quarta-feira, 22 de junho de 2016

O hooligan do Kremlin

(Vladimir Putin e Alexander Shprygin (atrás) na homenagem em 21 de dezembro de 2010 ao torcedor do Spartak de Moscou assassinado por uma gangue do Cáucaso.)

O jogo Rússia X Inglaterra na Eurocopa 2016 foi acompanhado por pancadaria entre hooligans russos e ingleses antes, durante e depois da partida ocorrida em Marselha, França, no dia 11 de junho.

Não está claro quem começou a confusão. As imprensas britânica e russa deram versões opostas aos acontecimentos, afirmando (ou sugerindo) que a violência teria começado do lado adversário. Segundo uma reportagem do inglês Daily Mail, cujo site apresenta muitas imagens fortes de violência, a pancadaria dentro do Stade Velódrome começou após o final da partida quando hooligans russos vestidos com balaclavas invadiram a área dos ingleses e rasgaram suas bandeiras, provocando pancadaria e grande correria. Mas já havia ocorrido violentos confrontos nas ruas de Marselha no dia anterior (10), com diversas testemunhas afirmando que os russos se juntavam em grupos organizados para criar tumulto e jogavam todo o tipo de objeto presente na ruas e com alguns até mesmo usando facas.

(Hooligans ingleses na pancadaria em Marselha.)

Uma reportagem do jornal russo Pravda disse que a confusão no estádio começou com provocações políticas e ofensas por parte dos ingleses e que uma bandeira russa foi rasgada, o que teria resultado na reação destes. O fato teria sido testemunhado por dois jornalistas esportivos britânicos. Outra fonte russa, Russia Today, citando relatos da internet, afirmou que hooligans russos e britânicos teriam se unido para confrontar torcedores locais, sendo a maioria deles "negros e árabes", e que quando houve briga entre russos e britânicos foi por iniciativa dos segundos.

Na noite após a partida quarenta policiais franceses invadiram o hotel onde estavam hospedados os torcedores russos. Os policiais estariam armados, entraram nos quartos e registraram os torcedores com fotografias e cópias das identidades.

A violência resultou em multa de 150 mil euros para a Rússia. A UEFA ameaçou com a desclassificação das seleções russa e inglesa da Eurocopa caso suas torcidas se envolvessem em novos confrontos. A Inglaterra não foi multada.

(Briga no Stade Velódreme, no jogo entre Rússia e Inglaterra, em 11 de junho. Aparentemente os russos estão à esquerda da imagem indo de encontro aos ingleses do lado direito.) 

Os britânicos destacaram a cobertura da imprensa russa. Segundo o jornal The Guardian afirmou que os torcedores russos foram retratados por sua imprensa como "heróis" frente à violência dos britânicos. Os russos teriam sido atacados e lutaram de forma heroica contra "hordas" de hooligans, e que num dado momento 250 de seus torcedores repeliram o ataque de milhares de ingleses. Já um artigo no Pravda criticou a mídia ocidental de apenas repetir as informações da polícia francesa e da UEFA (numa alusão à sua posição anti-Rússia), e fez duras críticas às duas organizações. Disse que a polícia seria despreparada para lidar com potenciais problemas num grande evento esportivo que reúne torcedores violentos. Sugeriu também que ela teria agido de forma totalmente parcial, questionando por que não punira os hooligans ingleses que há dias causavam tumulto, por que não era capaz de lidar, por exemplo, com os imigrantes ilegais, e por que com tudo isso só os torcedores russos foram presos e deportados de forma indiscriminada após a violência em Marselha. Sobre a UEFA, o artigo questionou se a organização não teria recebido propina para organizar a Eurocopa na França, com estádios e administração incapazes de garantir a segurança no evento. Sugeriu ainda que a União Russa de Futebol e outros prejudicados deveriam recorrer à corte da União Europeia, segundo o autor um organismo anti-russo. Seria uma oportunidade de mostrar ao mundo a hipocrisia da organização.

A deportação de russos da França comentado no Pravda não é tão "parcial" quanto parece. O episódio começou em 14 de junho, quando um ônibus com torcedores russos que se dirigia de Marselha para Lille foi parado pela polícia. O veículo ficou retido por um dia. Das 43 pessoas detidas, 20 foram liberadas, 20 foram levadas para a deportação e outras três ficaram à espera da justiça. Neste ônibus estava a delegação da União dos Apoiadores Russos (RSU), cujo líder era Alexander Shprygin, um dos deportados. A deportação dos detidos ocorreu no dia 17.

Shprygin não é um torcedor qualquer. Ele tem um longo currículo como líder de torcida, agitador político, organizador de eventos esportivos e de relações com o Kremlin. Torcedor do Dínamo de Moscou, ele também é fundador e líder organização nacionalista União dos Apoiadores Russos de 2007. Fez parte da delegação oficial russa que visitou as cidades-sede da Eurocopa em março deste ano. Na ocasião as delegações locais de Toulouse e Marselha se recusaram a receber Shprygin sob a justificativa de que teria problemas com a polícia. Ele também faz parte do comitê local da Copa do Mundo de 2018 para as partidas de Moscou. Ao viajar para a Eurocopa num voo fretado, seis membros da delegação da RSU tiveram o visto de entrada na França negados.

A organização Fare Network, ligada à UEFA e à FIFA e responsável pelo monitoramento de discriminação e violência nas torcidas de futebol, afirma que Shprygin é um dos principais responsáveis por introduzir práticas e simbologias nazistas nas partidas desde anos 90, e que ele estaria ligado a grupos de extrema-direita, ultranacionalistas e teria relações íntimas com políticos russos do alto escalão. Em maio a Fare teria avisado a UEFA sobre o credenciamento do líder russo na organização, que respondeu já fazer a triagem de seus credenciados.

(Igor Lebedev, que deu apoio explícito aos hooligans, é vice-presidente da Duma, deputado pelo ultranacionalista LDPR e membro do comitê executivo da União Russa de Futebol. Shprygin é seu assessor pessoal.)

A relação oficial de Shprygin com organizações esportivas internacionais está relacionada à sua intimidade com o Kremlin. Ele trabalha como assessor do vice-presidente da Duma. Igor Lebedev é deputado pelo Partido Liberal Democrático da Rússia (LDPR) que, apesar do nome, é extremo-nacionalista e antiocidental. Ele tem este nome desde 1991, mas foi fundado em 1989 por Vladimir Zhrinovsky, considerado um dos principais representantes do nacionalismo russo e conhecido por suas posições extremistas. O LDPR se insere na gama de grupos e movimentos considerados por analistas ocidentais como "ultranacionalistas" e de "extrema-direita".

(Ministro dos Esportes da Rússia, presidente da União Russa de Futebol e membro do conselho da FIFA: pouca moderação.) 

Lebedev faz parte do comitê executivo da União Russa de Futebol. Em 31 de julho de 2015 ele desistiu de se candidatar à presidência da organização para apoiar Vitaly Mutko, atual presidente da União e ministro dos esportes da Rússia. O apoio veio numa troca de favores. Depois de um encontro entre os dois, Lebedev disse que "ele [Mutko] me apoiará para as eleições do comitê executivo, e eu o apoiarei nas eleições para presidente". Mutko faz parte do conselho da FIFA e é peça-chave na organização da Copa do Mundo 2018.

A proximidade de Shprygin com organismos esportivos oficiais da Rússia ajuda a explicar (mas não justificar) a reação pouco diplomática de Lebedev e Mutko a respeito da violência em Marselha. No dia da pancadaria, Lebedev deu apoio aos hooligans pelo twitter dizendo que eles "defenderam a honra de nosso país" e "não deixaram os torcedores ingleses ofender nossa terra". Disse ainda que "não vejo nada de errado com a briga entre torcedores", e completou: "muito pelo contrário, bem feito rapaziada! Vão em frente!" Já Mutko estava presente no jogo Rússia X Inglaterra, e foi filmado aplaudindo os torcedores russos depois do jogo e da pancadaria. Comentou que no jogo não houve confronto entre as torcidas, que isto era um "exagero" e que estava "tudo bem". O ministro conversou com Shprygin e não falou nada sobre a briga. Apenas parabenizou o grupo pela "vitória", uma possível referência ao confronto no estádio já que o jogo acabou empatado em 1 a 1. Mais tarde Mutko minimizou a situação e disse que a violência de alguns torcedores eram uma "vergonha para o país".

Shyprygin também é próximo de Vladimir Putin. Em 2010 o líder de torcida foi fotografado junto do presidente russo na homenagem a um fã do time Spartak assassinado em Moscou. Ele também já esteve em reuniões presididas por Putin, como em janeiro de 2012 quando estavam presentes os então presidentes da FIFA e da UEFA, Joseph Blatter e Michel Plattini. Não é possível saber exatamente quão próximos são Shprygin e Putin, mas citada reunião o presidente referiu-se ao líder de torcida como "Sasha", diminutivo de Alexander, o que sugere alguma intimidade entre os dois.

Além do apoio explícito de Lebedev e da minimização de danos de Mutko, reação na Rússia à detenção de torcedores e à violência foi de crítica à ação da polícia e à suposta parcialidade das autoridades no tratamento com os russos. O ministro das relações exteriores, Sergei Lavrov, fez duras críticas à detenção dos torcedores dizendo que elas eram "absolutamente inaceitáveis". Disse ainda que as autoridades francesas não comunicaram a embaixada ou o consulado de Marselha de que fariam a interceptação do ônibus da torcida, e que as informações foram conhecidas apenas pelas redes sociais. Apesar de admitir o "comportamento inaceitável" de alguns torcedores russos, Lavrov criticou a atitude provocativa dos ingleses, e disse que as autoridades francesas estavam ignorando voluntariamente o comportamento destes últimos e que esperava um tratamento igual para ambos os grupos. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse esperar uma investigação justa a respeito dos confrontos em Marselha.

Vladimir Putin, que estava no Fórum Econômico de São Petersburgo, criticou os hooligans russos dizendo que a briga com os ingleses era uma "desgraça" e que esperava que a lei fosse igualmente aplicada a todos os envolvidos. O presidente, porém, fez um comentário irônico dizendo "eu realmente não entendo como duzentos de nossos torcedores poderiam bater em vários milhares de ingleses". Foi uma clara referência à informação divulgada na imprensa local de que poucos russos teriam colocados muitos ingleses a correr.

A repetida ênfase dada pelo Kremlin de que as autoridades francesas deveria dar tratamento igual tanto aos russos quanto às demais nacionalidades mostra a desconfiança dos líderes do país sobre a política ocidental. O mesmo é válido para a imprensa.

(Hooligans neonazistas do Spartak de Moscou: penetração de movimentos extremistas no futebol russo desde a década de 90.)

A "cultura" esportiva da qual Shprygin faz parte foi comentada numa longa reportagem pelo jornal escocês Herald Scotland. Os hooligans russos referem a si mesmo como "ultras" e tem origem nos clubes de futebol de Moscou e São Petersburgo. Eles se inspiram no período em que os hooliganismo inglês estava mais ativo, na década 1970. Têm um comportamento ascético, não fumam nem bebem, praticam treinos físicos, táticas de ação em grupo e viajam a outras cidades para confrontar torcedores de outros clubes. Segundo um analista, eles seriam quase na sua totalidade "de direita", "racistas" e "homofóbicos", e muitos deles acreditam ter o dever de defender os valores tradicionais russos. Os ultras também organizam os chamados "vagões brancos", que é a ação violenta contra pessoas de "aparência não-eslava" e adversários ideológicos dentro dos metrôs urbanos. Possivelmente devido à proximidade da Copa 2018, a polícia russa tem  combatido firmemente a violência nos clubes de futebol e tem conseguido evitar tumulto dentro das cidades, obrigando os hooligans a travarem suas batalhas em áreas afastadas.

A reportagem levanta a questão da existência de uma relação entre os ultras, grupos extremistas e o Kremlin, e de como o Estado estimula a ação de tais grupos. Diz que não há consenso entre pesquisadores sobre o nível de controle do Kremlin sobre os hooligans, uns afirmando que entre eles predominam pessoas comuns, outros dizendo que eles foram criados pela FSB, serviço secreto sucessor da KGB. Os vínculos entre as partes não são muito claros.

Um especialista ouvido pelo Herald explicou que o Kremlin tem uma política de cooptação de grupos nacionalistas, dentre eles os ultras. Ele diz que o grupo juvenil Nashi, criado pelo governo, por exemplo, é composto por membros das torcidas dos times moscovitas CSKA e Spartak. Mas o episódio que solidificou a relação do Kremlin com os torcedores de futebol foi um protesto realizado em 11 de dezembro de 2010 na Praça Vermelha, em Moscou, reunindo entre seis e sete mil pessoas. O estopim foi o assassinato de um torcedor do Spartak dois dias antes numa briga com uma gangue de imigrantes do Cáucaso. O protesto foi o convocado por organizações extremistas como o Movimento Contra a Imigração Ilegal, grupo xenófobo conhecido por difundir a rejeição à imigração e por organizar marchas em defesa dos "brancos" contra "pessoas de cor". Houve confrontos com a polícia, agressões a pessoas de aparência não-eslava e trinta feridos. No dia 21, Vladimir Putin esteve no túmulo do torcedor para colocar flores e prestar-lhe homenagens. Num discurso ele chamou a atenção de que "extremistas" estavam tentando se infiltrar nas torcidas de futebol, e pediu aos torcedores para não deixarem "ninguém deixar manipular vocês". Foi nesta homenagem que Shprygin apareceu ao lado de Putin.

(Shprygin fazendo a saudação nazista com membros da banda Korrozia Metala, em 2001, é um dos indicativos de suas inclinações ideológicas.)

Apesar de alguns episódios não permitirem conclusões definitivas, as atitudes de Shprygin dão indicativos sobre suas preferências ideológicas. Em 2001 ele foi fotografado fazendo a saudação nazista ao lado de membros da banda russa de heavy metal Korrozia Metala, que tem música banidas na Rússia por incitar "ódio étnico". Noutra ocasião, ele ficou preso por quase um ano por agredir o vocalista da mesma banda, e ainda teve uma pena de dois anos suspensa pela justiça. Apesar de se dizer "antifascista" e "não ter nada contra os judeus", o líder hooligan já fez declarações de conotações raciais a respeito dos times de futebol russos e de outros países.

Depois de ser deportado da França em 17 junho, Shprygin tomou uma atitude surpreendente: voltou rapidamente ao país e foi preso de novo no dia 20. A prisão foi noticiada pelo porta-voz do Ministério do Interior da França e ocorreu dentro do estádio de Toulouse no jogo entre Rússia e País de Gales. 

Poucos antes de ser preso, Shprygin conversou por telefone com a agência francesa de notícias AFP. Ele disse que teria sido informado pelas autoridades francesas de que não fora deportado, mas expulso. Portanto, seu visto de entrada na União Europeia ainda era válido. Disse também que estava com os tíquetes para assistir o jogo. O problema é que sua proibição era válida ao território francês. Daí sua prisão. Para mostrar como voltou à França sem ser barrado, Shprygin postou fotos no twitter de um aeroporto europeu que seria o de Barcelona e disse que chegou ao país por terra, numa "uma rota incomum sob a penumbra da noite".

(Shprygin com bandeira russa estilizada após ser liberado pela polícia francesa para ser deportado pela segunda vez em 20 de junho.)

Shrpygin foi solto logo em seguida à sua prisão. O Ministério das Relações Exteriores da França disse que ele seria deportado saindo de Toulouse para Paris e daí para Moscou. Com a derrota para o País de Gales por 3 a 0, a Rússia foi eliminada da Eurocopa 2016.

Neste meio tempo, outro três russos foram sentenciados a mais de dois anos de cadeia. Estes são provavelmente os três hooligans que estavam no ônibus da RSU detido no dia 14, quando 20 foram liberados e outros 20 deportados. A prisão irritou as autoridades russas, que chamaram o embaixador francês em Moscou para consultas.

A volta do líder da RNU à França foi um gesto de audácia e desafio às leis europeias e, de forma geral, ocidentais, ainda mais quando se trata de uma liderança envolvida em atos criminosos como a violência ocorrida em Marselha. É evidente a intimidade de Shprygin com o governo russo, e é muito provável (ainda que não se possa concluir com as informações aqui disponíveis), que torcidas organizadas russas e hooligans recebam apoio direto do Kremlin. Este apoio ficou mais evidente quando membros da RNU foram assistir à Eurocopa na França com um avião fretado e quando Shprygin voltou rapidamente, de forma clandestina, ao país. Não é possível saber quem exatamente financia ações deste tipo, bem como de quais seriam os setores estatais ou privados que dão apoio aos hooligans russos. Isto foge ao escopo desta análise. De qualquer forma, a íntima conexão com políticos de alto-escalão do governo russo, como a relação direta entre Shprygin, Lebedev, Mutko e a proximidade destes com Putin reforçadas pelos preparativos para a Copa de 2018, denotam que o hooliganismo russo recebe, sim, suporte do Estado.

É de extrema ironia a declaração de Putin na homenagem ao torcedor do Spartak de Moscou assassinado em 2010 quando ele disse que "extremistas" estavam tentando se infiltrar nas torcidas de futebol e pediu para que os torcedores não se deixassem "manipular". Era o chefe do Kremlin pedindo para cuidar o que o próprio Kremlin estava fazendo. Isto é muito representativo do comportamento das autoridades russas, que fazem um jogo duplo junto à sociedade e a aplicam esta mesma estratégia na Europa, a exemplo da ação dos hooligans em Marselha.

(Hooligans e o Kremlin: estratégia e intimidade.)

Marlene Laruèlle, ao analisar as divisões ideológicas da "direita radical russa", diz que os variados grupos, apesar de divergirem ideologicamente, têm algumas bases comuns: defendem a unidade nacional russa baseada na história, na tradição e nos laços étnicos e/ou raciais, têm um sentimento antiocidental e veem o país ameaçado por forças externas e internas. Estes parecem ser alguns dos princípios defendidos pelos hooligans russos na esfera ideológica.

Não dá para saber se a ação dos hooligans foi deliberadamente combinada com as autoridades russas. De qualquer forma, o que importa são seus efeitos concretos. A pancadaria em Marselha foi a oportunidade para que o Kremlin, com seus políticos e ministros, reivindicasse das autoridades francesas "tratamento igual" para russos e denunciasse sua suposta parcialidade. O atrito resultante foi mais um capítulo da complexa trama política em que Moscou tenta envolver o Ocidente em tensões políticas e sociais na expectativa de dividi-lo, jogá-lo contra si mesmo e depois oferecer uma "solução" para o problema. Neste contexto o papel de Shprygin, consciente ou não, fica claro. Ele é muito mais do que líder de torcida: é um agente que entrou em campo para colocar em prática a estratégia do Kremlin de dividir para melhor dominar.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Europe´s challenges in putting "Putin in his place"

(Former prime minister of Belgium, Alliance for Liberals and Democrats for Europe Party MEP and leader of liberals of European Parliament, Guy Verhofstadt)

Two articles written by former prime minister of Belgium (1999-2008), Guy Verhofstadt, try to find reasons why Europe should act firmly against Kremlin´s action in the continent.

In the first article of Freburary this year entitled Putting Putin in his Place, Verhofstadt lists six crises that are shaking Europe in 2016: the regional caos caused by war in Syria, the possible departure of United Kingdom from EU, the increased refugees flux since World War II, economic challenges still unresolved, Russian expansionism and return of nationalism to the political agenda.

Author comments Putin has exarcebated at least for of these crises, with the exception of the war in Syria and economic problems in Europe. It isn´t surprise for Europeans that there is a penetration estrategy of Russia on the continent. This strategy has sought to coopt political allies from far-right, far-left and extreme nationalists with their anti-UE and pro-Russia agenda, mantaining the flow of easy money to seduce politicians and businessmen, supporting campaign for departure of UK from the bloc and more recently increasing the refugees flow through campaign in Syria. According to a NATO high-ranking general, Russians bombed civil areas with deliberated intention of leaving them no place of residence and increase the mass scape. The arrival of these imigrants heats up the debate on refugee crisis and reinforces the support of the electorate to European anti-imigrantion nationalists and Putin´s allies.

(Tensions and desagreement between Europe and Rússia: a complicated relationship.)

In the second article from June entitled Don´t Appeaze Putin, the former prime minister don´t ask only that Europe will not loosen economic sanctions againt Russia in the context of the crisis in Ukraine, but increase them. The redution of sanctions would be conditional on the withdrawal of Russin troops from Ukraine as the first Minsk Agreement in 2014. But the agreement wasn´t fulfilled. Moreover, somes Europeans diplomats and leaders from Italy, Hungary, Greece, Cyprus and Germany prefer to loosen the sanctions. The article also says that Italian prime minister, Matteo Renzi, and the President of European Commision, Jean-Claude Juncker, will be present as guests at the International Economic Forum of Saint Petersburg, a Russian version of World Economic Forum in Davos. It would be a Russia´s strategy to show to the world the diplomatic and less agressive side of the country while it acts militarily in eastern Ukraine. About continental diplomacy, Verhofstadt says that EU expansion policy have failed. It´s soft-power hasn´t been sufficient strong enough to compete with the Kremlin assertive stance.

Verhofstadt also warned about the difficulty for Europeans to establish a common defense policy, he said a mistake. In NATO some coutries are spending less than 2% of the GDP in defense, minimun ratio requered by it´s members. The author sees a potential government of Donald Trump in US as a problem for defense of the continent, since the Republican presidential candidate have criticized the lack of financial commitment of members to the NATO, relapsing costs over Americans.

(Putin´s strategy: penetration and desintegration of Europe for a pro-Russia and anti-US alliance.)

The Kremlin´s strategy of penetration, weakening and even desintegration of EU isn´t surprise for European scholars and journalists. It´s goal is to link the continent to it´s sphere of influence in an anti-US alliance. It seems that Guy Verhofstadt managed cover in few lines all Russian strategy for achiving this goal. But I believe that mantaining or increasing sanctions against Russia are needed, not so much for it´s effectivness, but above all as a strong political position to try to put "Putin in his place". Buy the dispute is much longer and complicated: permeates the fight against financial channels to allies, Russian official propaganda through media and, above all, grooming of political leaders, intelectuals, ideologists and militants capable of reversing the Europe´s geopolitical axis from Atlantic to Eurasia. The sanctions are just a small part of this history.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Os desafios da Europa para colocar "Putin em seu lugar"

(Ex-primeiro-ministro da Bélgica, atual eurodeputado da Aliança de Liberais e Democratas pelo Partido Europa e líder da ala liberal do Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt)

Dois artigos escritos pelo ex-primeiro-ministro da Bélgica (1999-2008), Guy Verhofstadt, buscam razões pelas quais a Europa deveria agir de forma firme contra as ações do Kremlin no continente.

No primeiro artigo, de fevereiro deste ano, intitulado Colocando Putin em seu lugar, Verhofstadt enumera seis crises que estão abalando a Europa em 2016: o caos regional causado pela guerra na Síria, a possível saída do Reino Unido da União Europeia, o maior fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra, os desafios econômicos ainda não resolvidos, o expansionismo russo e o retorno do nacionalismo ao centro da agenda política.

O autor comenta que Putin tem exacerbado pelo menos quatro destas crises, à exceção da guerra na Síria e dos problemas econômicos da Europa. Não é nenhuma surpresa para os europeus que existe uma estratégia de penetração da Rússia no continente. Esta estratégia tem buscado cooptar aliados políticos da extrema-direita, extrema-esquerda e nacionalistas extremados com suas agendas anti-UE e pró-Rússia, manter o fluxo de dinheiro fácil para seduzir políticos e empresário, apoiar a campanha pela saída do Reino Unido do bloco e mais recentemente aumentar do fluxo de refugiados através da campanha militar na Síria. Segundo um general de alta patente da OTAN, os russos bombardearam áreas civis neste com a intenção deliberada de deixá-los sem local de moradia e engrossar a massa em fuga. A chegada destes imigrantes aquece o debate sobre a crise dos refugiados e reforça o apoio do eleitorado aos nacionalistas europeus anti-imigração e aliados de Putin.

(Tensões e desacordos entre Europa e Rússia: uma relação complicada.)

No segundo artigo, do mês de junho, intitulado Não apazigue Putin, o ex-primeiro-ministro não pede apenas que a Europa não afrouxe as sanções econômicas contra a Rússia no contexto da crise na Ucrânia, mas as aumente. A diminuição das sanções estaria condicionada pela retirada das tropas russas da Ucrânia conforme o primeiro Acordo de Minsk em 2014. Mas o acordo não foi cumprido. Ademais, alguns diplomatas e líderes europeus da Itália, Hungria, Grécia, Chipre e Alemanha preferem afrouxar as sanções. O artigo também comenta que o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, estarão presentes como convidados no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, uma versão russa do Fórum Econômico Mundial em Davos. Seria uma estratégia da Rússia para mostrar ao mundo o lado diplomático e menos agressivo do país ao mesmo tempo em que ele age militarmente no leste da Ucrânia. Sobre diplomacia continental, Verhofstadt diz que a política de expansão da UE tem falhado. Seu soft-power não tem sido forte o suficiente para competir com a postura assertiva do Kremlin.

Verhofstadt também alerta sobre a dificuldade dos europeus de estabelecer uma política de defesa comum, segundo ele um erro. Na OTAN alguns países estão gastando menos de 2% do PIB em defesa, proporção mínima requerida por seus membros. O autor vê um potencial governo de Donald Trump nos EUA como um problema para a defesa do continente, já que o pré-candidato republicano tem criticado a falta de comprometimento financeiro dos membros para com a OTAN, recaindo seus custos sobre os americanos.

(Estratégia de Putin: penetração e desintegração da Europa para uma aliança pró-Rússia e anti-EUA.)

A estratégia do Kremlin de penetração, enfraquecimento e mesmo desintegração da União Europeia não é nenhuma surpresa para acadêmicos e jornalistas europeus. Seu objetivo é atrelar o continente à sua esfera de influência numa aliança anti-EUA. Parece que Guy Verhofstadt conseguiu abranger em poucas linhas toda a estratégia russa para alcançar este objetivo. Eu acredito, porém, que a manutenção ou o aumento das sanções contra a Rússia são necessárias, não tanto por sua eficácia, mas acima de tudo como uma firme posição política que tente colocar "Putin em seu lugar". Mas a luta é muito mais longa e complicada: perpassa o combate aos canais de financiamento a aliados, a propaganda oficial russa através dos meios de comunicação e, acima de tudo, o aliciamento de líderes políticos, intelectuais, ideólogos e militantes capazes de inverter o eixo geopolítico da Europa do Atlântico para a Eurásia. As sanções são apenas um pequeno capítulo desta história.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Russian (or Eurasian) agency Sputnik*

(Sputnik News logo)

I´ve just put as one of the information references of this blog [on June 12th 2015] a Russian news agency Sputnik, which has news in Portuguese and others 28 languages.

However we shouldn´t observe that agency with naivety or purity of intention. In the presentation page Sputnik presents itself as media brand "alternative" (read: non-Western), and contributes to point "the way to a multipolar world that respects national interests, culture, history and traditions of each country". This language and the critical tone to the US and the West in their news calls are revealing the influence of the Eurasian doctrine in it´s activity.

*published in Portuguese on 12th June 2015.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Protestos, crise política e ingerência estrangeira: Montenegro entre OTAN e Rússia

(Bandeiras de Montenegro e da OTAN)

Montenegro é um pequeno país localizado nos Bálcãs. Com 650 mil habitantes (equivalente a pouco menos da metade da população de Porto Alegre) tornou-se independente da união Sérvia-Montenegro em 2006 com apoio dos países ocidentais. Nos últimos meses o país foi sacudido por protestos, tensões políticas e ingerências da Rússia, tendo como pano de fundo a insatisfação com o governo que está no poder desde 1991 e a aceleração do processo de integração deste país à OTAN, aliança militar ocidental.

PROTESTOS, OTAN E INGERÊNCIA RUSSA

(Pancadaria nas manifestações em 17 de outubro de 2015.)

Os primeiros protestos em Montenegro começaram no dia 27 setembro de 2015 em Podgorica, a capital do país, com uma mobilização permanente na praça em frente ao parlamento nacional e nas ruas próximas. O movimento foi liderado pela Democratic Front (DF, Frente Democrática), uma aliança composta por partidos de oposição como New Serbian Democracy (NOVA), Democratic People´s Party (DNP) e Movement for Change (PzP)*, dentre outros partidos menores, facções, organizações civis e o clero da Igreja Ortodoxa Sérvia. O objetivo, segundo os organizadores, era a saída do primeiro ministro Mila Djukanovic, do Democratic Party of Socialists (DPS) e a formação de um governo interino que realizasse "pela primeira vez eleições livres e limpas". Denúncias de corrupção e alegação de fraudes eleitorais também estavam na pauta.

O governo montenegrino deu prazo para que a mobilização fosse dissolvida até 10 de outubro. O prazo não foi cumprido. Na manhã do dia 17, a polícia iniciou o desmanche do acampamento na praça, o que resultou em violência, mas a situação mais grave ocorreu horas mais tarde quando a polícia impediu uma marcha em direção ao parlamento. Além dos civis, a pancadaria que se seguiu deixou ferido o vice-presidente do parlamento (de oposição) e pelo menos outros três deputados, como o líder do DNP, e a prisão de dois deputados, dois jornalistas e assessores parlamentares. Os dois líderes da Frente Democrática, Nebojsa Medojevic (PzP) e Andrija Mandic (NOVA) teriam sido "brutalmente agredidos". Além de partidos de oposição, grupos civis e a Igreja Ortodoxa Sérvia em Montenegro também pediram investigação sobre a ação policial.

 A violência voltou às ruas uma semana depois, dia 24. A Frente Democrática patrocinou transporte gratuito para que manifestantes fossem até Podgorica, reunindo cinco mil pessoas num novo protesto (foto ao lado) pedindo novamente a saída de Djukanovic, um governo interino e novas eleições. Mas desta vez os manifestantes, que estavam próximos do parlamento, tentaram invadir o prédio, e novamente houve violentos confrontos com a polícia. Desta vez Andrija Mandic foi detido e houve quinze feridos.

Os protestos e a pancadaria que se seguiram nos dias 17 e 24 tiveram enorme repercussão na política montenegrina e também fora do país, e levantou a questão sobre os reais motivadores dos protestos, como o governo russo, e uma de suas agendas políticas, que seria impedir a adesão de Montenegro à OTAN. Desde então as divergências políticas internas sobre o apoio ou não ao governo e à entrada na aliança se acentuaram, e o pequeno país dos Bálcãs se viu em meio a um conflito entre o Ocidente e a Rússia.

Antes do protesto do dia 24, Djukanovic já havia dito publicamente que suspeitava que nacionalistas do movimento Grande Sérvia estariam por trás das manifestações, e que a oposição, que estaria recebendo apoio do Kremlin, queria derrubar o governo e cancelar a independência do país com o objetivo de impedir a expansão da OTAN nos Bálcãs. Já o vice-primeiro ministro Dusko Markovic foi mais longe: disse ter em mãos informações concretas sobre o financiamento dos protestos pela Rússia e da presença de nacionalistas sérvios. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia havia lamentado a violência contra os manifestantes, e comentou ainda que a entrada de Montenegro na OTAN aumentaria a instabilidade e a divisão entre seus habitantes. Branko Lukovak, ex-ministro das relações exteriores de Montenegro, respondeu acusando a Rússia de interferir abertamente na política montenegrina. Depois do episódio do dia 24, Moscou lançou uma declaração dizendo estar perplexo com a acusação de que estaria envolvido nos protestos e que isto não tinha qualquer fundamento. Mas desta vez a reação em Montenegro veio por nota oficial: o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a declaração russa era uma confirmação de que o país estaria envolvido nos protestos anti-OTAN, e que o lamento de Moscou pelo uso de "força excessiva" contra "protestos pacíficos" ignorava que os manifestantes usavam coquetéis molotov e haviam tentado invadir o parlamento.

Tanto Djukanovic e quanto seu vice Markovic consideraram as declarações russas como sinais muito claros do envolvimento de Moscou nos protestos. Segundo um especialista sérvio em política externa ouvido pela Rádio Europa Livre, as tensões políticas entre Montenegro e Rússia aumentaram depois que Djukanovic fez uma visita Washington, e que os protestos estouraram depois que secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, esteve em Podgorica. A referida visita à Washington ocorreu em abril de 2014. A visita havia sido criticada pela Rússia. O governo de Djukanovic respondeu dizendo que seu objetivo dizia respeito aos interesses nacionais de Montenegro, tratavam da integração à União Europeia e à OTAN, mas não era anti-Rússia, e reafirmava a cooperação e o respeito de longa data entre os dois países.

Enquanto isso os líderes da oposição ao governo deploraram a acusação de que eram apoiados pela Rússia, a Frente Democrática boicotou os encontros no parlamento e o Medojevic (PzP) foi à Bruxelas explicar as posições da oposição. Desde então os protestos perderam fôlego nas ruas e ganharam as galerias do parlamento, desta vez com menor número de manifestantes e sem episódios significativos de violência. Ao mesmo tempo as discussões a respeito do provável envolvimento russo nos protestos e as negociações entre Montenegro e OTAN ganharam força.

(Nebojsa Medojevic, líder do Movemente for Change (PzP) e um dos principais líderes da Frente Democrática)

Numa entrevista a um site de notícias de Kosovo, Nebojsa Medojevic disse que o primeiro-ministro Djukanovic tinha finalmente mostrado sua "face ditatorial". Ao ser questionado sobre o apoio da Rússia e a oposição à OTAN pela Frente Democrática, o líder respondeu o seu partido, PzP, líder da Frente, fazia parte do partido europeu Aliança de Reformistas e Conservadores Europeus que advoga a entrada de Montenegro na OTAN, e que o apoio da Rússia ao movimento era "mais do que ridículo". Ele disse ainda que a confusão foi criada deliberadamente por pessoas infiltradas entre os manifestantes para causar confronto com a polícia em frente ao parlamento, e que as câmeras no local haviam filmado tudo. Os manifestantes haviam alertados sobre pessoas mascaradas no meio da multidão. Segundo Medojevic, há vídeos que mostram hooligans com balaclavas deixando o prédio do partido do governo e que testemunhou a presença de torcedores de futebol já envolvidos em outros confrontos e que atuariam como agentes do regime.

Dois diplomatas ouvidos pela Rádio Europa Livre que fizeram carreira na região dos Bálcãs, Edward Joseph e Wolfgang Petritsch, deram posições distintas à respeito da ingerência da Rússia em Montenegro. Joseph destacou o erro da OTAN ao manter Montenegro continuamente fora da aliança dizendo que esta situação, que considera perigosa, dava oportunidade para que os russos intervissem e desestabilizassem o país. Uma razão pela qual Montenegro ainda não teria sido convidada para entrar na OTAN seria a penetração do serviço secreto russo no país. Já Petritsch afirmou que, apesar dos Bálcãs serem prioridade secundária para a Rússia e de que seria bom para Montenegro integrar a OTAN e também a UE, a principal causa da crise era o "comportamento disfuncional" de Podgorica, que seria provocativo especialmente num contexto de maior tensão entre russos e ocidentais com a crise na Ucrânia. Ele destacou ainda que Montenegro recebe grandes investimentos russos, e que é estranho que agora Podgorica acuse Moscou de intervenção. Ambos países sempre foram historicamente muito próximos, o que seria motivo de preocupação para Bruxelas, e a Rússia sempre foi contrária à entrada de qualquer país na OTAN.

MONTENEGRO E OTAN: UMA INTIMIDADE CRESCENTE

(O primeiro-ministro de Montenengro, Mila Djukanovic, e o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, num encontro oficial em Podgorica em 11 de junho de 2015.)

Os protestos e as consequentes acusações de que a Rússia estaria envolvida neles com o objetivo de instabilizar Montenegro e impedir sua entrada na OTAN ocorreu num momento de crescente aproximação e intensificação das negociações entre a aliança e Podgorica. Segundo o especialista sérvio em política externa citado anteriormente, os protestos explodiram depois que o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, visitou a capital montenegrina para tratar da adesão do país.

A visita de Stoltenberg à Podgorica ocorreu entre os dias 11 e 12 de junho de 2015. O objetivo do encontro com Djukanovic e membros do governo era avaliar o progresso das reformas internas de Montenegro com base no Plano de Ação de 2010 para entrar na OTAN. Os objetivos do Plano são centrar esforços principalmente nas reformas do setor de segurança, de inteligência, no Estado de Direito e no trabalho junto à opinião pública e intensificar os encontros entre líderes do governo e da aliança militar como forma de avaliar e acelerar as reformas necessárias. A intenção era concluir a entrada definitiva de Montenegro à OTAN em dezembro de 2015.

No encontro Stoltenberg e Djukanovic reafirmaram a necessidade de cumprir os objetivos do Plano de Ação para o ingresso em dezembro. O líder da OTAN também destacou a ajuda financeira e operacional de militares de Montenegro à aliança no Afeganistão. Disse que o país havia feito um "progresso real" em direção às reformas, à intensificação das conversações com a OTAN e da cooperação política com seus membros, mas destacou a necessidade de melhorar as reformas das leis do país e aumentar o apoio da opinião pública.

(Declaração pública em 12 de junho de 2015 onde Stoltenberg lamentou a morte de civis montenegrinos pela OTAN em 1999.)

Uma das novidades da visita ocorreu em 12 de junho, quando Jens Stoltenberg lamentou publicamente a morte de civis no bombardeio da OTAN à Montenegro, então parte da Sérvia, em 1999. Foi a primeira vez desde o evento que um líder da organização expressava lamento pelas mortes. As reações em Montenegro dividiram opiniões: partidos políticos, ONGs e apoiadores à adesão à OTAN receberam bem o que eles chamaram de "desculpas de Stoltenberg", justificando que era necessário que a população ouvisse este pedido. Por outro lado o Movimento Montenegrino pela Neutralidade disse que as palavras do secretário-geral eram apenas uma pequeno gesto para influenciar a opinião pública à respeito da entrada na aliança O principal argumento dos opositores à adesão é justamente o papel da organização na mortes de civis em 1999.

No dia 10 de agosto o parlamento de Montenegro colocou em pauta um projeto de resolução de apoio à entrada do país na OTAN. O projeto foi apoiado por 49 dos 81 deputados e seu objetivo fortalecer o apoio dos membros da casa à integração. A resolução, porém, não especificava como a adesão seria feita.

Jens Stoltenberg fez nova visita à Podgorica em 15 de outubro, dois dias antes dos confrontos nas ruas da cidade. As discussões centraram-se principalmente nas reformas das leis e no apoio da opinião pública. O secretário-geral destacou que as conversações com o governo de Djukanovic haviam sido "muito frutíferas", que o país havia feito grandes avanços nas reformar das leis, contribuía às missões da OTAN e da ONU e que era provável que em menos de dois meses os ministros das relações exteriores da aliança decidiriam sobre o convite à adesão. Para Djukanovic, Montenegro deveria ser um modelo de preparação à integração a ser seguido por outros países.

É importante notar que foi neste contexto de intensificação dos encontros entre Djukanovic e Stoltenberg, o avanço do Plano de Ação e a resolução apoiada pela maioria do parlamento que iniciaram as manifestações permanentes. Apesar do prazo para que a mobilização fosse encerrada até 10 de outubro, foi apenas no dia 17 que a policia entrou em ação e houve violência. Assim como para os manifestantes era importante mostrar suas insatisfações a Stoltenberg, para o governo não era bom que houvesse confusão logo antes do encontro do dia 15. A violência do dia 17 foi seguida pela já comentada manifestação e nova violência dia 24.

Até novembro de 2015 a opinião pública montenegrina encontrava-se dividida sobre a adesão à OTAN. Uma pesquisa encomendada por uma agência ocidental mostrou que 34,8% dos entrevistados consideravam a adesão o caminho correto para o país, ao passo que 34,7% consideravam o caminho errado. Os 30,4% restantes não tinham posição ou não sabiam responder à pergunta. Ou seja: o número de pessoas pró e contra a entrada de Montenegro era igual. Nos últimos meses houve a queda dos que apoiavam a adesão. A maioria (51%), porém, considerava que o país cedo ou tarde entraria na aliança. Com relação aos protestos, 27,6% os consideravam positivos e 47% negativos (destes 33,3% muito negativos), sendo que 53,5% disseram que eles não conseguiriam atingir seus objetivos contra apenas 15,0% que acreditavam que sim. Interessante notar que quando perguntadas sobre o impacto da OTAN para o país, a maioria das pessoas acreditava que a adesão poderia oferecer a Montenegro um melhor relacionamento principalmente com os EUA e a UE, o fortalecimento da paz, segurança, estabilidade e a proteção das fronteiras do país. O menor impacto seria a relação com a Rússia.

Percebe-se pela pesquisa de opinião que, sim, o apoio à entrada de Montenegro na OTAN é baixo e declinou nos últimos meses, porém estabilizou, e que sua oposição aumentou mas também estabilizou. Havia uma parcela da população (1/3) relativamente indiferente à questão. Ademais, a visão negativa dos protestos pela maioria deslegitimava a ação da oposição frente à entrada à OTAN, mas deslegitimava também as ações contra o governo de Podgorica. Ao contrário do que se observa no Brasil, a pesquisa mostrou que o governo é uma das instituições mais confiadas pela população. Ou seja: se o apoio e a oposição à entrada na OTAN eram equivalentes, havia muitas pessoas à parte da questão e principalmente uma descrença e uma visão negativa dos protestos. Na prática isto significava que o governo central tinha confiança (ou indiferença) de parte significativa da sociedade e que seu caminho para colocar em pauta uma agenda política pró-OTAN encontrava resistência basicamente entre os ativistas da oposição. A maior preocupação da população montenegrina não parecia ser a adesão à aliança ou a crise política, mas a questão socioeconômica: 61% dos entrevistados responderam ser favoráveis à integração do país na UE. 

(Stoltenberg e o ministro das relações exteriores de Montenegro, Igor Luksic, no encontro que oficializou o convite do país balcânico à organização. Bruxelas, 2 de dezembro de 2015.) 

Apesar dos protestos, do pouco apoio popular, da instabilidade política e da provável ingerência russa, Montenegro foi oficialmente convidada a entrar na OTAN em 2 de dezembro de 2015. Caso se torne membro nos próximos meses, esta será a primeira expansão da aliança desde que Albânia e Croácia aderiram em 2009.

Como o esperado, a Rússia reagiu com críticas. Sergei Lavrov, que já havia dito em setembro que as tentativas de expansão da OTAN era uma "provocação" e não ajudava em nada na estabilidade da região, disse que o convite à Montenegro era uma atitude "irresponsável". Já o senador russo Viktor Ozerov, chefe do comitê para defesa e segurança do Conselho da Federação Russa, disse que caso a adesão se confirme projetos da Rússia com o país balcânico seriam cortados, inclusive na área militar. Apesar do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, dizer que a expansão da OTAN não era direcionada à Rússia ou a qualquer outro país, os diplomatas da aliança disseram que o convite à Montenegro era uma clara mensagem de que Moscou não pode impedir a expansão da organização por não possuir poder de veto. O pano de fundo desta afirmativa estava na Guerra da Geórgia em 2008 quando, com apoio da Rússia, Ossétia do Sul e Abkházia se separaram de facto do país impedindo que os georgianos entrassem na OTAN. Uma cláusula da organização não permite que países com disputas territoriais integrem a aliança. O mesmo ocorreu com a Ucrânia sobre a anexação da Crimeia pelos russos e a guerra no leste do país.

Podgorica mostrou-se pouco preocupada e disse que o convite não seria capaz de pôr em risco suas relações com Moscou, já que Montenegro possui poucos projetos e investimentos russos. A alguns especialistas também acreditam que é pouco provável que os russos tomem medidas drásticas contra o país balcânico. Jens Stoltenberg deu a entender que Montenegro poderia tornar-se oficialmente membro da OTAN no próximo encontro dos seus líderes prevista para acontecer em julho deste ano em Varsóvia, na Polônia.

A OPOSIÇÃO VAI AO KREMLIN

Poucas semanas após o fim dos protestos de rua em 24 de outubro, a oposição montenegrina boicotou os encontros no parlamento e começou a traçar publicamente planos e estratégias com membros do Kremlin com o objetivo de barrar o ingresso do país na OTAN e planeja uma nova política para o país.

(Milan Knezevic, leader of the Democratic People´s Party, DNP)

Milan Knezevic, deputado e líder do DNP, segundo maior partido de Montenegro e que integra a Frente Democrática, recebeu um convite do ministro russo Sergei Lavrov para participar de um fórum em comemoração aos cem anos da Agência Russa para Cooperação Internacional, realizado entre os dias 25 e 27 de novembro de 2015. Ele foi o único membro do parlamento de Montenegro a ser convidado. Uma semana antes Knezevic declarou que sua intenção no fórum era destacar o histórico laço de amizade entre russos e montenegrinos, que estes últimos veem a Rússia como um grande aliado e protetor, que a população não aprova as sanções impostas ao país pela União Europeia (numa referência à crise na Ucrânia), e que a Rússia é um importante ator geopolítico global capaz de enfrentar os desafios do mundo de hoje. O ideal para Montenegro seria uma neutralidade militar, ou seja, um não comprometimento com a OTAN, e que tanto o fortalecimento dos laços sociais e econômicos com a Rússia e a UE eram importantes.

(Dmitry Rogozin, vice-presidente russo líder do partido ultranacionalista Rodina e aliado de Putin. Agora sob sanção de Montenegro e da UE.) 

Knezevic voltou novamente à Moscou em 30 de janeiro de 2016, desta vez com seu colega de partido, Petrag Bulatovic, à convite do vice-presidente e assessor de Putin, Dmitry Rogozin. Rogozin é fundador e financiador do Rodina, partido aliado ao Rússia Unida do presidente russo, e considerado extremamente nacionalista (um exemplo do radicalismo do partido ocorreu em setembro de 2004 quando o ideólogo Alexander Dugin, então seu colaborador, afastou-se do partido por considera-lo excessivamente nacionalista, composto por "chauvinistas de extrema-direita" (sic) e muito próximo do Partido Comunista). O objetivo da visita era a assinatura de um memorando onde o DNP e o Rodina se comprometiam em compartilhar posições a respeito do clima político dos Bálcãs e receber apoio dos colegas russos para a neutralidade militar de Montenegro. Mas desta vez Knezevic foi mais longe: propôs uma aliança de países neutros que incluiriam ainda Sérvia, Macedônia e Bósnia-Herzegovina. A proposta recebeu apoio do líder do Serbian Peoples´ Party (SPP) Nenad Popovic. Andrija Mandic (NOVA) também estava em Moscou acompanhando os colegas da oposição.

Outra proposta que reforçava a ideia de neutralidade era fazer de Montenegro a "Suíça dos Bálcãs". Esta ideia foi lançada pelo vice-presidente da Duma, Sergei Zheleznyak na presença de Knezevic, Bulatovic e Mandic. O embaixador da Eslovênia na OTAN, Jelko Kacin, disse que o encontro dos três líderes opositores com membros da Duma era uma interferência na política montenegrina, e que esta atitude era um comportamento típico de política externa russa. Zheleznyak está sob sanção da EU por seu envolvimento na anexação da Crimeia pela Rússia.


(Sergey Naryshkin (direita), recebendo Knezevic (centro), e Andrija Mandic, líder do NOVA (esquerda) em Moscou em 1º de fevereiro de 2016.)

Outro líder russo que recebeu os membros da DF foi Sergey Naryshkin, presidente da Duma e que também está sob sanção da UE pela questão da Crimeia. Naryshkin é presidente do conselho de diretores da TV russa Channel One, onde Andrija Mandic concedeu um entrevista defendendo a pauta da oposição. Noutro momento Mandic também declarou que assim que a oposição chegasse ao poder levantaria as sanções econômicas que Montenegro impôs à Rússia ao longo de 2014 e revalorizaria os laços com o país construído por governos anteriores. Naryshkin criticou as sanções dizendo que eram ilegais e causavam graves danos às relações entre os dois países.

A conclusão dos encontros dos líderes da DF com membros da Duma em Moscou foi a reafirmação da posição contrária à expansão da OTAN nos Bálcãs, a neutralidade militar de Montenegro e a necessidade de realizar um referendo popular para decidir sobre a entrada ou não do país na aliança.

A reação em Montenegro à viagem dos líderes da Frente Democrática foi de contestação, mas de pouca preocupação. O principal questionamento era se seria aceitável que políticos do país discutissem questões internas com estrangeiros ao mesmo tempo em que boicotavam o próprio parlamento.  Mas o governo montenegrino deu pouca importância sobre os possíveis efeitos do encontro. Um representante do partido do governo, o DPS, disse que os oposicionistas não têm apoio da população e que portanto a viagem à Rússia não teria maiores impactos na política do país. O diretor do Serviço Russo da Rádio Europa Livre reforçou a posição do governo dizendo que a visita não tem peso político, mas que serve de propaganda para Moscou e faz parte da tentativa do governo russo de criar uma sistema de alianças políticas pela Europa.

Apesar da aparente despreocupação, Montenegro adotou sanções contra cinquenta empresários e políticos russos no dia 11 de fevereiro de 2016. Um deles foi justamente Dmitri Rogozyn, que havia sido convidado por Knezevic a visitar Montenegro depois que os líderes da DF estiveram em Moscou. Segundo Ministério do Exterior, o convite foi feito sem consulta ao governo. Ademais, Rogozyn é conhecido por suas atitudes pouco amigáveis como sua declaração, em dezembro de 2015, de que Montenegro se arrependeria de entrar no OTAN, e sua visita à Sérvia em janeiro seguinte onde se encontrou com Vojislav Seselj, fundador e líder do Partido Radical Sérvio (PRS), quando ainda estava detido e sob julgamento pelo Tribunal Internacional para a antiga Iugoslávia por crimes contra a humanidade. Seselj foi absolvido dois meses depois e voltou à cena política.

A visita de Rogozyn à Sérvia e a figura de Seselj são relevantes para a política de Montenegro. Um dos grupos que participaram das manifestações e integra a DF é o Serbian Oath Keepers, dissidência montenegrina do PRS de Seselj, cuja atuação no país existe desde os anos 90 sob o nome oficial de Party of Serbian Radicals (PSR). O líder do grupo, Robert Zizic, disse que Seselj abandou a luta dos direitos dos sérvios em Montenegro, voltou-se às questões socioeconômicas, passou a cooperar com partidos e organizações que apoiam a integração do país à OTAN. A proposta do novo grupo é resgatar o nacionalismo sérvio, realizar campanhas contra a integração do país à OTAN e à UE e estreitar laços com Belgrado e Moscou com base nos valores históricos e culturais comuns. O principal ponto de apoio do Serbian Oath Keppers na Sérvia é o Serbian Zavetnici, dissidência do PRS no país vizinho liderado por Stefan Stamenskovski.

CRISE POLÍTICA FAVORÁVEL À RÚSSIA E NOVOS PASSOS EM DIREÇÃO À OTAN

(Djukanovic fala ao parlamento na crise política de janeiro de 2016: boicote da oposição e assentos vazios.)

Três dias antes da viagem dos líderes do DF à Moscou no dia 30 de janeiro, uma crise política abalou o governo de Montenegro: foi dissolvida a aliança que governava o país, composta entre o partido do governo, Democratic Party of Socialists (DPS), liderado por Djukanovic, e o Social Democrats Party (SDP), liderado por Ranko Krivokapic. O rompimento aconteceu depois de três dias de calorosos debates no parlamento que se encerrou com a votação de uma moção de não confiança ao primeiro-ministro. Djukanovic venceu por margem muito apertada, recebendo 42 dos 81 votos, e sua vitória ocorreu graças aos votos do menor partido de oposição representado na casa, o Positive Montenegro (PM) liderado por Darko Pajovic, que nos últimos anos tem se aproximado do governo.

Esta votação havia sido convocada pelo próprio Djukanovic em 19 de dezembro de 2015 devido ao agravamento da crise política no país. Há dois anos o SDP vem reclamando da falta de ação do primeiro-ministro na reforma do judiciário e pela maior liberdade de imprensa. Durante os debates, membros do DPS e do SDP acusaram-se uns aos outros pela crise política, pelo rompimento da aliança e das alegadas fraudes eleitorais, uma das bandeiras da oposição. Corrupção, compra de votos contra a independência de Montenegro, a venda de terras da região costeira para os russos e a aliança com o já falecido Slobodan Milosevic nos ano 90, condenado por crimes de guerra e chamado na imprensa ocidental de "carniceiro dos Bálcãs" por suas ações da Guerra da Iugoslávia (1992-1995), foram outros temas de discussão. Djukanovic e Krivokapic, então presidente do parlamento, também trocaram acusações. No dia da votação, centenas de pessoas lideradas pela Frente Democrática realizaram uma manifestação em frente ao parlamento pedindo a saída do primeiro-ministro.

(Djukanovic e o então presidente do parlamento e líder do Social Democrats Party, Ranko Krivokapic.)
Em 19 de fevereiro a crise teve um novo capítulo: governo e oposição não chegaram a um acordo sobre a realização de eleições "livres e justas". O principal ponto de divergência era sobre o controle do canal de TV público RCTG. A oposição acusava o diretor e o editorial do programa de notícias de serem parciais. Outro ponto era o comando da Agência Nacional de Segurança, cujo cargo de diretor-chefe era demandado pelos oposicionistas. No dia 27 o governo de Djukanovic havia acertado com o parlamento a demissão de Krivokapic da função de presidente para o dia seguinte. Em seu lugar entrou Darko Pajovic, eleito sob boicote da oposição. Desta forma encerrava-se definitivamente a aliança entre o DPS e o SPD.

(Manifestações da Frente Democrática em Podgorica em 27 de fevereiro de 2016.)

A nova crise criada pelo episódio do dia 19 fez a Frente Democrática convocar novas manifestações pela saída de Djukanovic no dia 27. Enquanto a massa estava nas ruas, o governo acertava a demissão de Krivokapic. As demandas incluíam as questionadas pela oposição no parlamento como eleições "livres e justas", o controle da TV pública e da agência de segurança. Algumas fontes locais afirmaram que manifestantes participariam do protesto vestindo camisetas com o rosto de Vladimir Putin. Durante as manifestações o que se via eram bandeiras de Montenegro e da Sérvia. Adrija Mandic (NOVA), que havia chegado da Rússia poucas horas antes, discursou à multidão dizendo que não haveria qualquer negociação com Djukanovic. Outros três partidos de oposição também foram criticados por não participarem das manifestações.

Em 15 de março foi a fez da direita nacionalista sérvia do Serbian Oath Keepers lançar uma campanha por manifestações anti-OTAN em Montenegro.

Apesar das novas manifestações centrarem-se aparentemente apenas em questões políticas internas elas deram continuidade à agenda das manifestações em setembro e outubro do ano passado, que demandavam também a não adesão de Montenegro à OTAN. Os primeiros protestos aumentaram as tensões no governo e levaram ao pedido de moção de não confiança a Djukanovic. Caso o primeiro-ministro tivesse perdido a votação em janeiro, haveria a escolha de um novo líder, e isto colocaria em risco o processo de integração à aliança militar.

Outro fator relevante é o paralelo entre o agravamento da crise e a intensificação dos contatos dos líderes da Frente Democrática com figuras importantes do governo russo. O pedido de moção de não confiança do primeiro-ministro ocorreu três semanas após à viagem de Knezevic (DNP) a um fórum em Moscou, seguido por uma nova viagem desta vez acompanhado de seu colega Bulatovic (NDP) e Mandic (NOVA). Esta nova viagem ocorreu três dias depois da votação de moção, e que inaugurou o rompimento da coalização governista então formada pelo DPS e o SDP. Por fim, a manifestações de rua, liderados pela Frente Democrática, voltaram com um pouco mais de força quando governo e oposição não entraram num acordo sobre eleições "livres e justas" e o controle da TV pública e do serviço secreto, tendo sido este último denunciado pela OTAN de estar infiltrado de agentes russos, fator que adiou o processo de integração do país à aliança. A pergunta que fica é: até que ponto o Kremlin está conseguindo penetrar e influenciar a política de Montenegro através da cooptação de aliados? Não tenho esta resposta, mas é evidente que a evolução destes acontecimentos favorecem a Rússia, e que uma das chaves é a relação da Frente Democrática com o Kremlin num contexto de crise política em Montenegro.

(Ministros das relações exteriores dos países membros da OTAN no da assinatura do Protocolo de Adesão de Montenegro, em Bruxelas. Djukanovic e Stoltenberg estão ao centro da foto.)

Por outro lado o processo de integração à OTAN não parou. Com aval dos ministros das relações exteriores dos países membros e a assinatura do Protocolo de Adesão, em 19 de maio Montenegro foi oficialmente convidado à participar da organização como "convidado" , isto é, um observador. Assim o país passou a ter uma cadeira própria para acompanhar os encontros oficiais. Segundo avaliou um especialista em segurança citado pela reportagem do The Atlantic, isto causará "profunda consequências políticas", já que a integração de Montenegro abre mais um capítulo na evolução política dos Bálcãs, traumatizados pelas guerras dos anos 90. A integração também vem num "tempo oportuno" de dificuldades políticas na Europa, a crise dos refugiados e a crise na Ucrânia.

No dia da assinatura do Protocolo, uma recente pesquisa comentada no Balkan Insight mostrou que os montenegrinos estavam divididos em relação à entrada do país na OTAN, sendo 45% a favor da medida. Por outro lado, um levantamento feito pelo DNP de Knezevic mostrou que 61% dos habitantes eram a favor de um referendo sobre a questão. O líder do partido comentou novamente que a maioria da população era contrária à integração.

Desde o rompimento entre o DPS e o SPD Djukanovic passou a governar com maiores dificuldades. A oposição recusou-se a participar o novo gabinete do governo composto após a ruptura e boicotou até mesmo a sessão parlamentar de aniversário dos dez anos de independência de Montenegro dirigida por Pajovic e comemorada em 3 de junho.

No período das comemorações foram divulgados na imprensa dados a respeito da posição da população sobre a independência. Uma pesquisa destacada por Knezevic afirmou que 50% do país era favorável à sua independência e 30,9% contrários; Djukanovic comentou sobre número gerais, dizendo que em torno de 60% da população seria favorável a situação de independência do país e 40% contrário. Na vizinha Sérvia uma pesquisa realizada em maio mostrou que apenas 20% da população estava interessada em reestabelecer a união com Montenegro. Apesar da sociedade não estar tão ativa quanto nas questões políticas e a maioria ser favorável à manutenção da independência ela ainda encontra-se socialmente dividida, principalmente se levado em consideração a posição da considerável minoria sérvia que compõe em torno de 30% da população.


(Mapa da composição étnica de Montenegro mostrando o grupo predominante por município: vermelho = montenegrinos; azul = sérvios; demais cores = grupos minoritários.) 

Com o processo de integração à OTAN em andamento, uma grave crise política não resolvida e uma população socialmente dividida (ainda que não muito ativa politicamente) Montenegro chega à metade de 2016 com muitas coisas a resolver. Uma das perguntas que podemos fazer é: será a Rússia capaz de reverter a adesão à OTAN e atrair Montenegro à sua esfera de influência através da oposição?

Esta seria uma tarefa difícil. Djukanovic, no poder desde 1991, está decidido a estreitar relações com o Ocidente. Uma prova disto está na Constituição do país, adotada 17 de outubro de 2007 quando já era governante, onde o preâmbulo diz explicitamente que o país se dedicará a cooperar com outros países e promover "as integrações europeia e euro-atlânticas" e destaca que suas relações exteriores devem ser "baseadas nos princípios e nas regras da lei internacional" de forma a facilitar seu acesso às organizações internacionais. Desta forma, cabe ao parlamento "decidir a forma de acesso à União Europeia".

A Estratégia de Segurança Nacional é mais direta em relação à OTAN e à UE:

"A estratégia confirma o compromisso de Montenegro em tomar todas as ações necessárias bem como alcançar as condições para sua integração nas estruturas de segurança internacional euro-atlânticas e outras. Neste contexto, o objetivo estratégico de Montenegro é se tornar membro pleno da OTAN e da UE o quanto antes."

(Manifestação pró-Putin durante a visita do presidente russo à Belgrado, Sérvia, em 16 de agosto de 2014: aliados políticos na região dos Bálcãs)

Este movimento de Montenegro entra em choque com as novas ações da políticas externa russa. Desde meados de 2006-07 a Rússia tem tomado atitudes mais assertivas de contestação do "mundo unipolar" lidera pelos EUA e tentado fortalecer sua liderança em sua esfera de influência. Para isso ela criou e fortaleceu instituições, meios de comunicação e redes de contatos pelo mundo, principalmente na Europa, numa espécie de globalização alternativa (ver também aqui). Desde 2014, com a crise na Ucrânia e a anexação da Crimeia, o país passou para o que dois analistas chamaram de "confrontação aberta com a ordem internacional". Para eles a chamada "Doutrina Putin" advoga um excepcionalismo russo, uma posição de afirmação da Rússia na ordem mundial. O principal ponto de confrontação estaria entre "mundo russo" e o Ocidente enfatizando seus valores e princípios civilizacionais. Neste contexto os Bálcãs ganham destaque pelos lações históricos dos russos com os sérvios e montenegrinos, além de seus vizinhos gregos, romenos e búlgaros, todos eles com populações majoritariamente ortodoxas.

Montenegro, por seu pequeno tamanho e população, fica à mercê da forte influência russa na região através de questões como fontes de energia (com a expansão da rede de gasodutos e oleodutos concorrente aos projetos ocidentais), laços econômicos, alianças políticas, esforços diplomáticos, presença militar (foi negada a instalação de uma base militar russa no seu litoral) e ativismo cultural-religioso. Os investimentos russos no país, a recepção de uma grande quantidade de turistas russos, a grande minoria sérvia e as críticas de alguns analistas sobre a mudança recente do rumo da política externa mostram que a até pouco tempo Podgorica tinha uma relação mais íntima com Moscou. Está claro, portanto, que Djukanovic alterou a política externa do país e agora está tentando pular fora da esfera de influência da Rússia.

As alianças políticas com sérvios, búlgaros, bósnios e gregos; os investimentos, os laços diplomáticos e as redes de energia que correm através de Grécia, Bulgária e Croácia; a maior presença militar no Mar Negro (em especial depois da anexação da Crimeia); e as igrejas ortodoxas nacionais (principalmente da Sérvia) são fatores que podem influenciar a política montenegrina. Apesar de 32% dos investimentos em Montenegro serem de origem russa, este elemento não parece estar em jogo, e a Igreja Ortodoxa do país, que poderia servir de instrumento para mobilização popular, tem baixo nível de confiança em comparação com a Igreja Ortodoxa Sérvia (29,0% e 48,4%, respectivamente). Portanto, o maior desafio de Montenegro está na sua política interna com uma oposição aliada do Kremlin. Este é o único trunfo que Moscou pode utilizar sem afetar diretamente os países vizinhos. A pressa com que Montenegro insere-se na OTAN e na União Europeia e a capacidade da Frente Democrática em virar o jogo, seja com protestos de rua ou pressão parlamentar, serão determinantes para o futuro próximo do país.

* escolhi manter o nome dos partidos conforme as fontes consultadas em inglês; traduções para o português variam conforme a fonte. 

domingo, 12 de junho de 2016

Oligarchs, ideologists and extremists: the penetration of Russia into Europe*

(International Eurasianist Movement symbol)

In that i´m going searching the characters of Russian action in Europe i´m discovering the existence of a network composed of the following elements: 

1 - Russian oligarchs, responsible for financing and promoting meetings and discussion groups among stakeholders;
2 - Russian ideologists, responsible for promoting pro-Russia ideologies in order to attract neighboring countries to it´s sphere of influence;
3 - Europeans politicians of the following trends: a) extreme right-wing, b) fascists, c) extreme left-wing. They all have in common a critical opinion about European Union (eurocepticism), US role in the world and Europe, liberal capitalism and, in general, cultural agenda of release of customs (gay marriage, abortion, minorities policies, etc), except for the extreme left. Lastly, they nourish sympathy for Russia and the country´s leadership personified by Putin.
4 - political activists of nazifascist, communist, nationalist and racialist character; responsable for acting inside Russia and establish contact with other European movements and groups on wich are inspired.

Groups 1, 2 and 4 are formed by people direct or indirectly linked to Kremlin, in a relation, in my opinion, of symbiosis with Russian government. That is, there would be no full government control over these groups, and these groups don´t exert influence in order to directly control the government of Moscow.

(Alexander Dugin)

The highlight within these actors is the International Eurasian Movement, created and led by Alexander Dugin, the Russian intelectual currently most influential. Dugin, as he has said, doesn´t claim to act directly on policy but lead it behind the scenes advising, monitoring, guinding, publishing books and articles and disseminating ideas through meetings and contacts inside and outside Russia.

The example of existing contacts in this network, penetration and the emergence of the extremist movements in Russia have origin and inspiration in European ideologies and political movements. Therefore, Russia imports these elements from Europe and then turn to (and against) it in order to absorb it to it´s sphere of influence.

 In following weeks i will detail everything about this network in this blog.

*published in Portuguese on June 26th 2015.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Marine Le Pen, Brexit e o "caso Lisa": o que a Rússia pode perder com os últimos eventos na Europa

(Marine Le Pen, presidente do Front Nacional francês: campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia. Bom para a Rússia.)

Nos últimos dias de abril e neste início de maio de 2016, a líder do partido fascista Front National, Marine Le Pen, esteve no Reino Unido para fazer campanha pela saída deste país da União Europeia. No próximo 23 de junho os britânicos irão às urnas num referendo para decidir pela permanência ou saída do Reino do bloco. A campanha pela saída é chamada de Brexit, uma fusão das palavras "Britain" ([Grã] Bretanha) e "exit" (saída).

A pergunta que fica é: por que Marine Le Pen foi fazer campanha num outro país? Segundo a reportagem, críticos afirmam que a atuação de Le Pen é para consumo interno. Seu partido é notório crítico da União Europeia, bem como da imigração (principalmente muçulmana) e da perda de soberania da França para o bloco. A expectativa de Le Pen é que com a saída do Reino Unido haveria uma reação em cadeia que levaria à saída de outro países, levando à dissolução do bloco. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando os países europeus organizaram referendos populares para aprovar uma nova constituição da União Europeia, que requeria unanimidade para sua aplicação. Depois da vitória do "não" na França, Holanda e Irlanda seguiram o mesmo caminho, e a constituição não foi aprovada.

Aqui o importante é ressaltar a intimidade entre o Front National e o Kremlin. Como já comentei neste blog com base num artigo da professora Marlene Laruelle, o governo russo tem criado e expandido organizações culturais, políticas, de mídia, etc, a fim de estabelecer contatos e alianças  com grupos de extrema-direita, fascistas e de extrema-esquerda na Europa. A finalidade é torná-los palatáveis ao público europeu e patrocinar sua chegada ao poder. Tais grupos, além de serem críticos quanto à forma de organização da União Europeia, são aliados ou simpáticos a Moscou. Estando no poder estes grupos tratariam de aproximar os europeus da órbita russa distanciando-os dos Estados Unidos. Um exemplo é a já comentada coalização Syriza, na Grécia, de extrema-esquerda, numa aliança com os Gregos Independentes, de extrema-direita (mais detalhes aqui).

Laruelle cita o Front Nacional de Marine Le Pen como o principal exemplo desta proximidade. Incapaz de atrair os conservadores tradicionais europeus, o Kremlin aposta nos extremistas. Le Pen é conhecida, entre outras coisas, pela intimidade pessoal com Vladimir Putin e por ser crítica das ações do Ocidente contra a Rússia na esteira da crise na Ucrânia. Recentemente o tesoureiro de seu partido anunciou que pretende conseguir financiamento de 27 milhões de euros dos russos para a campanha das eleições parlamentares de 2017. A alegação é de que os bancos franceses se negam a dar empréstimos ao partido. Já os críticos dizem que é justamente o apoio de Le Pen à Rússia na questão ucraniana a causa do financiamento. Importante notar que a crítica à política ocidental com relação à crise na Ucrânia é recorrente entre os políticos simpáticos à Moscou.

(Fotografia de Putin pintada como uma figura ameaçadora por detrás da bandeira da União Europeia em Praga, República Tcheca, em 8 de março de 2014, logo após a anexação da Crimeia pela Rússia.)

É de interesse do Kremlin que o Reino Unido saia da União Europeia atingindo dois objetivos de uma só vez: primeiro porque Londres tem relações ruins com Moscou e é um tradicional aliado de Washington; segundo porque isto enfraqueceria a União Europeia, tirando um adversário político ao mesmo tempo em que tornaria o bloco mais suscetível à influência russa. Assim como os meios de comunicação russos no Reino Unido, Marine Le Pen é uma porta-voz evidente, mas útil ao Brexit.

Outro acontecimento de significado da ação da Rússia na Europa é o efeito negativo do "caso Lisa". Um artigo da revista The Economist aponta o escândalo criado em torno deste falso caso como evidência da interferência do Kremlin dentro da Alemanha, e uma tentativa de atingir a autoridade da chanceler Angela Merkel.

(Protesto do Pegida em frente à Chancelaria da Alemanha na esteiro do "caso Lisa". Na camiseta se lê: "Alemanha em perigo".)

O caso Lisa ocorreu em 11 de janeiro deste ano. Lisa era uma garota de 13 anos de uma família de imigrantes russos. Ela teria sido estuprada por trinta homens de aparência de imigrantes do sul (África/Oriente Médio). O caso foi noticiado pela emissora de língua russa na Alemanha, Channel One, e causou protestos e imigrantes de língua russa em todo o país. O problema é que a polícia alemã não confirmou o caso, pelo contrário: afirmou que Lisa tinha sido sequestrada, mas que o assédio sexual não foi estupro, e sim abuso, e que seu corpo não tinha sinais de um ato forçado. O caso não era tão grave quanto noticiava o Channel One. O problema é que o canal continuou a falar em estupro, e um advogado alemão denunciou à polícia o jornalista que fazia a cobertura do caso por incitação à violência.


(Protesto anti-imigração em Dresden, Alemanha, em novembro de 2015. Bandeira da Rússia - esta com o emblema imperial - são comuns nos protestos da organização e mostram simpatia pelo país.)

A grande repercussão do caso provocou protestos organizados por grupos anti-imigração, principalmente o Pegida, e imigrantes russos. O perfil do Pegida é similar aos grupos e partidos pró-Rússia, como o Alternativa para a Alemanha. É comum nos protestos do grupo haver bandeiras russas. O ministro das relações exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, acusou as autoridades alemãs de acobertarem o caso. Ficou evidente no discurso de Lavrov o princípio de proteção dos habitantes de língua russa além-fronteiras, evocado, por exemplo, na anexação da Crimeia em fevereiro de 2014 sob a alegação de violência contra russos na região. Merkel, o ministro das relações exteriores Frank-Walter Steinmeier e o membro do Comitê de Relações Internacionais do governo Norbert Roettgen acusaram Moscou de propaganda, intromissão e manipulação do caso Lisa e da política interna da Alemanha. Segundo um entrevistado para um artigo da revista The Economist, a Rússia foi "longe demais" e perdeu apoio de grande parte de seu establishment, inclusive da centro-esquerda.

O artigo diz ainda que Putin está explorando as fraquezas da Alemanha. Não foi coincidência que o caso Lisa apareceu no dia 11 de janeiro, poucos depois de uma série de ataques sexuais no país durante o Ano Novo, principalmente na cidade de Colônia, onde um grupo de aproximadamente mil homens de aparência árabe ou norte-africana assediou várias mulheres, inclusive com um estupro. A repercussão do caso Lisa inflamou ainda mais o sentimento anti-imigração, que cresceu depois que o país receber 1,1 milhão de refugiados, principalmente da Síria.

(Maior parte dos britânicos é favorável à permanência na UE. O referendo será dia 23 de junho.)

Não é surpresa para a jornalistas e acadêmicos a influência de pessoas vinculadas ao Kremlin na política europeia. Mas estes dois acontecimentos jogam contra os russos: primeiro porque o caso Lisa da Alemanha deixou mais explícita a tentativa de Moscou de interferir na política do país, arranhou sua imagem e tornou mais evidente sua estratégia de usar a crise dos refugiados com o objetivo de inflamar o ativismo de seus aliados no campo da extrema-direita e dos nacionalistas. Segundo porque ao apoiar o Front National o Kremlin torna mais evidente sua estratégia de enfraquecer a União Europeia, já que Marine Le Pen está fazendo campanha aberta contra o bloco num país estrangeiro. Ademais, segundo a última atualização no site do Financial Times, de 26 de abril, a maioria da opinião pública britânica é a favor da permanência do Reino no bloco. São 47% contra 41%.

Em princípio uma Europa unida é melhor para conter as pretensões russas no continente do que uma Europa fragmentada. Moscou não tem capacidade de enfrentar os europeus no campo da política e da economia, principalmente com um país cujo PIB deve ter retração de 1% neste ano depois de retrair 3% no ano passado. Por isso o Kremlin aposta num jogo dialético: fomenta a tensão social ao mesmo tempo em que oferece a "solução" com partidos e grupos extremistas. É a tática de dividir para conquistar.