segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O desejo de uma Igreja Cristã na Ucrânia entre Moscou, Constantinopla e o Vaticano.

(Epifânio I e Sviatoslav)

          Nos últimos dias, o líder da Igreja Greco-Católica Ucraniana, o Metropolita Sviatoslav Shevchuk, fez diversas declarações no sentido de promover a unidade entre católicos e ortodoxos e a possibilidade, no longo prazo, de que sua igreja e a recém criada Igreja Ortodoxa Ucraniana se fundam numa só. Coisa muito complicada, já que os dois grupos têm dogmas diferentes e santos canonizados pela defesa de suas respectivas tradições. 

          Em entrevista dada no dia do Natal ortodoxo, em 7 de janeiro, Sviatoslav (chamado pelo Serviço de Informações Religiosas da Ucrânia de "Patriarca") declarou que é possível uma unidade entre as igrejas Greco-Católica e Ortodoxa na Ucrânia tendo como base a herança comum do Batismo da Rus de Kiev em 988, que deu início à cristianização dos eslavos. Os aspectos comuns da cultura como liturgia, língua e tradições certamente contribuem para a unidade, já que cristãos ucranianos da diáspora utilizam a língua materna no rito litúrgico, comum às duas igrejas, por vezes alternado o ucraniano com a língua da comunidade receptora. Esta união poderia ser  a criação de um Patriarcado de Kiev reconhecido tanto por Roma quanto Constantinopla através de uma comunhão eucarística.

          Sviatoslav também citou o diálogo católico-ortodoxo a nível universal. O ecumenismo da Igreja Católica teve início com o decreto Unitatis Redintegratio, do Papa Paulo VI, publicado em 21 de novembro de 1964, ao final do Concílio Vaticano II, e foi reforçado pela encíclica Ut Unum Sint, de João Paulo II, de 25 de maio de 1995. Nestes documentos, a Santa Sé reconhece a realidade do sacramento da comunhão ortodoxa (permitida aos católicos em circunstâncias específicas) e coloca a eucaristia, o batismo e a sucessão apostólica como os principais pontos de unidade entre as igrejas Católica e Ortodoxa. 

        Outro ponto de direto interesse aos ucranianos é a rejeição do "uniatismo", ou seja, da conversão de uma comunidade à outra, como ocorreu com a União de Brest de 1596, quando bispos ortodoxos no reino católico da Comunidade Lituano-Polonesa acertaram com Roma a união e deram origem à Igreja Greco-Católica Ucraniana de Sviatoslav. 

(Patriarca Ecumênico Bartolomeu I assinando o Tomos - documento de declaração - que oficializou a criação da Igreja Ortodoxa Ucraniana, em 5 de janeiro de 2019, na Catedral São Jorge, em Istambul. Epifânio I está à direita.) 

          Na visita que fez ao Papa Francisco no Vaticano em 3 de julho de 2018, o Metropolita conversou sobre a relação com os ortodoxos na Ucrânia, que então discutiam a criação de uma única igreja, e reafirmou o compromisso de rejeição do uniatismo. Saviatoslav reiterou, assim, outro elemento importante do ecumenismo, citado na entrevista de Natal, que é o estabelecimento de um diálogo constante com os ortodoxos através da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa. O organismo foi criado pelo Patriarca de Constantinopla Dimítrios I e Joao Paulo II, quando este viajou à Istambul, em 30 de novembro de 1979. O objetivo final da Comissão é o reestabelecimento da unidade da Igreja Cristã existente antes do cisma de 1054. Desde então, ela vem realizando diversas reuniões no sentido de buscar as bases comuns das duas igrejas para depois tratar das divergências. A rejeição conjunta do uniatismo veio na Declaração de Balamand (Líbano) na reunião de junho de 1993.  

          O desafio e o desejo do Metropolita ucraniano não são nada fáceis, com pressão por parte dos russos e orientações da Santa Sé. Com o Anúncio de Constantinopla, em 11 de outubro de 2018, da criação de uma Igreja Ucraniana, o Patriarcado de Moscou rompeu relações com o Patriarcado Ecumênico quatro dias depois. Isto colocou a Santa Sé numa posição ainda mais delicada. Em 31 de julho de 2018, o Papa Francisco havia recebido no Vaticano uma delegação liderada pelo Metropolita Hilarion, chefe do Departamento para Relações Exteriores da Igreja do Patriarcado de Moscou. No encontro, o Papa firmou que a Igreja Católica (e as "Igrejas Católicas", uma indireta à Igreja Greco-Católica Ucraniana) não deveria interferir na relação entre os ortodoxos e na Igreja Russa, desautorizando que outros líderes católicos influenciassem ou opinassem sobre o tema. Desta forma, a Santa Sé também pressiona para que os católicos ucranianos não influenciem a questão ortodoxa na Ucrânia, tornando mais sensível o desejo de unidade de Sviatoslav. Moscou se retirou na Comissão Mista Internacional, da qual o Patriarcado Ecumênico faz parte, e optou por manter com o papado apenas relações bilaterais.

          Desde pelo menos a década de 1960, há um movimento de católicos ucranianos para a elevação da Igreja Greco-Católica à condição de Patriarcado. Isto resultaria num fortalecimento da unidade nacional e, por consequência, de uma aproximação entre católicos e ortodoxos no país, aumentado as chances de uma unidade entre as igrejas. Isto às custas da Igreja Russa que, com a criação em 5 de janeiro da Igreja Ortodoxa Ucraniana unificada, perdeu a jurisdição religiosa sobre o país depois de 332 anos. Portanto, um Patriarcado católico afastaria ainda mais a Ucrânia da Rússia que, com a tomada da Crimeia e a promoção de uma guerra no país vizinho em 2014, está perdendo a batalha pela restauração de um Império Russo com sua Igreja oficial.

(Ícone da Unidade pintado por um monge ortodoxo do Monte Athos, na Grécia, em 1968.)

          Dadas as disposições, ainda que cautelosas, do novo Patriarca ucraniano Epifânio I (a ser entronizado em 3 de fevereiro) de colaborar com o diálogo com os católicos, o empenho entusiasmado de Sviatoslav e do Patriarca Ecumênico Bartolomeu I no diálogo ecumênico e o desejo de décadas dos católicos ucranianos de elevar sua igreja à condição de Patriarcado pode abrir as portas para uma unidade das igrejas. Caso isto venha a ocorrer no futuro, as consequências serão avassaladoras (no bom sentido), dado que a civilização ortodoxa foi construída sobre a propagação do cristianismo no mundo eslavo, o que arrastaria centenas de milhões de pessoas à unidade com o Ocidente. Isto ajudaria diretamente na promoção da paz no mundo inteiro.

          Esta é uma missão difícil que, de acordo com a tradição católica, só poderá ser realizada pela ação do Espírito Santo.         

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