segunda-feira, 2 de maio de 2016

Marine Le Pen, Brexit e o "caso Lisa": o que a Rússia pode perder com os últimos eventos na Europa

(Marine Le Pen, presidente do Front Nacional francês: campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia. Bom para a Rússia.)

Nos últimos dias de abril e neste início de maio de 2016, a líder do partido fascista Front National, Marine Le Pen, esteve no Reino Unido para fazer campanha pela saída deste país da União Europeia. No próximo 23 de junho os britânicos irão às urnas num referendo para decidir pela permanência ou saída do Reino do bloco. A campanha pela saída é chamada de Brexit, uma fusão das palavras "Britain" ([Grã] Bretanha) e "exit" (saída).

A pergunta que fica é: por que Marine Le Pen foi fazer campanha num outro país? Segundo a reportagem, críticos afirmam que a atuação de Le Pen é para consumo interno. Seu partido é notório crítico da União Europeia, bem como da imigração (principalmente muçulmana) e da perda de soberania da França para o bloco. A expectativa de Le Pen é que com a saída do Reino Unido haveria uma reação em cadeia que levaria à saída de outro países, levando à dissolução do bloco. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando os países europeus organizaram referendos populares para aprovar uma nova constituição da União Europeia, que requeria unanimidade para sua aplicação. Depois da vitória do "não" na França, Holanda e Irlanda seguiram o mesmo caminho, e a constituição não foi aprovada.

Aqui o importante é ressaltar a intimidade entre o Front National e o Kremlin. Como já comentei neste blog com base num artigo da professora Marlene Laruelle, o governo russo tem criado e expandido organizações culturais, políticas, de mídia, etc, a fim de estabelecer contatos e alianças  com grupos de extrema-direita, fascistas e de extrema-esquerda na Europa. A finalidade é torná-los palatáveis ao público europeu e patrocinar sua chegada ao poder. Tais grupos, além de serem críticos quanto à forma de organização da União Europeia, são aliados ou simpáticos a Moscou. Estando no poder estes grupos tratariam de aproximar os europeus da órbita russa distanciando-os dos Estados Unidos. Um exemplo é a já comentada coalização Syriza, na Grécia, de extrema-esquerda, numa aliança com os Gregos Independentes, de extrema-direita (mais detalhes aqui).

Laruelle cita o Front Nacional de Marine Le Pen como o principal exemplo desta proximidade. Incapaz de atrair os conservadores tradicionais europeus, o Kremlin aposta nos extremistas. Le Pen é conhecida, entre outras coisas, pela intimidade pessoal com Vladimir Putin e por ser crítica das ações do Ocidente contra a Rússia na esteira da crise na Ucrânia. Recentemente o tesoureiro de seu partido anunciou que pretende conseguir financiamento de 27 milhões de euros dos russos para a campanha das eleições parlamentares de 2017. A alegação é de que os bancos franceses se negam a dar empréstimos ao partido. Já os críticos dizem que é justamente o apoio de Le Pen à Rússia na questão ucraniana a causa do financiamento. Importante notar que a crítica à política ocidental com relação à crise na Ucrânia é recorrente entre os políticos simpáticos à Moscou.

(Fotografia de Putin pintada como uma figura ameaçadora por detrás da bandeira da União Europeia em Praga, República Tcheca, em 8 de março de 2014, logo após a anexação da Crimeia pela Rússia.)

É de interesse do Kremlin que o Reino Unido saia da União Europeia atingindo dois objetivos de uma só vez: primeiro porque Londres tem relações ruins com Moscou e é um tradicional aliado de Washington; segundo porque isto enfraqueceria a União Europeia, tirando um adversário político ao mesmo tempo em que tornaria o bloco mais suscetível à influência russa. Assim como os meios de comunicação russos no Reino Unido, Marine Le Pen é uma porta-voz evidente, mas útil ao Brexit.

Outro acontecimento de significado da ação da Rússia na Europa é o efeito negativo do "caso Lisa". Um artigo da revista The Economist aponta o escândalo criado em torno deste falso caso como evidência da interferência do Kremlin dentro da Alemanha, e uma tentativa de atingir a autoridade da chanceler Angela Merkel.

(Protesto do Pegida em frente à Chancelaria da Alemanha na esteiro do "caso Lisa". Na camiseta se lê: "Alemanha em perigo".)

O caso Lisa ocorreu em 11 de janeiro deste ano. Lisa era uma garota de 13 anos de uma família de imigrantes russos. Ela teria sido estuprada por trinta homens de aparência de imigrantes do sul (África/Oriente Médio). O caso foi noticiado pela emissora de língua russa na Alemanha, Channel One, e causou protestos e imigrantes de língua russa em todo o país. O problema é que a polícia alemã não confirmou o caso, pelo contrário: afirmou que Lisa tinha sido sequestrada, mas que o assédio sexual não foi estupro, e sim abuso, e que seu corpo não tinha sinais de um ato forçado. O caso não era tão grave quanto noticiava o Channel One. O problema é que o canal continuou a falar em estupro, e um advogado alemão denunciou à polícia o jornalista que fazia a cobertura do caso por incitação à violência.


(Protesto anti-imigração em Dresden, Alemanha, em novembro de 2015. Bandeira da Rússia - esta com o emblema imperial - são comuns nos protestos da organização e mostram simpatia pelo país.)

A grande repercussão do caso provocou protestos organizados por grupos anti-imigração, principalmente o Pegida, e imigrantes russos. O perfil do Pegida é similar aos grupos e partidos pró-Rússia, como o Alternativa para a Alemanha. É comum nos protestos do grupo haver bandeiras russas. O ministro das relações exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, acusou as autoridades alemãs de acobertarem o caso. Ficou evidente no discurso de Lavrov o princípio de proteção dos habitantes de língua russa além-fronteiras, evocado, por exemplo, na anexação da Crimeia em fevereiro de 2014 sob a alegação de violência contra russos na região. Merkel, o ministro das relações exteriores Frank-Walter Steinmeier e o membro do Comitê de Relações Internacionais do governo Norbert Roettgen acusaram Moscou de propaganda, intromissão e manipulação do caso Lisa e da política interna da Alemanha. Segundo um entrevistado para um artigo da revista The Economist, a Rússia foi "longe demais" e perdeu apoio de grande parte de seu establishment, inclusive da centro-esquerda.

O artigo diz ainda que Putin está explorando as fraquezas da Alemanha. Não foi coincidência que o caso Lisa apareceu no dia 11 de janeiro, poucos depois de uma série de ataques sexuais no país durante o Ano Novo, principalmente na cidade de Colônia, onde um grupo de aproximadamente mil homens de aparência árabe ou norte-africana assediou várias mulheres, inclusive com um estupro. A repercussão do caso Lisa inflamou ainda mais o sentimento anti-imigração, que cresceu depois que o país receber 1,1 milhão de refugiados, principalmente da Síria.

(Maior parte dos britânicos é favorável à permanência na UE. O referendo será dia 23 de junho.)

Não é surpresa para a jornalistas e acadêmicos a influência de pessoas vinculadas ao Kremlin na política europeia. Mas estes dois acontecimentos jogam contra os russos: primeiro porque o caso Lisa da Alemanha deixou mais explícita a tentativa de Moscou de interferir na política do país, arranhou sua imagem e tornou mais evidente sua estratégia de usar a crise dos refugiados com o objetivo de inflamar o ativismo de seus aliados no campo da extrema-direita e dos nacionalistas. Segundo porque ao apoiar o Front National o Kremlin torna mais evidente sua estratégia de enfraquecer a União Europeia, já que Marine Le Pen está fazendo campanha aberta contra o bloco num país estrangeiro. Ademais, segundo a última atualização no site do Financial Times, de 26 de abril, a maioria da opinião pública britânica é a favor da permanência do Reino no bloco. São 47% contra 41%.

Em princípio uma Europa unida é melhor para conter as pretensões russas no continente do que uma Europa fragmentada. Moscou não tem capacidade de enfrentar os europeus no campo da política e da economia, principalmente com um país cujo PIB deve ter retração de 1% neste ano depois de retrair 3% no ano passado. Por isso o Kremlin aposta num jogo dialético: fomenta a tensão social ao mesmo tempo em que oferece a "solução" com partidos e grupos extremistas. É a tática de dividir para conquistar.

Um comentário:

  1. União Européia: aborto, gayzismo, feminismo, multiculturalismo e imigração em massa. Pelos frutos conhecereis.

    É isso que querem defender do Putin?

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