quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Rússia declara apoio a Maduro. E agora?

(Putin recebendo Maduro em sua residência oficial perto de Moscou, em 5 de dezembro de 2018. Promessa de apoio político.)

          Em meio à grave crise social, política e econômica que atinge a Venezuela, Vladimir Putin telefonou para o presidente Nicolas Maduro para expressar apoio à sua autoridade como presidente do país. Diversos países do mundo, como EUA, Canadá e Brasil, declararam não reconhecer o novo mandato de Maduro e consideraram Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, como presidente encarregado legítimo.

          Na mensagem, Putin afirmou que "a piora da situação política interna" é "provocada de fora do país", um alusão, ainda que não exclusiva, aos EUA, e que essa interferência é uma "grosseira violação" da lei internacional.

          Observando as votações na ONU, as alianças internacionais e as declarações de Moscou e Washington, principalmente depois que a Rússia anexou a Crimeia e passou a patrocinar uma guerra no leste da Ucrânia, fica claro que a Venezuela é um aliado dos russos e que serve como espaço de presença do Kremlin numa região tradicionalmente influenciada pelos EUA.

          Em dezembro passado, a Rússia enviou dois bombardeiros Tupolev Tu-160 Blackjacks à Venezuela para realizar exercícios militares com as forças armadas locais, onde ficaram do dia 10 a 14 de dezembro. No dia 12, realizaram manobras aéreas com duração de 10 horas sobre o Mar do Caribe. Os Tu-160 foram apresentados em novembro de 2017 e foram projetados para realizar voos de mais 10 mil quilômetros de distância sendo capazes de carregar armas nucleares.

          A presença dos bombardeios na Venezuela foi um duplo recado para os EUA, que abandonou recentemente um tratado sobre ogivas nucleares assinado com os soviéticos em 1987 (Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, INF em inglês, que Trump acusou ter sido violado várias vezes pelos russos) e vem aumentando o tom das críticas ao governo ditatorial de Maduro. Também pode ser uma resposta ao apoio dado pelos americanos à Ucrânia na crise do Estreito de Kerch, em novembro de 2018. De forma secundária, é também um recado ao Brasil de Jair Bolsonaro, maior país da América Latina, que tem sido duro crítico de Caracas e busca um alinhamento com Washington. 

(Tupolev Tu-160)

          Há também a possibilidade da Rússia estabelecer uma base militar na ilha venezuelana de La Orchila, no Mar do Caribe, o que garantiria presença permanente de tropas na região e suplantaria dificuldades logísticas, como o deslocamento e abastecimento de aviões como o Tu-160. Ainda que o interesse russo no local tenha mais de dez anos e esta possibilidade não seja clara, uma base em La Orchila implicaria numa mudança da segurança militar das Américas liderada pelos EUA.  

          A presença russa também é uma forma de reafirmar sua aliança com Caracas. Entre 2016 e 2017, Moscou emprestou pelo menos U$ 17 bilhões à Venezuela, e em dezembro de 2018 (quando Maduro encontrou Putin) prometeu mais U$ 6 bilhões em investimentos na indústria de petróleo e na exploração de ouro. Tais dívidas são pagas em parte com petróleo e a participação da estatal russa Rosneft em negócios da venezuelana PDVSA. No campo político, Maduro tem sido um firme apoiador de Moscou nas suas ações geopolíticas, como na Ucrânia e países vizinhos. 

          A questão que fica nestes dias tensos para os venezuelanos é: a Rússia vai agir ante a ameaça de uma possível queda de Maduro? Num momento de tensão, fica em aberto a possibilidade de Caracas pedir a Moscou ajuda de última hora, já que, como mostrou o telefonema de Putin, se a crise política atual é causada por interferência estrangeira seria legítimo que outros estrangeiros (os russos) viessem em defesa de Maduro. Ademais, os russos têm muito a perder com uma eventual queda do governo, não só dinheiro e contratos, mas também uma possível presença militar a médio prazo no Mar do Caribe, região tradicionalmente influenciada por Washington. O quadro que não se vê nas Américas desde a Crise dos Mísseis de 1962 poderia se repetir, ainda que num grau menor do que a tensão que quase levou o mundo a uma guerra nuclear.

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