da conversão de uma comunidade à outra, como ocorreu com a União de Brest de 1596, quando bispos ortodoxos no reino católico da Comunidade Lituano-Polonesa acertaram com Roma a união e deram origem à Igreja Greco-Católica Ucraniana de Sviatoslav. 

(Patriarca Ecumênico Bartolomeu I assinando o Tomos - documento de declaração - que oficializou a criação da Igreja Ortodoxa Ucraniana, em 5 de janeiro de 2019, na Catedral São Jorge, em Istambul. Epifânio I está à direita.) 

          Na visita que fez ao Papa Francisco no Vaticano em 3 de julho de 2018, o Metropolita conversou sobre a relação com os ortodoxos na Ucrânia, que então discutiam a criação de uma única igreja, e reafirmou o compromisso de rejeição do uniatismo. Saviatoslav reiterou, assim, outro elemento importante do ecumenismo, citado na entrevista de Natal, que é o estabelecimento de um diálogo constante com os ortodoxos através da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa. O organismo foi criado pelo Patriarca de Constantinopla Dimítrios I e Joao Paulo II, quando este viajou à Istambul, em 30 de novembro de 1979. O objetivo final da Comissão é o reestabelecimento da unidade da Igreja Cristã existente antes do cisma de 1054. Desde então, ela vem realizando diversas reuniões no sentido de buscar as bases comuns das duas igrejas para depois tratar das divergências. A rejeição conjunta do uniatismo veio na Declaração de Balamand (Líbano) na reunião de junho de 1993.  

          O desafio e o desejo do Metropolita ucraniano não são nada fáceis, com pressão por parte dos russos e orientações da Santa Sé. Com o Anúncio de Constantinopla, em 11 de outubro de 2018, da criação de uma Igreja Ucraniana, o Patriarcado de Moscou rompeu relações com o Patriarcado Ecumênico quatro dias depois. Isto colocou a Santa Sé numa posição ainda mais delicada. Em 31 de julho de 2018, o Papa Francisco havia recebido no Vaticano uma delegação liderada pelo Metropolita Hilarion, chefe do Departamento para Relações Exteriores da Igreja do Patriarcado de Moscou. No encontro, o Papa firmou que a Igreja Católica (e as "Igrejas Católicas", uma indireta à Igreja Greco-Católica Ucraniana) não deveria interferir na relação entre os ortodoxos e na Igreja Russa, desautorizando que outros líderes católicos influenciassem ou opinassem sobre o tema. Desta forma, a Santa Sé também pressiona para que os católicos ucranianos não influenciem a questão ortodoxa na Ucrânia, tornando mais sensível o desejo de unidade de Sviatoslav. Moscou se retirou na Comissão Mista Internacional, da qual o Patriarcado Ecumênico faz parte, e optou por manter com o papado apenas relações bilaterais.

          Desde pelo menos a década de 1960, há um movimento de católicos ucranianos para a elevação da Igreja Greco-Católica à condição de Patriarcado. Isto resultaria num fortalecimento da unidade nacional e, por consequência, de uma aproximação entre católicos e ortodoxos no país, aumentado as chances de uma unidade entre as igrejas. Isto às custas da Igreja Russa que, com a criação em 5 de janeiro da Igreja Ortodoxa Ucraniana unificada, perdeu a jurisdição religiosa sobre o país depois de 332 anos. Portanto, um Patriarcado católico afastaria ainda mais a Ucrânia da Rússia que, com a tomada da Crimeia e a promoção de uma guerra no país vizinho em 2014, está perdendo a batalha pela restauração de um Império Russo com sua Igreja oficial.

(Ícone da Unidade pintado por um monge ortodoxo do Monte Athos, na Grécia, em 1968.)

          Dadas as disposições, ainda que cautelosas, do novo Patriarca ucraniano Epifânio I (a ser entronizado em 3 de fevereiro) de colaborar com o diálogo com os católicos, o empenho entusiasmado de Sviatoslav e do Patriarca Ecumênico Bartolomeu I no diálogo ecumênico e o desejo de décadas dos católicos ucranianos de elevar sua igreja à condição de Patriarcado pode abrir as portas para uma unidade das igrejas. Caso isto venha a ocorrer no futuro, as consequências serão avassaladoras (no bom sentido), dado que a civilização ortodoxa foi construída sobre a propagação do cristianismo no mundo eslavo, o que arrastaria centenas de milhões de pessoas à unidade com o Ocidente. Isto ajudaria diretamente na promoção da paz no mundo inteiro.

          Esta é uma missão difícil que, de acordo com a tradição católica, só poderá ser realizada pela ação do Espírito Santo.         

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Acordo entre Grécia e Macedônia contraria a Rússia. O que Moscou tem a ver com isso?

(Os primeiros-ministros Zoian Zaev, da Macedônia, e Alexis Tsipras, da Grécia, observam os ministros das relações exteriores assinarem o Acordo de Prespa.)

          Tudo indica que a relação entre Grécia e Rússia piorou nos últimos meses. A causa seria o Acordo de Prespa, que os gregos fecharam com a Macedônia, e os efeitos disto para a geopolítica da região, tradicionalmente influenciada pelos russos há pelo menos duzentos anos.

          O Acordo de Prespa, assinado em 17 de junho de 2018, resolveu uma disputa entre Grécia e Macedônia sobre o nome deste último país. Atenas reclamava que a nomenclatura era referência à região histórica ao norte de seu território na fronteira com a Macedônia, e poderia haver reivindicação dos vizinhos quanto à posse da área. Com o acordo, o país terá de tomar uma série de medidas administrativas e passará a se chamar República da Macedônia do Norte (ou Setentrional).

          Com efeito, o pequeno país dos Bálcãs poderá pleitear a entrada na UE e na OTAN, tornando-se o 30º membro da aliança militar. O último país a ingressar na aliança foi o pequeno Montenegro, em abril de 2017, com apoio dos EUA. O não-bloqueio da entrada da Macedônia nessas duas organizações é o único compromisso grego no acordo.

          É aí que mora o problema entre Grécia e Rússia. A OTAN é a principal adversária militar de Moscou, e foi o acordo fechado com a Grécia que tornou viável a entrada da Macedônia. Devido à disputa pelo nome, Atenas vinha bloqueando a entrada de Skopje tanto na OTAN quanto na União Europeia. 

          Pouco antes de fazer sua viagem à Sérvia em 17 de janeiro, Vladimir Putin disse que o acordo foi conseguido por pressão política. Neste caso, do Ocidente. Isso num país cujo regime democrático ainda é frágil. E que a entrada na OTAN deve trazer mais instabilidade numa região já instável. Não é necessário repetir aqui que a principal dor de cabeça do Kremlin é a aliança militar do Ocidente. Qualquer movimentação da organização provoca reação do lado oposto. E vice-versa.


          Para termos em mente a sensibilidade da região na disputa entre OTAN e Rússia, relembremos o caso de Montenegro que comentei neste blog. De setembro de 2015 até pelo menos maio de 2016, diversos protestos irromperam em Montenegro contra o governo, que então pleiteava a entrada OTAN. Os manifestantes reclamavam deste plano, bem como o cerceamento à liberdade de imprensa, a falta de democracia e pediam a renúncia do então primeiro-ministro Mila Djukanovic, há mais de vinte anos no poder. Acontece que os principais líderes da oposição eram favoráveis a uma proximidade com a Rússia, e foram a Moscou buscar apoio político para a mudança de governo. Prometeram pôr fim às sanções econômicas contra os russos e fazer de Montenegro um país "neutro" entre uma Sérvia aliada de Moscou e países europeus vinculados à OTAN e a UE. 

          Em 16 outubro de 2016, Djukanovic sofreu uma tentativa de golpe de Estado. Alguns de seus perpetradores foram presos. Alguns membros do grupo eram russos e/ou fugiram para a Rússia. Apesar da grande tensão, Montenegro ingressou na OTAN em abril de 2017

          Voltando à Grécia, o mal-estar com a Rússia causou a debandada do partido Gregos Independentes da coalização governista composta com o bloco Syriza do primeiro-ministro Alexis Tsipras. Uma aliança incomum, dado que o GI é um partido de perfil fascista e o Syriza um bloco de esquerda e extrema-esquerda. 

          Como comentei em duas postagens em junho de 2015 (aqui e aqui), o Kremlin foi um dos responsáveis pela costura desta aliança e considerava Tsipras como um firme aliado da Rússia. Uma lista de fatores vinculavam Atenas a Moscou: o governo eleito em janeiro de 2015 fechou um acordo de vendas de gás com a Gazprom em fevereiro e acertou a extensão do gasoduto Turkish Stream, da mesma empresa, até a Grécia em junho; em 2016, o Syriza votou contra as sanções econômicas da UE contra Moscou no Parlamento Europeu; em 2013, Alexander Dugin esteve na Grécia para uma palestra a convite do futuro ministro grego das relações exteriores, Nikos Kotzias, defendendo fazer da Grécia uma meio de influência da Rússia no bloco europeu, e noutra ocasião sugeriu o nome de Tsipras para o governo grego. 

          Konstantin Malofeev, oligarca promotor da política externa do Kremlin sob sanções econômicas da UE, foi o financiador dos contatos de Dugin na Grécia. Já um dos deputados do Gregos Independentes era presidente de Aliança Grego-Russa, organização voltada à promoção das relações entre os dois países. Tanto Tsipras quanto membros do GI estiveram diversas vezes na Rússia prometendo levantar as sanções econômicas e promover uma aliança com Moscou.      

          Portanto, o acordo da Grécia com a Macedônia não apenas ia contra ao histórico de proximidade entre gregos e russos, como atingiu a coalização governista e os planos do Kremlin para a Europa. Novamente, o pivô de toda a história era o grande adversário russo, a principal barreira às forças do oriente, a OTAN.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Trump, parceiro da Rússia? Notas sobre o artigo de Anne Applebaum

(Trump e Putin no encontro em Helsinque, em 16 de julho de 2018.)

          Na última postagem, comentei sobre o aprofundamento da integração entre Rússia e Bielorrússia, tornando este último mais dependente de Moscou e afastando-o dos países ocidentais. Utilizei como base um artigo da jornalista e historiadora americana Anne Applebaum escrito no The Washington Post de 4 de janeiro.

          O texto de Applebaum dava razões para que os países do Ocidente dessem mais atenção aos movimentos da Rússia em relação à Bielorrússia, o que eles não têm feito, citando como principal exemplo a postura de Trump. Seu governo teria abandonado o compromisso histórico dos EUA de garantir uma Europa unida e livre (uma clara alusão ao seu desdenho pela União Europeia) e estaria ajudando a divulgar informações que colaboram para a propaganda russa em diversos temas, como eventos (sem especificá-los) que envolvem Montenegro e Afeganistão. O governo Trump teria dado uma estranha atenção a um plano inexistente de invasão da Bielorrússia pela Polônia, por exemplo, extensamente divulgado pela mídia russa. Nas palavras de Applebaum, o presidente americano está "inclinado a adotar o ponto de vista da Rússia na maioria dos temas".

          Acompanhando as postagens de Applebaum no Twitter, percebe-se que a jornalista e historiadora é uma dura crítica de Trump. Não há nada de incomum ou errado nisso, mas observando analistas ocidentais pelo mesmo meio de comunicação, praticamente todos são duros críticos, quando não debochados, em relação ao presidente americano. Isto torna uma análise fria mais difícil e põe em questão a pretensa imparcialidade das fontes.

          A postura americana em relação à Rússia é vista como negativa quando o presidente americano se dirige diretamente ao colega russo. Analistas vêem isso, com certa razão, como um afago ou tratamento imerecido a Putin. Mas vejamos alguns pontos: logo no início do mandato de Trump, a ex-diplomata americana na ONU, Nikki Haley, afirmou firmemente que os EUA não levantariam as sanções econômicas contra a Rússia enquanto esta não devolvesse a Crimeia à Ucrânia. Esta também era a posição do próprio presidente americano. Seu ex-secretário de defesa, James Mattis, era firme apoiador da OTAN, aliança militar que tem sido a principal dor de cabeça do Kremlin há mais de 20 anos. Ademais, em 11 de abril de 2017, Trump apoiou a entrada de Montenegro na aliança, e em setembro de 2018 ainda considerava a instalação de uma base americana na Polônia, para desgosto dos russos. Não apenas a Polônia, mas os Países Bálticos são favoráveis à presença americana na região. Eles conheceram o domínio russo no período comunista e não o querem de volta, nem como possibilidade.

(Anne Applebaum)

          Se compararmos as ações de Trump em relação ao seu antecessor, a oposição à Rússia fica mais clara. Em setembro de 2009, o governo Obama abandonou o projeto de criação de um escudo anti-míssil na Europa lançado por seu antecessor, George W. Bush, sob a alegação de uma ameaça nuclear do Irã. Ocorre que o Irã até hoje não possui armas nucleares. O escudo era claramente uma defesa contra a Rússia. Mas uma iniciativa semelhante nos dias de hoje geraria uma reação muito mais agressiva de Moscou, como observado nas tensões militares entre Rússia e OTAN no segundo semestre de 2016. Obama também retirou as tropas do Iraque em 2011, o que teria ajudado no surgimento e expansão do Estado Islâmico, agora atuante apenas na Síria. Sobre a saída dos americanos da Síria decidida por Trump, o impacto é muito menos relevante mesmo que isto ajude na consolidação da Rússia no país, cujas tropas atuam desde setembro de 2015. Na conferência anual à imprensa realizada em dezembro, Putin deixou claro que considera a Síria sua área de influência. Afirmou que a presença das tropas americanas no país eram "ilegítimas" e classificou sua saída como uma "decisão correta". Os EUA, porém, continuam com presença física no Iraque, mantém a aliança com a Arábia Saudita e fortaleceram o apoio político com Israel. Na gestão Obama, houve significativa piora das relações com sauditas e israelenses.

          Em contraste com as palavras amigáveis, Trump não tem sido tão condescendente com Putin nas vias de fato. Pelo contrário: o fortalecimento militar da OTAN, a garantia de alianças no Oriente Médio e a manutenção das sanções contra a Rússia, questões determinantes para a contenção da projeção russa no mundo, restringem a ação global de Moscou. Resta saber se o novo secretário de defesa, Patrick Shanahan, e a nova diplomata na ONU, a pouco experiente Heather Nouert (posto temporariamente ocupado por Jonathan Cohen desde 1º de janeiro), seguirão a mesma política.

          Críticas como as de Anne Applebaum são legítimas, porém, mais importante do que discursos e diatribes da Casa Branca, a questão central é o que está acontecendo concretamente, a política de fato, principalmente em questões econômicas e militares, os dois principais calcanhares de aquiles da Rússia. Caso Trump seja bem-sucedido em fortalecer os EUA no longo prazo (a economia americana está em plena expansão, por exemplo), menos espaço restará à Rússia na arena internacional. O plano de Putin de re-estabelecer a superpotência russa e recriar seu Império depende, principalmente, de tirar este posto dos EUA. Como vimos na Guerra Fria, o mundo era pequeno demais para duas superpotências, e para o Kremlin a Guerra Fria não acabou.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Moscou se volta para a Bielorrússia

(Bandeiras da Bielorrússia e Rússia.)

          Em sua coluna no jornal The Washington Post de 4 de janeiro, Anne Applebaum busca chamar a atenção dos recentes movimentos que Rússia tem feito em relação ao seu vizinho ao oeste, a Bielorrússia. Segundo a jornalista e historiadora americana, a ambição imperial de Moscou tem se voltado para Minsk, e alguns destes sinais seriam a possibilidade dos russos assumirem alguns dos serviços do governo bielorrusso como a alfandega, a emissão de vistos e a política monetária e de impostos. Tais medidas comporiam um projeto de maior integração da economia dos dois países. 

          O presidente do país, Alexander Lukashenka, se encontrou com Putin nos dias 6 e 25 de dezembro passados e, num sinal de reaproximação política, trocou felicitações pública de Ano Novo com seu colega. Em sua mensagem, Putin afirmou que a união entre os dois países criada pelo tratado que estabeleceu o Estado da União da Rússia e Bielorrússia em 1999 tem sido um sucesso. Desde a crise na Ucrânia em 2014, Lukashenka tem se distanciado de Moscou e tentado projetar uma política externa mais independente aproximando-se da Europa. A Rússia, por seu turno, tem buscado evitar o distanciamento da Bielorrússia e consolidar sua influência nos países do entorno. 
   
          Em 28 de dezembro, o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev assinou um decreto que criou um comitê para atuar na integração entre os dois países. O comitê será presidido pelo Ministro de Desenvolvimento Econômico Russo, Maxim Oreshkin. Isto sinaliza de aprofundamento da relação e, por consequência, de um maior atrelamento da Bielorrússia ao seu vizinho mais poderoso.

          Como comentei no final de dezembro, a Bielorrússia tem dado recentes sinais de distanciamento da Rússia, como a declaração de Lukashenka de que se referirá ao país vizinho não como "estado fraternal", mas "parceiro", e a afirmação de que não são necessárias bases militares estrangeiras em seu país, inclusive russas. Disse também que a Bielorrússia nunca será parte da Rússia. A reação de Moscou, portanto, não é surpreendente. Como lembra Applebaum, a popularidade de Putin está em queda, e demonstrações de força no exterior, como as guerras na Geórgia, na Ucrânia e na Síria, renovam o capital político do Kremlin, além de reafirmar o poder russo perante o mundo. 

          Applebaum lembra, por fim, que o Ocidente tem dado cada vez menos relevância a Minsk, e este desinteresse poderia encorajar as ações de Moscou num movimento de absorção do país vizinho. Não cabe aqui analisar esta possibilidade que tem sido aventada por alguns analistas do Ocidente, mas dado o histórico dos governos de Putin esta possibilidade não é nula. Refiro-me ao reordenamento da política russa desde 2000 com um poder crescentemente centralizador, as ações agressivas no estrangeiro desde que o presidente russo reassumiu o posto em 2012 e a forte influência do Movimento Eurasiano na elite política e militar da Rússia que almeja a criação de um poder imperial. A atual crise econômica do país e o descontentamento da população com o plano de governo de reformar a previdência anunciado, não por acaso, durante a Copa do Mundo são fatores adicionais que podem estimular ações do Kremlin no exterior. Mesmo que Lukashenka afirme garantir o contrário, a falta de força e a dependência econômica e energética em relação aos russos lhe dá limitada margem de manobra. 

          Desde que assumiu a presidência no último dia de 1999, Putin tem tentado reerguer a potência Rússia e reestabelecer seu Império. Isto indica a necessidade de ganhar não apenas poder, mas também terreno. Literalmente. 

domingo, 30 de dezembro de 2018

Putin: promessa de apoio (e a necessidade) dos BRICS

(7ª Conferência dos BRICS em Ufa, Rússia. Julho de 2015.)

          No último dia de 2018, Vladimir Putin mandou mensagens de Ano Novo aos presidentes dos quatro países dos BRICS, Brasil, Índia, China e África do Sul. Nas mensagens, foram mandadas as promessas de manter a cooperação estratégica com cada um deles bem como a coordenação conjunta do bloco nos organismos internacionais.

          A ênfase nas cooperações bilaterais foi dada à China. Putin disse que a parceria entre os dois países está num "nível sem precedentes". Com a previsão de crescimento do PIB em modesto 1,7%, uma parceria com a segunda maior economia do mundo com taxa de crescimento na casa dos 6% é fundamental. Cabe lembrar que em julho de 2014, Rússia e China fecharam um acordo de U$ 400 bilhões para venda de gás russo para o gigante asiático. Em tempos de tensão com os países ocidentais e a entrada de gás natural liquefeito dos EUA para a Europa desde abril de 2016, a Rússia inclina-se à Ásia em busca de apoio e dinheiro.

          Quanto ao Brasil, pode haver mudanças na relação com a Rússia. Putin também enviou felicitação de Ano Novo ao novo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Mas Bolsonaro indicou, em diversas ocasiões ao longo da campanha, a intenção de aproximar-se dos EUA e de Israel. A escolha do novo chanceler, Ernesto Araújo, um forte apoiador de um política pró-Ocidente, como deixa bem claro seu artigo "O Brasil no barco de Ulisses", deve significar, se não algum distanciamento, ao menos um desagrado à Moscou. Alexander Dugin, fundador do Movimento Eurasiano e pensador mais influente nos círculos políticos e militares da Rússia, afirmou pelo Facebook que Bolsonaro é um "autoritário ultra-liberal" e que apoia a esquerda no Brasil, explicando, noutra postagem, se tratar de uma esquerda não globalista. Isto indica uma possível rejeição ao novo presidente pelo Kremlin.

          Nos últimos anos, os BRICS têm mostrado oposição às atitudes dos EUA e do Ocidente em geral na arena global. Rússia, China e Brasil (até o governo Dilma) têm sido os principais sinalizadores neste sentido. A nova atuação do Brasil no mundo ainda está em aberto, mas para a Rússia regiões como Ásia e Europa têm maior relevância, em particular a parceria militar com a China e seu gigantesco mercado de commodities. 

          

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (por Marlène Laruelle) - parte 2

(A Estrela do Caos ao centro da Eurásia simboliza a geopolítica do neoeurasianismo.) 
        
Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia?  (parte 2)

          Após a primeira parte, apresento aqui a segunda parte (subcapítulo) do artigo de Marlène Laruelle sobre a trajetória e o pensamento do filósofo russo Alexander Dugin. Na primeira parte, a cientista política francesa apresenta a trajetória pessoal de Dugin; agora, seu estudo versa sobre o pensamento geopolítico do pensador russo.

          O artigo foi publicado pelo Instituto Kennan, divisão do Centro Internacional de Especialistas Woodrow Wilson, de Washington, EUA, e compõe o quarto capítulo do livro Russian Eurasianism: An Ideology of Empire, de autoria de Laruelle e publicado pelo mesmo Centro em 2008.

          Boa leitura!


UMA VERSÃO RUSSA DO ANTI-GLOBALISMO: TEORIAS GEOPOLÍTICAS DE DUGIN

          Todas as correntes neoeurasianas que emergiram na década de 1990 compartilham de uma concepção imperial da Rússia, mas todas elas se baseiam em diferentes pressupostos. Alexander Dugin ocupa uma posição particular neste grupo, e às vezes é virulentamente criticado por outros neoeurasianos. Na verdade, Dugin "distorce" a ideia de Eurásia, combinando-a com elementos emprestados de outras tradições intelectuais, como as teorias da revolução conservadora, a geopolítica alemã das décadas de 1920 e 1930, o tradicionalismo de René Guénon e a Nova Direita ocidental. No entanto, Dugin tem desfrutado do maior sucesso de público entre todos os neoeurasianos, e influencia mais diretamente certos círculos políticos que procuram por uma nova geopolítica para a Rússia pós-soviética.

          Dessa forma, Dugin supera em grande parte pequenos grupos intelectuais, que buscam suas próprias reflexões neoeurasianas sem terem qualquer acesso direto a um público maior. Ele pode ser considerado o principal teórico do neoeurasianismo, apesar de ter compartilhado este papel com Alexander Panarin nos anos 1990. Primeiro, os dois homens se opuseram um ao outro, e Panarin se recusou a ser assimilado à mesma corrente ideológica. Ele descreveu a geopolítica de Dugin como pagã por ver o homem como dependente da natureza e guiado por um destino cego e determinista,  e conceber o Estado como um organismo isolado e egoísta, não providenciando qualquer garantia à estabilidade global, confiando apenas na força. Na época, Panarin considerava essa visão como o estrito oposto da consciência "civilizadora" que o neoeurasianismo deveria ser. Os dois pensadores acabaram, entretanto, por compartilhar alguns pontos de vista como consequência da evolução intelectual de Panarin e não de Dugin. Assim, Panarin gradualmente veio a corroborar a supremacia pública de Dugin em questões neoeurasianas, comparecendo à fundação do movimento Evraziia em 2001 e se tornando membro do Conselho Central do partido em 2002. (27) De acordo com Dugin, Panarin chegou a concordar, antes de sua doença, em escrever um prefácio para um de seus últimos livros, Political Philosophy. (28) Entretanto, a repentina morte do filósofo tirou este aliado e competidor do cenário público.

          A atração de Dugin pelo eurasianismo desenvolvido por emigrantes russos dos anos 1920 e 1930 não é uma adição tardia às suas doutrinas. No final da década de 1980, enquanto ainda era próximo de certos grupos monarquistas, Dugin já tinha se tornado apóstolo de uma concepção eurasiana da Rússia e contribuiu para sua disseminação entre os círculos patrióticos ligados ao Den´. Hoje continua sendo uma influência dominante entre aqueles que tentam reabilitar os fundadores do eurasianismo: ele editou compilações dos principais textos dos principais teóricos do movimento - Pyotr N. Savitsky, Nikolay S. Trubetskoi, Nikolay N. Alekseev, etc - na Agraf, e depois através das publicações da Arctogaia. (29) Nas suas introduções a essas publicações, ele tenta sistematicamente vincular os ensinamentos eurasianos do entre-guerras o mais próximo possível de suas definições contemporâneas do neoeurasianismo. Entretanto, ele não se apropria das teorias altamente elaboradas dos fundadores sobre a legitimidade histórica, geográfica ou religiosa do Império Russo. Ele se satisfaz em tentar estabelecer uma geopolítica para a Rússia pós-soviética, ajudando o país a se tornar consciente de sua particular sensibilidade escatológica: "as atuais transformações no espaço geopolítico da Rússia e em toda a Eurásia são difíceis de entender a não ser que sejam interpretadas com sinais dos tempos, anunciando a proximidade do clímax." (30)

          Dugin chega a criticar os fundadores por terem sido excessivamente filosóficos e poéticos: segundo ele, o eurasianismo tinha as intuições certas (por exemplo, a ideia de um "terceiro continente" e a importância do período mongol na formação da identidade russa), mas foi mal sucedido em formalizá-los teoricamente. "No eurasianismo nós somos confrontados com uma dupla indeterminação: a indeterminação características do próprio pensamento russo e a tentativa de sistematizar essa indeterminação numa nova concepção indeterminada." (31) Sua atitude em relação a outros neoeurasianos é ainda mais negativa: além do historiador e etnólogo Lev Gumilev (1912-1992), cujas muitas concepções étnicas ele compartilha, Dugin considera seus competidores ideológicos inúteis, e afirma que suas concepções neoeurasianas são "pouco consistentes [e] representam apenas uma adaptação a uma realidade política em transformação de todo um complexo de ideias já enunciados." (32)           

          O eurasianismo de Dugin envolve um grande interesse em geopolítica, a principal disciplina na qual baseia suas teorias. Para ele, a geopolítica por definição serve ao Estado em que é elaborado. Dessa forma, a geopolítica russa só poderia ser eurasiana, já que é responsável pela restauração do status de grande potência da Rússia. Ela também é destinada exclusivamente às elites: de acordo com Dugin, a geopolítica se opõe ao princípio democrático porque a capacidade de conhecer o significado das coisas é inevitavelmente restrita ao líderes. É para este fim que Dugin se refere aos grandes nomes da disciplina, como os alemães Friedrich Ratzel (1844-1904), Karl Haushofer (1869-1946) e Friedrich Naumann (1860-1919), o sueco Rudolf Kjellen (1864-1922) e o britânico Sir Halford Mackinder (1861-1947). Na verdade, há pouco o que é russo na bagagem intelectual de Dugin. Além de Konstantin Leontyev (1831-91), (33) a quem Dugin às vezes menciona, ele é muito mais inspirado por autores ocidentais do que russos. Por exemplo, ele fala com admiração dos organicistas alemães, como Ernst Jünger (1985-1998), Oswald Spengler (1880-1936), Arthut Moeller van den Bruck (1876-1925), ou Ernst Niekisch (1889-1967) e Karl Schmitt (1888-1985). Ele toma de Schmitt sua concepção de nomos, a forma geral de organização dos fatores objetivos e subjetivos de um determinado território, e a teoria do Großraum, "grandes espaços".   

          Dugin dá grande valor à sua herança alemã e deseja ser visto como um geopolítico continental a par com Schmitt e Haushofer: a centralidade e continentalidade da Rússia, para ele, são comparáveis às da Alemanha nos anos 1920-30. Ele desenvolve então sua própria interpretação bipolar do mundo, opondo a "Heartland", que tende aos regimes autoritários, à "Ilha Mundo", a encarnação dos sistemas democrático e comercial. Ele combina as teorias eurasianas clássicas com esta divisão bipolar do mundo em sociedades marítimas e terrestres, ou talassocracias e telurocracias, e os vincula a vários duplos conceitos clássicos do "pensamento russo" (cristianismo ocidental/ortodoxia, Ocidente/Oriente, democracia/ideocracia, individualismo/coletivismo, sociedades marcadas pela mudança/sociedades marcadas pela continuidade). A oposição entre capitalismo e socialismo é vista como apenas um confronto histórico particular destinado a continuar de outras formas. "A Terra e o Mar disseminam suas oposições originais a todo o planeta. A história humana é nada mais do que a expressão dessa luta e o caminho da sua absolutização." (34)

          Dugin então divide o mundo em quatro zonas civilizacionais: a zona americana, a zona afroeuropeia, a zona Ásia-Pacífico e a zona eurasiana. A Rússia deve se esforçar para estabelecer várias alianças geopolíticas organizadas como círculos concêntricos. Na Europa, a Rússia deve, evidentemente, se aliar com a Alemanha, a qual Dugin dá atenção especial. Apresentada como o coração da Europa, a Alemanha deve dominar toda a Europa Central e a Itália de acordo com as teorias de "centralidade" desenvolvidas pelos geopolíticos nazistas, bem como pelo militarismo prussiano do século XIX. Na Ásia, a Rússia deve se aliar com o Japão, apreciado por sua ideologia pan-asiática e pelo eixo Berlim-Roma-Tóquio durante a Segunda Guerra Mundial. Dentro do mundo muçulmano, Dugin escolhe o Irã islâmico, admirado por seu rigorismo moral. Ele apresenta o Irã como uma das poucas forças reais de oposição à globalização americana e o convida a se unir a todo o mundo árabe, bem como o Paquistão e o Afeganistão, sob sua liderança. Dugin caracteriza essa quádrupla aliança Rússia-Alemanha-Japão-Irã, que reagiria às talassocracias (os EUA, a Grâ-Bretanha na Europa, a China na Ásia, a Turquia no mundo muçulmano), como uma "confederação de grandes espaços," (35) uma vez que cada aliado é ele mesmo um império que domina a área civilizacional correspondente. Ao contrário dos eurasianos da década de 1920, Dugin não fala de uma irredutível e romântica oposição entre o Oriente e o Ocidente; nas suas teorias, tanto a Ásia quanto a Europa estão destinadas a se colocar sob a dominação russo-eurasiana.

          Como o inimigo marítimo e democrático supostamente tem uma "quinta coluna" na Rússia, Dugin apela por uma restauração da União Soviética e uma reorganização da Federação Russa. Ele é o único neoeurasiano a incluir em seu projeto político não apenas os Estados Bálticos, mas todo o antigo bloco socialista. (36) Sua Eurásia deve se expandir para além do espaço soviético, pois propõe incorporar a Manchúria, o Xinjiang, o Tibet e a Mongólia, bem como o mundo ortodoxo dos Bálcãs: a Eurásia só alcançaria seus limites com a "expansão geopolítica até as margens do Oceano Índico," (37), uma ideia que foi tomada e popularizada por Zhirinovsky. Dugin também propõe uma repartição geral da Federação, e especialmente da Sibéria, que considera estar à beira da implosão há algum tempo. Ele pede a abolição das "repúblicas nacionais" a serem substituídas por regiões puramente administrativas subservientes a Moscou. Em The Foundations of Geopolitics, ele reconhece suas esperanças pela dissolução de Yakutia, Tatarstão, Bashkotorstão e Buriatia, condenadas por seu separatismos e sua capacidade de formar eixos budistas ou pan-turcos anti-russos com as regiões vizinhas. Ele deseja unificá-las com regiões industrializadas que possuem uma maioria russa, como os Urais ou a costa do Pacífico [Primorskii krai]. (38)

          Assim como no eurasianismo dos anos 1920-30, os povos não-russos, e particularmente as minorias turco-muçulmanas, são tratados de forma ambígua. Ele são admirados como elementos-chave que confirmam a distintividade da identidade eurasiana da Rússia, mas são também representados como concorrentes potenciais ou mesmo inimigos se decidirem não mais participar de uma Eurásia multinacional dominada pela Rússia. Os eventos internacionais dos últimos anos, especialmente o 11 de setembro, bem como a segunda guerra na Chechênia e os atos terroristas subsequentes que cobriram a Rússia com sangue, forçaram Dugin a refinar seu conceito de islam e a ser mais cauteloso em sua apreciação positiva de um certo tipo de radicalismo islâmico. Assim, num simpósio chamado "Ameaça Islâmica ou Ameaça contra o Islam?" organizado pelo Evraziia em 28 de junho de 2001, os membros do partido desaprovaram o fundamentalismo, apresentado como um perigo ao islam tradicional, e afirmaram o desejo de criar um Comitê Eurasiano de Parceria Estratégica Russo-Muçulmana. De acordo com o Evraziia, o islam tradicional, o sufismo, o xiismo e o cristianismo ortodoxo são espontaneamente eurasianos, enquanto que o catolicismo e o protestantismo, mas também o islamismo radical patrocinado pelos EUA, representam o atlanticismo. Portanto, Dugin tenta distinguir entre o fundamentalismo xiita, que considera positivo, do fundamentalismo sunita, que ele deprecia.

          O desejo de Dugin de dissociar o islam tradicional "bom" dos outros ramos da religião, os quais ele nivela ao wahabismo, é compartilhado por numerosos movimentos nacionalistas russos contemporâneos, que visam cortejar o islam russo oficial. Esse tipo de conversa permitiu que Dugin recrutasse os líderes do Diretório Espiritual Central dos Muçulmanos Russos para o seu movimento Evraziia. Dugin tenta impedir qualquer competição com o eurasianismo turco sobre a questão das minorias religiosas e nacionais do país. Ele conseguiu de forma brilhante apresentar seu movimento não apenas como um instrumento para defender o poder russo, mas também como uma solução pragmática às tensões internas da Rússia. Assim, desde sua criação em 2001, o Evraziia inclui representantes de regiões sensíveis como Yakutia-Sakha, o norte do Cáucaso e o Tatarstão, e teve o prazer de reunir todas as confissões da Rússia: diversos muftis do Diretório Espiritual Central dos Muçulmanos, incluindo seu líder, Talgat Tadzhuddin, mas também budistas (DordzhiLama, o co-fundador da União dos Budistas de Kalmyk) e membros do Movimento Sionista Radical, que aderiram ao partido e declararam seu desejo de combater a ascensão do extremismo religioso usando a estratégia de integração implícita na ideia eurasiana.

          Entretanto, Dugin não se limita a atualizar uma visão geopolítica eurasiana sobre a Rússia. Ele busca ancorá-la numa visão global e apresentá-la como uma forma relevante de análise que ajudaria a entender toda a evolução do mundo pós-Guerra Fria. Mais uma vez, Dugin está interpretando o "manual", usando os inumeráveis textos ocidentais com os quais está familiarizado para adaptar as ideias clássicas da história do pensamento russo ao debate contemporâneo. Portanto, há vários anos ele tem centrado seu argumento sobre a natureza eurasiana da Rússia inteiramente no tópico da globalização. De acordo com ele, a globalização apresenta como verdade óbvia o que na verdade é uma ideologia: a democracia representativa como o fim da história do desenvolvimento humano, a primazia do indivíduo sobre qualquer comunidade, a impossibilidade de escapar da lógica da economia liberal, etc. (39) Ele argumenta que apenas a solução eurasiana oferece uma alternativa viável com um forte potencial teórico que poderia fazer frente aos atuais processos de globalização instituído pelos Estados Unidos. "A Rússia é a encarnação da busca por uma alternativa histórica ao atlantismo. Aí reside sua missão global." (40)

          Assim como todos os neoeurasianos, Dugin é um defensor do argumento do "choque de civilizações" de Samuel Huntington, que está na moda na Rússia. O belicismo de Huntington permite a Dugin afirmar a necessidade da manutenção da estrutura imperial russa e rejeitar qualquer perspectiva de um equilíbrio global. De acordo com ele, a nação russa precisa estar preparada para "defender sua verdade nacional, não apenas contra seus inimigos, mas também contra seus aliados." (41) De fato, a doutrina geopolítica de Dugin não pode funcionar sem criar inimigos. Ele baseia sua ideologia em teorias da conspiração, apresentando a nova ordem mundial como uma "teia de aranha", na qual os atores globalizados se escondem com o objetivo de melhor cumprir sua missão. Dugin chegou a dedicar um livro inteiro (publicado em 1993 e republicado numa versão revisada em 2005) ao que ele chama de conspirologia. As ideias apresentadas nele são contraditórias. Ele critica duramente os pressupostos sobre conspirações judaicas, maçônicas, marxistas, etc, sustentados por numerosos grupos políticos de esquerda e de direita, mas também compartilha algumas de suas ideias. (42) Por exemplo, ele reconta uma história secreta da União Soviética na qual uma ordem eurasiana se opõe à sua contraparte atlantista. O golpe de 1991 é descrito como a culminação da guerra oculta entre essas duas ordens. De acordo com Dugin, entretanto, as alternativas à globalização permanecem limitadas: ou as ideologias de esquerda aplicadas no Ocidente, ou o liberalismo de direita e a estagnação típica dos países asiáticos. Dugin também percebe que essas duas alternativas são opostas uma a outra, embora compartilhem de um inimigo comum. Ele propõe, portanto, que a Rússia elabore uma combinação fértil, porque "todas as tendências anti-globalização são 'eurasianas' por definição." (43)

          Dugin não joga a carta da autarquia a qualquer custo: ele está convencido de que o modelo eurasiano de resistência à dominação americana é exportável para o resto do planeta. Ele a apresenta como o modo mais apropriado de resistir à chamada Nova Ordem Mundial. Um dos objetivos de seu pensamento é, portanto, como ele descreve, "transformar a distintividade russa numa modelo universal de cultura, numa visão de mundo que seja alternativa à globalização atlantista, mas também global à sua própria maneira." (44)

          Assim, a Rússia é chamada a participar dos assuntos mundiais enquanto constrói uma certa cultura autárquica eurasiana. Muito mais do que, por exemplo, Pyotr Savitsky e o conde Trubetskoi, Dugin parece ter internalizado completamente a contradição entre, por um lado, a exaltação da distintividade nacional e uma rejeição apaixonada de qualquer empréstimo que arriscasse "deformar"a Rússia e, por outro, um desejo pelo expansionismo geopolítico e ideológico e um novo messianismo. Longe de ser apenas um "sucessor" dos primeiros eurasianos, ele é o teórico que possui facetas múltiplas ou mesmo contraditórias: muitas outras doutrinas influenciaram sua evolução intelectual pelo menos tanto quanto, se não mais do que, o eurasianismo.

---

(27) Andreas Umland, “Toward an Uncivil Society? Contextualizing the Recent Decline of Extremely Right-Wing Parties in Russia,” Weatherhead Center for International Affairs Working Paper No. 02-03, 2002. 

(28) http://evrazia.org/modules.php?name =News&file=article&sid=1508. 

(29) Ele também republicou o "Evrei e Evraziia de Iakov Bromberg" e o "Rus’ mongol’skaia" de E. Khara-Davan em 2002. 

(30) Osnovy geopolitiki, p. 97. 

(31) “Evraziisky triumf,” in: P. Savitsky, Kontinent Evraziia, Moscow: Agraf, 1997, p. 434. 

(32) Osnovy geopolitiki, p. 159. 

(33) Leontyev representou uma grande mudança no pensamento russo. Ele argumentava que os russos não são realmente eslavos, mas acima de tudo um povo misturado com grupos turcos. De uma forma ambígua, ele antecipou a "virada para o leste" dos últimos eurasianos: abandonou o argumento linguístico sobre a identidade eslava e, por exemplo, reconheceu que preferia os gregos do que outros eslavos no reino religioso. Leontyev foi o primeiro a compreender o potencial do "argumento turaniano" para ajudar a Rússia a afirmar sua identidade contra a Europa. Ver: M. Laruelle, “Existe-t-il des précurseurs au mouvement eurasiste? L’obsession russe pour l’Asie à la fin du xixe siècle,” Revue des études slaves, Paris: Institut d’études slaves, vol. LXXV, no 3-4/2004, pp. 437–454. 34. 

(34) Misterii Evrazii, p. 19. 

(35) Osnovy geopolitiki, p. 247. 

(36) Entretanto, Dugin aceita o separatismo das áreas que considera não-russas (ele propõe devolver as Ilhas Kurilas ao Japão e Kaliningrado à Alemanha) contanto que se mantenham sob controle de aliados da Eurásia e do continentalismo.

(37) Osnovy geopolitiki, p. 341. 

(38) Ele também deseja o retorno da Ucrânia à esfera de influência russa e sua divisão de acordo com o que chama de realidade etno-culturais do país. Para mais destalhes, ver: Dunlop, op. cit., pp. 109–112. 

(39) “Evraziiskii otvet na vyzovy globalizacii,” Osnovy evraziistva, p. 541–563. 

(40) Nash put’, p. 47. 

(41) Osnovy geopolitiki, p. 261. 

(42) Konspirologiia, tambén online at www.arctogaia.com/public/consp. 

(43) Evraziia prevyshe vsego, p. 4. 

(44) Osnovy evraziistva, p. 762

sexta-feira, 2 de março de 2018

Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (por Marlène Laruelle) - parte 1

(Alexander Gelyevich Dugin)

          O artigo a seguir foi escrito em 2006 pela historiadora e cientista política francesa Marlène Laruelle, especialista em política e sociedade russas, através do Instituto Kennan, divisão do Centro Internacional de Especialistas Woodrow Wilson sediado em Washington, EUA. Vinculada a quatro institutos de pesquisa onde atua como pesquisadora, diretora e professora, Laruelle é uma das maiores especialistas sobre temas da Rússia no Ocidente. Seu artigo compõe o quarto capítulo de seu livro Russian Eurasianism: An Ideology of Empire, publicado pelo Centro Woodrow Wilson em 2008 e reeditado em 2012, onde ela introduz a trajetória e o pensamento de Dugin na história do eurasianismo.   

(Marlène Laruelle)

          Devido à extensão do artigo, decidi dividi-lo em sete partes conforme os subtítulos do texto. Apenas nesta primeira parte publico juntas a breve introdução e o primeiro subtítulo.

          Na tradução, mantive a grafia da autora para o nome de publicações e organizações. Traduzi apenas o nome das organizações públicas e estatais e adaptei o nome das personalidades à grafia em inglês para facilitar a identificação. A exceção é o nome de Dugin, que publiquei como "Alexander", grafia pela qual ele é mais conhecido,  ao contrário de "Alexandr" da autora ou o aportuguesado "Alexandre". As notas também são do artigo de Laruelle.

        Cabe lembrar que por ser de 2006, o artigo exclui a trajetória de Dugin a partir deste ano e, portanto, não analisa suas publicações desde então, suas declarações e envolvimento na Guerra da Geórgia em 2008 e na crise na Ucrânia a partir de 2014 e sua passagem pela prestigiada Universidade Estatal de Moscou.

          Boa leitura.


Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (parte 1)

          Ao estudar o eurasianismo russo contemporâneo - tanto como doutrina quanto como movimento político - alguém que aparece constantemente é Alexander Dugin. Um dos principais motivos pelos qual ele é relevante para qualquer tipo de estudo é o quase-monopólio que exerce sobre uma certa parte do atual espectro ideológico russo. Este espectro inclui uma infinidade de facções de direita, que produzem uma enorme quantidade de livros e uma impressionante quantidade de jornais de pequena circulação, mas que não são facilmente distinguíveis uns dos outros e apresentam pequena consistência e sofisticação teórica. Dugin é o único grande teórico nesta direita radical russa. Está simultaneamente na margem e no centro do fenômeno nacionalista russo. Ele fornece inspiração teórica a muitas correntes e dissemina preceitos que podem ser reciclados em diferentes níveis. Ele está, acima de tudo, se esforçando para ocupar cada nicho do atual mercado ideológico. Parte do pressuposto que a sociedade russa e o establishment político da Rússia estão em busca de uma nova ideologia: ele, portanto, incumbe a si mesmo exercitar sua influência sobre todas as opções ideológicas e suas possíveis formulações.

          Além das qualidade doutrinais que o fazem se destacar no espectro do nacionalismo russo, Dugin é digno de nota por sua produção frenética e prolífica de publicações que começam no início dos anos 1990. Ele publicou mais de uma dúzia de livros, além de textos originais ou artigos tematicamente reorganizados impressos inicialmente em várias revistas ou jornais. Ele também editou várias revistas: Elementy (nove publicações entre 1992 e 1998), Milyi Angel (quatro publicações entre 1991 e 1999), Evraziiskoe vtozhenie (publicado como um suplemento irregular para o semanal Zavtra, com seis publicações especiais em 2000) e Evraziikoe obozrenie (onze publicações de 2001 a 2004). (1) Em 1997, ele escreveu e apresentou uma transmissão de rádio semanal de uma hora, Finnis Mundi, que foi proibida depois que ele falou de forma favorável sobre o terrorista do início do século XX, Boris Savinkov. (2) Dugin também publica regularmente artigos em diversos diários e aparece em vários programas de televisão. Em 1998, ele participou da criação da "Nova Universidade", uma pequena instituição que fornece ensinamentos tradicionalistas e ocultistas para poucos selecionados, onde ensina ao lado de destacadas figuras literárias como Yevgeny Golovin e Yuri Mamleev. Desde 2005, ele tem aparecido no novo canal de TV ortodoxo Spas criado por Ivan Demidov, onde ancora um programa semanal sobre geopolítica chamado Landmarks [Vekhi]. (3) Ele também participa regularmente de mesas-redondas na televisão russa e ocupa um lugar de destaque na internet nacionalista da Rússia. (4)

          Várias tendências intelectuais se manifestam em seu pensamento: uma teoria política inspirada pelo tradicionalismo, (5) uma filosofia religiosa ortodoxa, (6) teorias arianas e ocultistas (7) e concepções geopolíticas e eurasianas. (8) Pode-se esperar que essa diversidade ideológica se reflita na longa evolução da vida intelectual de Dugin. Entretanto, todos estes temas não surgiram sucessivamente, mas coexistiram nos escritos de Dugin desde o início dos anos 1990. Enquanto o eurasianismo e a geopolítica são os mais clássicos e conhecidos "cartões de visita" de Dugin para a opinião pública e as autoridades políticas, suas doutrinas filosófica, religiosa e política são muito mais complexas e merecem uma análise cuidadosa. A diversidade de seu trabalho é pouco conhecida, e muito de suas ideias são frequentemente caracterizadas de forma precipitada e incompleta. Dessa forma, devemos investigar sua linhagem intelectual e tentar entender seu esforço para combinar diversas fontes ideológicas. Dugin é um dos poucos pensadores a considerar que o estoque doutrinal do nacionalismo russo se depreciou e deve ser revitalizado com a ajuda de insumos do Ocidente. Ele está, portanto, "ancorando" o nacionalismo russo em teorias mais globais e agindo como mediador do pensamento ocidental. É este aspecto de Dugin que será o foco deste artigo.

A TRAJETÓRIA SOCIAL DE DUGIN E SEU SIGNIFICADO

          É particularmente importante entender o complexo lugar de Dugin no neoeurasianismo, uma vez que, em certa medida, sua posição é representativa de certos fenômenos mais gerais e, portanto, ajuda a traçar a evolução das ideias nacionalistas russas no últimos vinte anos ou mais. Entre 1985 e 1990, Dugin era claramente a favor de um neoeurasianismo "de direita" e próximo de círculos conservadores ou mesmo monarquistas. Em 1988, ele entrou na organização ultranacionalista e anti-semita Pamiat, mas não se sentiu intelectualmente à vontade, uma vez que suas ideias para uma renovação doutrinária da direita eram inoportunas nesta organização fundamentalmente conservadora. Assim, deixou o Pamiat no ano seguinte condenando seu monarquismo nostálgico e anti-semitismo vulgar. Em 1990-1, ele fundou diversas instituições próprias: a Associação Arctogaia, bem como uma editora de mesmo nome, e o Centro para Estudos Meta-Estratégicos. Durante este período, Dugin se aproximou do Partido Comunista de Gennady Ziuganov e se tornou um dos mais prolíficos contribuintes do proeminente jornal patriótico Den (mais tarde renomeado Zavtra), que na época estava no auge de sua influência. Seus artigos publicados neste jornal contribuíram para a disseminação de teorias eurasianas nos círculos nacionalistas russos. No início ele foi apoiado pelo pensador nacionalista Alexander Prokhanov, que acreditava que apenas o eurasianismo poderia unificar os patriotas, que ainda estavam divididos entre "Brancos" e "Vermelhos", mas Prokhanov rapidamente se afastou e condenou o eurasianismo por ser muito turcocêntrico.  

          A partir de 1993-4, Dugin se afastou do espectro comunista e se tornou o ideólogo do novo Partido Nacional-Bolchevique (PNB). Nascido da convergência entre a antiga contracultura e grupos patrióticos soviéticos, o PNB estabeleceu com sucesso sua ideologia entre os jovens. A Arctogaia de Dugin serviu como think thank para as atividades políticas do líder do PNB, Eduard Limonov. Os dois homens compartilhavam do desejo de desenvolver laços íntimos com a esfera da contracultura, em particular com os músicos punk e rock de mentalidade nacionalista, como Yegor Letov, Sergei Troitsky, Roman Neumoev ou Sergei Kurekhin. (9) Em 1995, Dugin chegou a concorrer nas eleições da Duma sob a bandeira do PNB num distrito eleitoral suburbano perto de São Petersburgo, mas recebeu menos de um por centro dos votos. (10) Entretanto, este fracasso eleitoral não o prejudicou, pois ele estava simultaneamente ocupado escrevendo numerosos trabalhos filosóficos e esotéricos para desenvolver o que ele considerava ser a "ortodoxia" neoeurasiana. Limonov descreveria então Dugin como "o 'Cirilo e Metódio' do fascismo, uma vez que ele trouxe fé e conhecimento sobre isto do Ocidente para o nosso país". (11)    

          Dugin deixou o Partido Nacional-Bolchevique em 1998 devido a numerosos desacordos com Limonov, buscando como alternativa entrar em estruturas mais influentes. Ele esperava se tornar um "conselheiro do príncipe" e se apresentou para as autoridades como o think thank de um homem só. Ele conseguiu se estabelecer como conselheiros do porta-voz da Duma, o comunista Gennadiy Seleznyov e, em 1999, se tornou presidente da seção de geopolítica do Conselho Consultivo sobre Segurança Nacional da Duma, dominado pelo ultra-nacionalista Partido Liberal Democrático da Rússia, liderado por Vladimir Zhirinovsky. Na época, Dugin parecia exercer certa influência em Zhirinovsky, bem como em Alexander Rutskoy do Partido Social Democrata e Gennady Zyuganov do Partido Comunista. (12) O último, por exemplo, pegou de Dugin a ideia de que o nacionalismo russo não entra em conflito com a expressão de sentimentos nacionais de minorias. De fato, Zyuganov apresentou o PCFR como o principal defensor do nacionalismo tártaro e do budismo de Kalmyk. Seu livro  Russia after the Year 200: A Geopolitical Vision for a New State foi diretamente inspirado pelas ideias de Dugin sobre o caráter distintivo da "ciência" geopolítica russa e sua ideia de que a renovação da Rússia é a única garantia de estabilidade mundial. Dugin também publica regularmente em sites oficiais russos, como www.strana.ru, onde ele apresenta suas ideias sobre a oposição entre o império eurasiano reemergente e o modelo atlanticista.

          A entrada de Dugin nas estruturas parlamentares foi amplamente possível pela publicação (em 1997) da primeira versão do seu trabalho mais influente, The Foundations of Geopolítics: Russia´s Geopolitical Future. (13) Ele é considerado um importante estudo de geopolítica, e geralmente é apresentado como a obra fundadora da escola russa de geopolítica. Em 2000, o trabalho já havia sido reeditado quatro vezes, e se tornou uma importante publicação política desfrutando de um grande número de leitores nos círculos acadêmicos e políticos. Na verdade, Dugin sempre esperou influenciar jovens intelectuais promissores, bem como importantes círculos políticos e militares. Ele afirmou que seu Centro de Perícia Geopolítica* poderia rapidamente se tornar um "instrumento analítico que ajudasse a desenvolver a ideia nacional" (14) para os poderes executivo e legislativo.

          Desde o início dos anos 1990, Dugin esteve especialmente interessado em entrar em contato com oficiais militares ativos: vindo de uma família de militares, afirma regularmente que apenas o exército e os serviços secretos têm um verdadeiro senso de patriotismo. Dessa forma, em 1992, a primeira edição de Elementy trouxe textos de três generais que então eram os chefes de departamento na Academia do Estado-Maior. (15) Além disso, The Foundations of Geopolitics parece ter sido escrito com o apoio do general Igor Rodionov, que foi ministro da defesa em 1996-7. (16) Graças a este livro, Dugin foi convidado a ensinar na Academia do Estado-Maior, bem como no Instituto para Pesquisa Estratégica em Moscou. Ele lhes ofereceu uma certa visão da política internacional adornada por um "isolacionismo que serve apenas para disfarçar um projeto de expansão e conquista." (17) Após este bestseller, Dugin expandiu consideravelmente sua presença na principal mídia russa; para alguns, ele se tornou uma personalidade respeitável da vida pública. O sucesso de seu livro de geopolítica, agora usado como leitura em numerosas instituições de ensino superior, bem como suas aulas na Academia do Estado-Maior e na chamada Nova Universidade, satisfaz seu desejo de alcançar as elites políticas e intelectuais.

          Dessa forma, os anos 1998-2000 viram a transformação das tendências políticas de Dugin numa corrente específica que aplica múltiplas estratégias de penetração, visando a contracultura juvenil e as estruturas parlamentares. Dugin se afastou dos partidos de oposição, como o PCFR e o PLDR, e se aproximou de grupos centristas dando seu apoio ao então primeiro-ministro, Yevgeny Primakov. Em 2000, Dugin participou brevemente do movimento Rossiia liderado pelo comunista Gennadiy Seleznyov e escreveu seu manifesto, antes de sair devido a desentendimentos com sua liderança. A eleição de Putin como presidente em março de 2000 causou uma mudança ainda mais forte nas atitudes políticas de Dugin, quando começou a se aproximar do novo homem forte do país. 

          Em 21 de abril de 2001, ele resolveu colocar as cartas na mesa e criou um movimento chamado Evraziia, do qual foi eleito presidente. Durante sua convenção fundadora, o Evraziia - geralmente descrito como uma ideia do conselheiro presidencial Gleb Pavlovsky, que é próximo de Dugin - se reuniu oficialmente com Putin e propôs participar nas próximas eleições como parte de uma coalizão governamental. O objetivo do movimento, de acordo com a declarações de Dugin, é formular a "ideia nacional" que a Rússia necessita: "nosso objetivo não é chegar ao poder, nem lutar pelo poder, mas lutar por influência sobre ele. Essas são coisas diferentes." (18) Em 30 de maio de 2002, o Evraziia foi transformado em partido político, que Dugin define como "radicalmente centrista", uma formulação ambígua que decorre de sua atitude tradicionalista. Dugin aceita a combinação de "patriotismo e liberalismo", que afirma que Vladimir Putin propõe, com a condição de que o elemento liberal se mantenha subservientes aos interesses do Estado e aos imperativos da segurança nacional. Como ele diz, "nosso patriotismo não é apenas emocional, mas também científico, baseado na geopolítica e nos seus métodos," (19) uma afirmação clássica dos neoeurasianos. De acordo com seus próprios dados, o novo partido tem 59 agências regionais e mais de 10.000 membros. Sua criação foi saudada publicamente por Alexander Voloshin, então chefe da administração presidencial, e Alexander Kosopkin, chefe do Departamento de Assuntos Internos da administração.

          Dugin também recrutou o apoio de outro figura influente próxima ao presidente, Mikhail Leontev, o apresentador da Odnako (transmitido pelo Pervyi kanal, o primeiro canal da TV estatal russa), que se juntou o Comitê Central do partido. Fortalecido pelo seu sucesso depois das demostrações públicas de reconhecimento, Dugin esperava adquirir influência dentro de uma nova e promissora formação eleitoral, o bloco Rodina, e usá-la como plataforma para uma candidatura nas eleições parlamentares em dezembro de 2003. Entretanto, essa aliança era taticamente de curta duração e questionável no seu conteúdo ideológico. Dessa forma, Dugin nunca escondeu seus desdém pela nostalgia monarquista e a ortodoxia politizada representada pelos líderes do Rodina, como Dmitri Rogozin e Natalia Narochnitskaia. Na verdade, parece que Sergei Glazyev (20) foi o responsável pela aproximação de Dugin. Embora Glazyev não possa ser considerado um neoeurasiano, ele participou da convenção fundadora do Evraziia em 2002. Os dois homens compartilham um interesse em políticas econômicas pró-socialistas, e Dugin reconheceu sua simpatia pelas ideias econômicas de Glazyev (que ele chama de "saudáveis) mesmo depois deste último deixar o Rodina em março de 2004.

          Dugin e Glazyev se conheceram em fevereiro de 2003 para constituir um partido que definiram como "patriota de esquerda". Em julho, o Evraziia declarou-se pronto para apoiar a criação deste bloco eleitoral. Entretanto, ocorreram discussões internas sobre personalidades: o bloco precisava escolher três líderes que certamente se tornariam deputados se aprovados e se beneficiaria principalmente da publicidade da campanha. Dugin esperava ser escolhido, mas foi impedido por sua marginalidade política ligada à sua reputação como um teórico extravagante, cujas ideias são complexas demais para transmitir uma estratégia eleitoral. (21) No fim de setembro, o desapontado Dugin deixou o bloco Rodina explicando numa conferência à imprensa que o nacionalismo do Rodina era radical demais para ele - uma afirmação que deve tirar um sorriso daqueles mais familiarizados com seu trabalho. Este cenário nacionalista não o perturbou até então. Nem ele se aproximou do Rodina quando certos nacionalistas excessivamente virulentos como V. I. Didenko, líder do pequeno partido Spas, foram expulsos da lista de candidatos do bloco por pressão do Kremlin.  

          As acusações de Dugin contra o Rodina se dividem em duas categorias. Ele condena o bloco por ser muito próximo ao PCFR e sua oligarquia e critica seu "populismo irresponsável." Ele também se dirige aos que chama de "chauvinistas de direita": Sergei Baburin e o movimento Spas. (22) Por outro lado, Dugin insiste na missão conciliatória e multinacional do seu partido Evraziia, que "representa não apenas os interesses dos russos, mas também dos pequenos povos e das confissões tradicionais." (23) Dugin também acusou alguns membros do Rodina de racismo e anti-semitismo, destacando que o partido inclui ex-membros da Unidade Nacional Russa (24), bem como Andrei Savelyev, que traduziu Main Kampf para o russo. O primeiro conjunto de críticas é justificada pelas próprias convicções de Dugin: ele nunca escondeu seu desdém pelo atual Partido Comunista, não aprecia a atitude emocional dos ortodoxos em questões de política internacional, rejeita toda a nostalgia czarista, sempre denunciou o racialismo das teorias de Barkashov e condena o populismo eleitoral. O segundo conjunto de críticas parece mais oportunista: uma leitura atenta dos trabalho de Dugin releva claramente seu fascínio pela experiência nacional-socialista e seu ambíguo anti-semitismo. Hoje, Dugin está tentando minimizar esses aspectos do seu pensamento para se apresentar como um pensador "politicamente correto" esperando ser reconhecido pelo regime de Putin.

          Por ouro lado, conteúdos de Dugin emprestados ideologicamente do Rodina parecem bastante raros. Suas ideias tradicionalistas, nacional-bolchevistas e esotéricas, que constituem uma importante parte de seu pensamento, não são apreciadas pelo Rodina e não exerceram qualquer influência nas concepções do bloco. Na verdade, o Rodina é mais conservador do que revolucionário e não pode aceitar as sugestões provocativas de Dugin, que muitas vezes visam romper a ordem social. O aspecto estritamente neoeurasiano das ideias de Dugin - sua mais conhecida "marca registrada" na sociedade russa de hoje - está em sintonia com algumas concepções geopolíticas do Rodina, mas essa concordância é, na verdade, baseada no antiocidentalismo que é comum a ambos, e não numa visão compartilhada da Rússia como uma potência eurasiana. Por esta razão, apesar da tentativa de aliança, não se pode dizer que o Rodina tenha adotado elementos no pensamento neoeurasiano no sentido estrito do termo. Mesmo assim, essas relações difíceis não impediram Dugin de ficar entusiasmado com os resultados das eleições de dezembro de 2003, que levaram quatro partidos políticos (o partido presidencial Rússia Unida, o PCFR, o PLDR e o Rodina) para a Duma. Dugin tem conexões com cada um deles, e alguns membros de cada um destes partidos reconhecem abertamente terem sido inspirados por suas teorias. 

          Depois de seu fracasso pessoal no Rodina, Dugin reorientou suas estratégias para longe da esfera eleitoral, em direção à comunidade acadêmica. Daí a transformação do seu partido num "Movimento Eurasiano Internacional" (MEI), formalizado em 20 de novembro de 2003. O novo movimento inclui membros de cerca de vinte países, e seu principal apoio parece vir do Cazaquistão e da Turquia. Enquanto a organização original fundada em 2001 era composta principalmente de figuras da sociedade civil, (25) o Conselho Supremo do novo Movimento Eurasiano inclui representantes do governo e do parlamento: Mikhail Margelov, chefe do Comitê de Relações Internacionais do Conselho da Federação (a Câmara Alta do parlamento), Albert Chernyshev, embaixador da Rússia na Índia, Viktor Kalyuzhny, vice-ministro das Relações Exteriores, Aleksey Zhafyrov, chefe do Departamento de Partido Político e Organização Social no Ministério da Justiça, etc. O MEI chegou a pedir oficialmente que Vladimir Putin ou Nursultan Nazarbaev chefiassem o Conselho Supremo do movimento. Dugin felicita-se de ter ido além de um mero partido político para uma organização internacional. Ele agora cultiva sua imagem nos países vizinhos, divulgando fortemente suas viagens à Turquia, mas também para o Cazaquistão e à Bielorrúsia. Dugin se tornou um zeloso apoiador da União Econômica Eurasiana e tem o prazer de pensar que influenciou as decisões de Alexander Lukashenko e Nursultan Nazarbaev a favor de um integração mais próxima de seus países com a Rússia. Seu site também apresenta os diferentes grupos eurasianos em países ocidentais. A Itália está particularmente bem representada com numerosas traduções dos textos de Dugin, diversos sites inspirados pelo eurasianismo e uma revista, Eurasia. Rivista di studi geopolitici. A França é representada pela associação "Paris-Berlin-Moscou", enquanto a Grã-Bretanha há muito tempo possui um movimento eurasiano próprio. As associações austríaca, finlandesa, sérvia e búlgara e, claro, organizações em outras ex-repúblicas soviéticas, especialmente na Ucrânia e no Cazaquistão, são apresentadas como "partidos fraternais".          

          Tendo recebido entusiasticamente Vladimir Putin como o "homem eurasiano", (26) agora Dugin, desde 2005, parece estar profundamente desapontado com o presidente. De acordo com ele, Putin hesita em adotar um postura definitivamente eurasiana e sua comitiva é dominada pelo atlanticismo e por figuras excessivamente liberais. Nas relações atuais, Dugin está tentando jogar com a onda de antiocidentalismo que varreu parte da cena política russa depois das revoluções na Geórgia em 2003, na Ucrânia em 2004 e no Quirguistão em 2005. Ele assim estabeleceu a União da Juventude Eurasiana, liderada por Pavel Zarifullin, que se tornou bastante visível em setembro de 2005 com a criação amplamente divulgada de uma "frente anti-laranja." Dugin persegue, com relativo sucesso, seu objetivo de construir uma hegemonia cultural global: ele está tentando ganhar espaço nos movimentos de globalização alternativa (que promove alternativas à globalização liderada pelos EUA) e participar de reagrupamentos ideológicos internacionais. Essa direita, que Dugin moderniza e renova profundamente em suas teorias, parece assim ter sucesso em sua estratégia de entrar nas estruturas de esquerda, que estão mal informadas e buscam por todo e qualquer aliados na sua luta contra a dominação americana.

          Dessa forma, a presença regular, mas sempre temporária de Dugin no campo político não pode ser considerada uma nova fase de sua vida que se construiria sobre um corpo já completo de doutrinas. Embora Dugin esteja atualmente se concentrando no seu envolvimento com o movimento eurasiano e na publicações sobre o eurasianismo, não se deve esquecer que uma combinação similar ocorreu de 1994 a 1998, quando sua associação com o Partido Nacional-Bolchevique andou de mãos dadas com as publicações sobre o conceito de nacional-bolchevismo. Assim, Dugin parece ajustar sua estratégia de acordo com as oportunidades disponíveis para influenciar a opinião pública. Além do mais, ele continua ainda hoje a disseminar as ideais tradicionalistas, que têm sido seu pilar desde o início, apresentando um alto grau de consistência doutrinal. O que evoluiu é seu status público, marcado por seu desejo de não ser mais considerado um intelectual original e marginal, mas ser reconhecido como uma personalidade política respeitável próxima aos círculos de poder.

---

* Traduzido do nome em inglês, "Center for Geopolitical Expertise". Não há tradução do nome do centro em português.

(1) Para mais detalhes sobre a distribuição dessas publicações (impressões, reedições), ver: Andreas Umland, “Kulturhegemoniale Strategien der russischen extremen Rechten: Die Verbindung von faschistischer ideologie und metapolitischer Taktik im Neoeurasismus des Aleksandr Dugin,” Österreichische Zeitschrift für Politikwissenschaft, vol. 33, no. 2/2004, pp. 437–454.

(2) Vyacheslav Likhachev, Natsizm v Rossii, Moscow: Panorama, 2002, p. 103.

(3) O título deste show não é neutro. Se refere à famosa coleção de artigos de 1909 chamada Vekhi, considerado o manifesto contra a ideologia da intelligentsia radical. Os autores do Vekhi defendiam a primacia do espiritual e apelavam à intelligentsia revolucionária para que reconhecessem a origem espiritual da vida humana: para eles, apenas o idealismo concreto, manifesto no russo na forma de uma filosofia religiosa, permite objetivar o misticismo tradicional e fundir conhecimento e fé.

(4) Todas as suas publicações estão disponíveis na internet. Seus dois sites, Arctogaia (www.arcto.ru) e Evraziia (www.evrazia.org) também incluem links para a rede nacionalista que inclui sites como Novoe soprotivlenie (New Resistence), além de revistas disponíveis na internet como Lenin.

(5) The Ways of the Absolute (Puti absoliuta), escrito em 1989 e publicado em 1991, The Conservative Revolution (Konservativnaia revoliutsiia, 1994), Goals and Tasks of our Revolution (Tseli i zadachi nashei revoliutsii, 1995), Templars of the Proletariat (Tampliery proletariata, 1997), The Philosophy of Traditionalism (Filosofiia traditsionalizma) e The Evolution of the Paradigmatic Foundations of Science (Evoliuciia paradigmal’nykh osnovanii nauki, 2002), The Philosophy of Politics (Filosofiia politiki) e The Philosophy of War (Filosofiia voiny, 2004).

(6) The Metaphysics of the Gospel: Orthodox Esotericism (Metafizika Blagoi Vesti (Pravoslavnyi ezoterizm), 1996) e The End of the World. Eschatology and Tradition (Konets sveta: Eskhatologiia i tradiciia, 1997).

(7) The Mysteries of Eurasia (Misterii Evrazii) e The Hyperborean (Giperboreec, 1991), The Hyperborean Theory (1993).

(8) Conspirology (Konspirologiia, 1992, republicado em 2005), The Foundations of Geopolitics (Osnovy geopolitiki, 1996, quatro reedições), Our Way. Strategic Prospects for the Development of Russia in the 21st Century (Nash put’. Strategicheskie perspektivy razvitiia Rossii v XXI veke, 1998), The Russian Thing. Essays in National Philosophy (Russkaia veshch’. Ocherki natsional’noi filosofii, 2001), The Foundations of Eurasianism (Osnovy evraziistva), The Eurasianist Path (Evraziiskii put’) e The Eurasian Path as National Idea (Evraziiskii put’ kak natsional’naia ideia, 2002).

(9) Markus Mathyl, “The National-Bolshevik Party and Arctogaia: Two Neo-fascist Groupuscules in the Post-Soviet Political Space,” Patterns of Prejudice, vol. 36, no. 3/2003, pp. 62–76.

(10) Stephen Shenfield, Russian Fascism. Traditions, tendencies, movements, London: M. E. Sharpe, 2001, p. 194.

(11) Eduard Limonov, Moya politicheskaia biografiia, St. Petersburg: Amfora, 2002, p. 64.

(12) Andrei Tsygankov, “Hard-Line Eurasianism and Russia’s contending geopolitical perspectives,” East European Quaterly, no. 3, 1998, pp. 315–334.

(13) Osnovy geopolitiki: Geopoliticheskoe budushchee Rossii, Moscow: Arktogeya, 1997. Sobre esse livro, see J.B. Dunlop, “Aleksandr Dugin’s ‘Neo-Eurasian’ Textbook and Dmitrii Trenin’s Ambivalent Response,” Harvard Ukrainian Studies, vol. xxv, no. 1-2/2001, pp. 91–127. [

(14) Aleksandr Dugin, “Evraziiskaia platforma,” Zavtra, 21 January 2000.

(15) Wayne Allensworth, The Russia Question: Nationalism, Modernization, and PostCommunist Russia, Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 1998, e “The Eurasian Project: Russia-3, Dugin and Putin’s Kremlin,” artigo apresentado na Convenção Nacional da Associação Americana para o Avanço dos Estudos Eslavos, Salt Lake City, 4-6 November 2005.

(16) Para detalhes sobre as conexões de Dugin com círculos militares, ver: Dunlop, op. cit., pp. 94, 102.

(17) Françoise Thom, “Eurasisme et néoeurasisme,“ Commentaires, no. 66/1994, p. 304.

(18) “Evraziistvo: ot filosofii k politike,” artigo de Dugin no congresso de fundação do movimento Evraziia, 21 April 2001.

(19) “My—partiia natsional’noi idei,” artigo de Dugin na conferência ao preparar a transformação do Evraziia em partido político, 1 March 2002.

(20) Um economista por prática, Glazyev era conhecido desde o colapso da União Soviética como um partidário das reformas econômicas. Em 1991, ele foi nomeado vice-ministro (e, em dezembro de 1992, ministro) de Relações Econômicas Externas no governo de Egor Gaidar. Ele renunciou depois dos eventos de outubro de 1993, quando se recusou a apoiar Boris Yeltsin na sua luta contra a Casa Branca. Entre 1992 e 1995, foi deputado da Duma, presidindo o comitê do parlamento sobre políticas econômicas. Entre 1995 e 1999, ele trabalhou no Conselho da Federação e se aproximou de Alexander Lebed. Durante esses anos, Glazyev mudou de ideia sobre seus princípios econômicos liberais e se aproximou dos comunistas. Hoje ele é um intervencionista e estatista em questões econômicas, embora não advogue um retorno ao modelo soviético. Em 1999, foi eleito deputado pela lista do PCFR. Dentro do Rodina, Glazyev representou a ala esquerda. Apesar de sua repentina saída do bloco eleitoral, ele conseguiu se candidatar nas eleições presidenciais em março de 2004 e obteve 4,1% dos votos.

(21) Dunlop, op. cit., p. 104.

(22) “Partiia Evraziia vykhodit iz bloka Glaz’eva,” Km.Ru, 19 September 2003, http://www.km.ru/news/view.asp?id=7D D7770F40434412B24FDB116 DB19000.

(23) http://glazev.evrazia.org/news/190903- 1.html.

(24) A Unidade Nacional Russa (UNR), de Alexander Barkashov, foi um dos primeiros grupos a emergir depois do racha do Pamiat. Barkashov, que rejeita a nostalgia ortodoxa e czarista dos líderes do Pamiat, fundou seu próprio movimento, bem como o jornal do partido, Russkii poriadok. A UNR pegou uma parte significativa de seus símbolos do nazismo: a suástica, a saudação romana, as roupas paramilitares e partes do programa do PNSTA [Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães], incluindo uma economia mista e teorias eugênicas. O UNR afirma que a URSS implementou um programa de miscigenação racial entre eslavos e povos não-arianos com o objetivo de fazer os eslavos desaparecerem. O UNR diferiu de diversos outros grupos nacionalistas pós-soviéticos em sua definição racialista de nação russa. O movimento implodiu em 2000 e agora está dividido em numerosos pequenos grupos.

(25) A principal exceção era Dmitry Riurikov, um dos conselheiros de Boris Yeltsin sobre política internacional. Em 2001, ele se tornou membro do conselho central do Evraziia enquanto era embaixador da Rússia no Uzbequistão (mais tarde foi transferido para a Dinamarca).

(26) Em russo é impossível distinguir entre "eurasiano" e "eurasianista" (evraziiskii chelovek).