sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Trump, parceiro da Rússia? Notas sobre o artigo de Anne Applebaum

(Trump e Putin no encontro em Helsinque, em 16 de julho de 2018.)

          Na última postagem, comentei sobre o aprofundamento da integração entre Rússia e Bielorrússia, tornando este último mais dependente de Moscou e afastando-o dos países ocidentais. Utilizei como base um artigo da jornalista e historiadora americana Anne Applebaum escrito no The Washington Post de 4 de janeiro.

          O texto de Applebaum dava razões para que os países do Ocidente dessem mais atenção aos movimentos da Rússia em relação à Bielorrússia, o que eles não têm feito, citando como principal exemplo a postura de Trump. Seu governo teria abandonado o compromisso histórico dos EUA de garantir uma Europa unida e livre (uma clara alusão ao seu desdenho pela União Europeia) e estaria ajudando a divulgar informações que colaboram para a propaganda russa em diversos temas, como eventos (sem especificá-los) que envolvem Montenegro e Afeganistão. O governo Trump teria dado uma estranha atenção a um plano inexistente de invasão da Bielorrússia pela Polônia, por exemplo, extensamente divulgado pela mídia russa. Nas palavras de Applebaum, o presidente americano está "inclinado a adotar o ponto de vista da Rússia na maioria dos temas".

          Acompanhando as postagens de Applebaum no Twitter, percebe-se que a jornalista e historiadora é uma dura crítica de Trump. Não há nada de incomum ou errado nisso, mas observando analistas ocidentais pelo mesmo meio de comunicação, praticamente todos são duros críticos, quando não debochados, em relação ao presidente americano. Isto torna uma análise fria mais difícil e põe em questão a pretensa imparcialidade das fontes.

          A postura americana em relação à Rússia é vista como negativa quando o presidente americano se dirige diretamente ao colega russo. Analistas vêem isso, com certa razão, como um afago ou tratamento imerecido a Putin. Mas vejamos alguns pontos: logo no início do mandato de Trump, a ex-diplomata americana na ONU, Nikki Haley, afirmou firmemente que os EUA não levantariam as sanções econômicas contra a Rússia enquanto esta não devolvesse a Crimeia à Ucrânia. Esta também era a posição do próprio presidente americano. Seu ex-secretário de defesa, James Mattis, era firme apoiador da OTAN, aliança militar que tem sido a principal dor de cabeça do Kremlin há mais de 20 anos. Ademais, em 11 de abril de 2017, Trump apoiou a entrada de Montenegro na aliança, e em setembro de 2018 ainda considerava a instalação de uma base americana na Polônia, para desgosto dos russos. Não apenas a Polônia, mas os Países Bálticos são favoráveis à presença americana na região. Eles conheceram o domínio russo no período comunista e não o querem de volta, nem como possibilidade.

(Anne Applebaum)

          Se compararmos as ações de Trump em relação ao seu antecessor, a oposição à Rússia fica mais clara. Em setembro de 2009, o governo Obama abandonou o projeto de criação de um escudo anti-míssil na Europa lançado por seu antecessor, George W. Bush, sob a alegação de uma ameaça nuclear do Irã. Ocorre que o Irã até hoje não possui armas nucleares. O escudo era claramente uma defesa contra a Rússia. Mas uma iniciativa semelhante nos dias de hoje geraria uma reação muito mais agressiva de Moscou, como observado nas tensões militares entre Rússia e OTAN no segundo semestre de 2016. Obama também retirou as tropas do Iraque em 2011, o que teria ajudado no surgimento e expansão do Estado Islâmico, agora atuante apenas na Síria. Sobre a saída dos americanos da Síria decidida por Trump, o impacto é muito menos relevante mesmo que isto ajude na consolidação da Rússia no país, cujas tropas atuam desde setembro de 2015. Na conferência anual à imprensa realizada em dezembro, Putin deixou claro que considera a Síria sua área de influência. Afirmou que a presença das tropas americanas no país eram "ilegítimas" e classificou sua saída como uma "decisão correta". Os EUA, porém, continuam com presença física no Iraque, mantém a aliança com a Arábia Saudita e fortaleceram o apoio político com Israel. Na gestão Obama, houve significativa piora das relações com sauditas e israelenses.

          Em contraste com as palavras amigáveis, Trump não tem sido tão condescendente com Putin nas vias de fato. Pelo contrário: o fortalecimento militar da OTAN, a garantia de alianças no Oriente Médio e a manutenção das sanções contra a Rússia, questões determinantes para a contenção da projeção russa no mundo, restringem a ação global de Moscou. Resta saber se o novo secretário de defesa, Patrick Shanahan, e a nova diplomata na ONU, a pouco experiente Heather Nouert (posto temporariamente ocupado por Jonathan Cohen desde 1º de janeiro), seguirão a mesma política.

          Críticas como as de Anne Applebaum são legítimas, porém, mais importante do que discursos e diatribes da Casa Branca, a questão central é o que está acontecendo concretamente, a política de fato, principalmente em questões econômicas e militares, os dois principais calcanhares de aquiles da Rússia. Caso Trump seja bem-sucedido em fortalecer os EUA no longo prazo (a economia americana está em plena expansão, por exemplo), menos espaço restará à Rússia na arena internacional. O plano de Putin de re-estabelecer a superpotência russa e recriar seu Império depende, principalmente, de tirar este posto dos EUA. Como vimos na Guerra Fria, o mundo era pequeno demais para duas superpotências, e para o Kremlin a Guerra Fria não acabou.

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