(Bandeiras de Montenegro e da OTAN)
Montenegro é um pequeno país localizado nos Bálcãs. Com 650 mil habitantes (equivalente a pouco menos da metade da população de Porto Alegre) tornou-se independente da união Sérvia-Montenegro em 2006 com apoio dos países ocidentais. Nos últimos meses o país foi sacudido por protestos, tensões políticas e ingerências da Rússia, tendo como pano de fundo a insatisfação com o governo que está no poder desde 1991 e a aceleração do processo de integração deste país à OTAN, aliança militar ocidental.
PROTESTOS, OTAN E INGERÊNCIA RUSSA
(Pancadaria nas manifestações em 17 de outubro de 2015.)
Os primeiros protestos em Montenegro começaram no dia 27 setembro de 2015 em Podgorica, a capital do país, com uma mobilização permanente na praça em frente ao parlamento nacional e nas ruas próximas. O movimento foi liderado pela Democratic Front (DF, Frente Democrática), uma aliança composta por partidos de oposição como New Serbian Democracy (NOVA), Democratic People´s Party (DNP) e Movement for Change (PzP)*, dentre outros partidos menores, facções, organizações civis e o clero da Igreja Ortodoxa Sérvia. O objetivo, segundo os organizadores, era a saída do primeiro ministro Mila Djukanovic, do Democratic Party of Socialists (DPS) e a formação de um governo interino que realizasse "pela primeira vez eleições livres e limpas". Denúncias de corrupção e alegação de fraudes eleitorais também estavam na pauta.
O governo montenegrino deu prazo para que a mobilização fosse dissolvida até 10 de outubro. O prazo não foi cumprido. Na manhã do dia 17, a polícia iniciou o desmanche do acampamento na praça, o que resultou em violência, mas a situação mais grave ocorreu horas mais tarde quando a polícia impediu uma marcha em direção ao parlamento. Além dos civis, a pancadaria que se seguiu deixou ferido o vice-presidente do parlamento (de oposição) e pelo menos outros três deputados, como o líder do DNP, e a prisão de dois deputados, dois jornalistas e assessores parlamentares. Os dois líderes da Frente Democrática, Nebojsa Medojevic (PzP) e Andrija Mandic (NOVA) teriam sido "brutalmente agredidos". Além de partidos de oposição, grupos civis e a Igreja Ortodoxa Sérvia em Montenegro também pediram investigação sobre a ação policial.
A violência voltou às ruas uma semana depois, dia 24. A Frente Democrática patrocinou transporte gratuito para que manifestantes fossem até Podgorica, reunindo cinco mil pessoas num novo protesto (foto ao lado) pedindo novamente a saída de Djukanovic, um governo interino e novas eleições. Mas desta vez os manifestantes, que estavam próximos do parlamento, tentaram invadir o prédio, e novamente houve violentos confrontos com a polícia. Desta vez Andrija Mandic foi detido e houve quinze feridos.
Os protestos e a pancadaria que se seguiram nos dias 17 e 24 tiveram enorme repercussão na política montenegrina e também fora do país, e levantou a questão sobre os reais motivadores dos protestos, como o governo russo, e uma de suas agendas políticas, que seria impedir a adesão de Montenegro à OTAN. Desde então as divergências políticas internas sobre o apoio ou não ao governo e à entrada na aliança se acentuaram, e o pequeno país dos Bálcãs se viu em meio a um conflito entre o Ocidente e a Rússia.
Antes do protesto do dia 24, Djukanovic já havia dito publicamente que suspeitava que nacionalistas do movimento Grande Sérvia estariam por trás das manifestações, e que a oposição, que estaria recebendo apoio do Kremlin, queria derrubar o governo e cancelar a independência do país com o objetivo de impedir a expansão da OTAN nos Bálcãs. Já o vice-primeiro ministro Dusko Markovic foi mais longe: disse ter em mãos informações concretas sobre o financiamento dos protestos pela Rússia e da presença de nacionalistas sérvios. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia havia lamentado a violência contra os manifestantes, e comentou ainda que a entrada de Montenegro na OTAN aumentaria a instabilidade e a divisão entre seus habitantes. Branko Lukovak, ex-ministro das relações exteriores de Montenegro, respondeu acusando a Rússia de interferir abertamente na política montenegrina. Depois do episódio do dia 24, Moscou lançou uma declaração dizendo estar perplexo com a acusação de que estaria envolvido nos protestos e que isto não tinha qualquer fundamento. Mas desta vez a reação em Montenegro veio por nota oficial: o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a declaração russa era uma confirmação de que o país estaria envolvido nos protestos anti-OTAN, e que o lamento de Moscou pelo uso de "força excessiva" contra "protestos pacíficos" ignorava que os manifestantes usavam coquetéis molotov e haviam tentado invadir o parlamento.
Tanto Djukanovic e quanto seu vice Markovic consideraram as declarações russas como sinais muito claros do envolvimento de Moscou nos protestos. Segundo um especialista sérvio em política externa ouvido pela Rádio Europa Livre, as tensões políticas entre Montenegro e Rússia aumentaram depois que Djukanovic fez uma visita Washington, e que os protestos estouraram depois que secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, esteve em Podgorica. A referida visita à Washington ocorreu em abril de 2014. A visita havia sido criticada pela Rússia. O governo de Djukanovic respondeu dizendo que seu objetivo dizia respeito aos interesses nacionais de Montenegro, tratavam da integração à União Europeia e à OTAN, mas não era anti-Rússia, e reafirmava a cooperação e o respeito de longa data entre os dois países.
Enquanto isso os líderes da oposição ao governo deploraram a acusação de que eram apoiados pela Rússia, a Frente Democrática boicotou os encontros no parlamento e o Medojevic (PzP) foi à Bruxelas explicar as posições da oposição. Desde então os protestos perderam fôlego nas ruas e ganharam as galerias do parlamento, desta vez com menor número de manifestantes e sem episódios significativos de violência. Ao mesmo tempo as discussões a respeito do provável envolvimento russo nos protestos e as negociações entre Montenegro e OTAN ganharam força.
(Nebojsa Medojevic, líder do Movemente for Change (PzP) e um dos principais líderes da Frente Democrática)
Numa entrevista a um site de notícias de Kosovo, Nebojsa Medojevic disse que o primeiro-ministro Djukanovic tinha finalmente mostrado sua "face ditatorial". Ao ser questionado sobre o apoio da Rússia e a oposição à OTAN pela Frente Democrática, o líder respondeu o seu partido, PzP, líder da Frente, fazia parte do partido europeu Aliança de Reformistas e Conservadores Europeus que advoga a entrada de Montenegro na OTAN, e que o apoio da Rússia ao movimento era "mais do que ridículo". Ele disse ainda que a confusão foi criada deliberadamente por pessoas infiltradas entre os manifestantes para causar confronto com a polícia em frente ao parlamento, e que as câmeras no local haviam filmado tudo. Os manifestantes haviam alertados sobre pessoas mascaradas no meio da multidão. Segundo Medojevic, há vídeos que mostram hooligans com balaclavas deixando o prédio do partido do governo e que testemunhou a presença de torcedores de futebol já envolvidos em outros confrontos e que atuariam como agentes do regime.
Dois diplomatas ouvidos pela Rádio Europa Livre que fizeram carreira na região dos Bálcãs, Edward Joseph e Wolfgang Petritsch, deram posições distintas à respeito da ingerência da Rússia em Montenegro. Joseph destacou o erro da OTAN ao manter Montenegro continuamente fora da aliança dizendo que esta situação, que considera perigosa, dava oportunidade para que os russos intervissem e desestabilizassem o país. Uma razão pela qual Montenegro ainda não teria sido convidada para entrar na OTAN seria a penetração do serviço secreto russo no país. Já Petritsch afirmou que, apesar dos Bálcãs serem prioridade secundária para a Rússia e de que seria bom para Montenegro integrar a OTAN e também a UE, a principal causa da crise era o "comportamento disfuncional" de Podgorica, que seria provocativo especialmente num contexto de maior tensão entre russos e ocidentais com a crise na Ucrânia. Ele destacou ainda que Montenegro recebe grandes investimentos russos, e que é estranho que agora Podgorica acuse Moscou de intervenção. Ambos países sempre foram historicamente muito próximos, o que seria motivo de preocupação para Bruxelas, e a Rússia sempre foi contrária à entrada de qualquer país na OTAN.
MONTENEGRO E OTAN: UMA INTIMIDADE CRESCENTE
(O primeiro-ministro de Montenengro, Mila Djukanovic, e o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, num encontro oficial em Podgorica em 11 de junho de 2015.)
Os protestos e as consequentes acusações de que a Rússia estaria envolvida neles com o objetivo de instabilizar Montenegro e impedir sua entrada na OTAN ocorreu num momento de crescente aproximação e intensificação das negociações entre a aliança e Podgorica. Segundo o especialista sérvio em política externa citado anteriormente, os protestos explodiram depois que o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, visitou a capital montenegrina para tratar da adesão do país.
A visita de Stoltenberg à Podgorica ocorreu entre os dias 11 e 12 de junho de 2015. O objetivo do encontro com Djukanovic e membros do governo era avaliar o progresso das reformas internas de Montenegro com base no Plano de Ação de 2010 para entrar na OTAN. Os objetivos do Plano são centrar esforços principalmente nas reformas do setor de segurança, de inteligência, no Estado de Direito e no trabalho junto à opinião pública e intensificar os encontros entre líderes do governo e da aliança militar como forma de avaliar e acelerar as reformas necessárias. A intenção era concluir a entrada definitiva de Montenegro à OTAN em dezembro de 2015.
No encontro Stoltenberg e Djukanovic reafirmaram a necessidade de cumprir os objetivos do Plano de Ação para o ingresso em dezembro. O líder da OTAN também destacou a ajuda financeira e operacional de militares de Montenegro à aliança no Afeganistão. Disse que o país havia feito um "progresso real" em direção às reformas, à intensificação das conversações com a OTAN e da cooperação política com seus membros, mas destacou a necessidade de melhorar as reformas das leis do país e aumentar o apoio da opinião pública.
(Declaração pública em 12 de junho de 2015 onde Stoltenberg lamentou a morte de civis montenegrinos pela OTAN em 1999.)
Uma das novidades da visita ocorreu em 12 de junho, quando Jens Stoltenberg lamentou publicamente a morte de civis no bombardeio da OTAN à Montenegro, então parte da Sérvia, em 1999. Foi a primeira vez desde o evento que um líder da organização expressava lamento pelas mortes. As reações em Montenegro dividiram opiniões: partidos políticos, ONGs e apoiadores à adesão à OTAN receberam bem o que eles chamaram de "desculpas de Stoltenberg", justificando que era necessário que a população ouvisse este pedido. Por outro lado o Movimento Montenegrino pela Neutralidade disse que as palavras do secretário-geral eram apenas uma pequeno gesto para influenciar a opinião pública à respeito da entrada na aliança O principal argumento dos opositores à adesão é justamente o papel da organização na mortes de civis em 1999.No dia 10 de agosto o parlamento de Montenegro colocou em pauta um projeto de resolução de apoio à entrada do país na OTAN. O projeto foi apoiado por 49 dos 81 deputados e seu objetivo fortalecer o apoio dos membros da casa à integração. A resolução, porém, não especificava como a adesão seria feita.
Jens Stoltenberg fez nova visita à Podgorica em 15 de outubro, dois dias antes dos confrontos nas ruas da cidade. As discussões centraram-se principalmente nas reformas das leis e no apoio da opinião pública. O secretário-geral destacou que as conversações com o governo de Djukanovic haviam sido "muito frutíferas", que o país havia feito grandes avanços nas reformar das leis, contribuía às missões da OTAN e da ONU e que era provável que em menos de dois meses os ministros das relações exteriores da aliança decidiriam sobre o convite à adesão. Para Djukanovic, Montenegro deveria ser um modelo de preparação à integração a ser seguido por outros países.
É importante notar que foi neste contexto de intensificação dos encontros entre Djukanovic e Stoltenberg, o avanço do Plano de Ação e a resolução apoiada pela maioria do parlamento que iniciaram as manifestações permanentes. Apesar do prazo para que a mobilização fosse encerrada até 10 de outubro, foi apenas no dia 17 que a policia entrou em ação e houve violência. Assim como para os manifestantes era importante mostrar suas insatisfações a Stoltenberg, para o governo não era bom que houvesse confusão logo antes do encontro do dia 15. A violência do dia 17 foi seguida pela já comentada manifestação e nova violência dia 24.
Até novembro de 2015 a opinião pública montenegrina encontrava-se dividida sobre a adesão à OTAN. Uma pesquisa encomendada por uma agência ocidental mostrou que 34,8% dos entrevistados consideravam a adesão o caminho correto para o país, ao passo que 34,7% consideravam o caminho errado. Os 30,4% restantes não tinham posição ou não sabiam responder à pergunta. Ou seja: o número de pessoas pró e contra a entrada de Montenegro era igual. Nos últimos meses houve a queda dos que apoiavam a adesão. A maioria (51%), porém, considerava que o país cedo ou tarde entraria na aliança. Com relação aos protestos, 27,6% os consideravam positivos e 47% negativos (destes 33,3% muito negativos), sendo que 53,5% disseram que eles não conseguiriam atingir seus objetivos contra apenas 15,0% que acreditavam que sim. Interessante notar que quando perguntadas sobre o impacto da OTAN para o país, a maioria das pessoas acreditava que a adesão poderia oferecer a Montenegro um melhor relacionamento principalmente com os EUA e a UE, o fortalecimento da paz, segurança, estabilidade e a proteção das fronteiras do país. O menor impacto seria a relação com a Rússia.
Percebe-se pela pesquisa de opinião que, sim, o apoio à entrada de Montenegro na OTAN é baixo e declinou nos últimos meses, porém estabilizou, e que sua oposição aumentou mas também estabilizou. Havia uma parcela da população (1/3) relativamente indiferente à questão. Ademais, a visão negativa dos protestos pela maioria deslegitimava a ação da oposição frente à entrada à OTAN, mas deslegitimava também as ações contra o governo de Podgorica. Ao contrário do que se observa no Brasil, a pesquisa mostrou que o governo é uma das instituições mais confiadas pela população. Ou seja: se o apoio e a oposição à entrada na OTAN eram equivalentes, havia muitas pessoas à parte da questão e principalmente uma descrença e uma visão negativa dos protestos. Na prática isto significava que o governo central tinha confiança (ou indiferença) de parte significativa da sociedade e que seu caminho para colocar em pauta uma agenda política pró-OTAN encontrava resistência basicamente entre os ativistas da oposição. A maior preocupação da população montenegrina não parecia ser a adesão à aliança ou a crise política, mas a questão socioeconômica: 61% dos entrevistados responderam ser favoráveis à integração do país na UE.
(Stoltenberg e o ministro das relações exteriores de Montenegro, Igor Luksic, no encontro que oficializou o convite do país balcânico à organização. Bruxelas, 2 de dezembro de 2015.)
Como o esperado, a Rússia reagiu com críticas. Sergei Lavrov, que já havia dito em setembro que as tentativas de expansão da OTAN era uma "provocação" e não ajudava em nada na estabilidade da região, disse que o convite à Montenegro era uma atitude "irresponsável". Já o senador russo Viktor Ozerov, chefe do comitê para defesa e segurança do Conselho da Federação Russa, disse que caso a adesão se confirme projetos da Rússia com o país balcânico seriam cortados, inclusive na área militar. Apesar do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, dizer que a expansão da OTAN não era direcionada à Rússia ou a qualquer outro país, os diplomatas da aliança disseram que o convite à Montenegro era uma clara mensagem de que Moscou não pode impedir a expansão da organização por não possuir poder de veto. O pano de fundo desta afirmativa estava na Guerra da Geórgia em 2008 quando, com apoio da Rússia, Ossétia do Sul e Abkházia se separaram de facto do país impedindo que os georgianos entrassem na OTAN. Uma cláusula da organização não permite que países com disputas territoriais integrem a aliança. O mesmo ocorreu com a Ucrânia sobre a anexação da Crimeia pelos russos e a guerra no leste do país.
Podgorica mostrou-se pouco preocupada e disse que o convite não seria capaz de pôr em risco suas relações com Moscou, já que Montenegro possui poucos projetos e investimentos russos. A alguns especialistas também acreditam que é pouco provável que os russos tomem medidas drásticas contra o país balcânico. Jens Stoltenberg deu a entender que Montenegro poderia tornar-se oficialmente membro da OTAN no próximo encontro dos seus líderes prevista para acontecer em julho deste ano em Varsóvia, na Polônia.
A OPOSIÇÃO VAI AO KREMLIN
Poucas semanas após o fim dos protestos de rua em 24 de outubro, a oposição montenegrina boicotou os encontros no parlamento e começou a traçar publicamente planos e estratégias com membros do Kremlin com o objetivo de barrar o ingresso do país na OTAN e planeja uma nova política para o país.
(Milan Knezevic, leader of the Democratic People´s Party, DNP)
Milan Knezevic, deputado e líder do DNP, segundo maior partido de Montenegro e que integra a Frente Democrática, recebeu um convite do ministro russo Sergei Lavrov para participar de um fórum em comemoração aos cem anos da Agência Russa para Cooperação Internacional, realizado entre os dias 25 e 27 de novembro de 2015. Ele foi o único membro do parlamento de Montenegro a ser convidado. Uma semana antes Knezevic declarou que sua intenção no fórum era destacar o histórico laço de amizade entre russos e montenegrinos, que estes últimos veem a Rússia como um grande aliado e protetor, que a população não aprova as sanções impostas ao país pela União Europeia (numa referência à crise na Ucrânia), e que a Rússia é um importante ator geopolítico global capaz de enfrentar os desafios do mundo de hoje. O ideal para Montenegro seria uma neutralidade militar, ou seja, um não comprometimento com a OTAN, e que tanto o fortalecimento dos laços sociais e econômicos com a Rússia e a UE eram importantes.
(Dmitry Rogozin, vice-presidente russo líder do partido ultranacionalista Rodina e aliado de Putin. Agora sob sanção de Montenegro e da UE.)
Knezevic voltou novamente à Moscou em 30 de janeiro de 2016, desta vez com seu colega de partido, Petrag Bulatovic, à convite do vice-presidente e assessor de Putin, Dmitry Rogozin. Rogozin é fundador e financiador do Rodina, partido aliado ao Rússia Unida do presidente russo, e considerado extremamente nacionalista (um exemplo do radicalismo do partido ocorreu em setembro de 2004 quando o ideólogo Alexander Dugin, então seu colaborador, afastou-se do partido por considera-lo excessivamente nacionalista, composto por "chauvinistas de extrema-direita" (sic) e muito próximo do Partido Comunista). O objetivo da visita era a assinatura de um memorando onde o DNP e o Rodina se comprometiam em compartilhar posições a respeito do clima político dos Bálcãs e receber apoio dos colegas russos para a neutralidade militar de Montenegro. Mas desta vez Knezevic foi mais longe: propôs uma aliança de países neutros que incluiriam ainda Sérvia, Macedônia e Bósnia-Herzegovina. A proposta recebeu apoio do líder do Serbian Peoples´ Party (SPP) Nenad Popovic. Andrija Mandic (NOVA) também estava em Moscou acompanhando os colegas da oposição.Outra proposta que reforçava a ideia de neutralidade era fazer de Montenegro a "Suíça dos Bálcãs". Esta ideia foi lançada pelo vice-presidente da Duma, Sergei Zheleznyak na presença de Knezevic, Bulatovic e Mandic. O embaixador da Eslovênia na OTAN, Jelko Kacin, disse que o encontro dos três líderes opositores com membros da Duma era uma interferência na política montenegrina, e que esta atitude era um comportamento típico de política externa russa. Zheleznyak está sob sanção da EU por seu envolvimento na anexação da Crimeia pela Rússia.
(Sergey Naryshkin (direita), recebendo Knezevic (centro), e Andrija Mandic, líder do NOVA (esquerda) em Moscou em 1º de fevereiro de 2016.)
Outro líder russo que recebeu os membros da DF foi Sergey Naryshkin, presidente da Duma e que também está sob sanção da UE pela questão da Crimeia. Naryshkin é presidente do conselho de diretores da TV russa Channel One, onde Andrija Mandic concedeu um entrevista defendendo a pauta da oposição. Noutro momento Mandic também declarou que assim que a oposição chegasse ao poder levantaria as sanções econômicas que Montenegro impôs à Rússia ao longo de 2014 e revalorizaria os laços com o país construído por governos anteriores. Naryshkin criticou as sanções dizendo que eram ilegais e causavam graves danos às relações entre os dois países. A conclusão dos encontros dos líderes da DF com membros da Duma em Moscou foi a reafirmação da posição contrária à expansão da OTAN nos Bálcãs, a neutralidade militar de Montenegro e a necessidade de realizar um referendo popular para decidir sobre a entrada ou não do país na aliança.
A reação em Montenegro à viagem dos líderes da Frente Democrática foi de contestação, mas de pouca preocupação. O principal questionamento era se seria aceitável que políticos do país discutissem questões internas com estrangeiros ao mesmo tempo em que boicotavam o próprio parlamento. Mas o governo montenegrino deu pouca importância sobre os possíveis efeitos do encontro. Um representante do partido do governo, o DPS, disse que os oposicionistas não têm apoio da população e que portanto a viagem à Rússia não teria maiores impactos na política do país. O diretor do Serviço Russo da Rádio Europa Livre reforçou a posição do governo dizendo que a visita não tem peso político, mas que serve de propaganda para Moscou e faz parte da tentativa do governo russo de criar uma sistema de alianças políticas pela Europa.
Apesar da aparente despreocupação, Montenegro adotou sanções contra cinquenta empresários e políticos russos no dia 11 de fevereiro de 2016. Um deles foi justamente Dmitri Rogozyn, que havia sido convidado por Knezevic a visitar Montenegro depois que os líderes da DF estiveram em Moscou. Segundo Ministério do Exterior, o convite foi feito sem consulta ao governo. Ademais, Rogozyn é conhecido por suas atitudes pouco amigáveis como sua declaração, em dezembro de 2015, de que Montenegro se arrependeria de entrar no OTAN, e sua visita à Sérvia em janeiro seguinte onde se encontrou com Vojislav Seselj, fundador e líder do Partido Radical Sérvio (PRS), quando ainda estava detido e sob julgamento pelo Tribunal Internacional para a antiga Iugoslávia por crimes contra a humanidade. Seselj foi absolvido dois meses depois e voltou à cena política.
A visita de Rogozyn à Sérvia e a figura de Seselj são relevantes para a política de Montenegro. Um dos grupos que participaram das manifestações e integra a DF é o Serbian Oath Keepers, dissidência montenegrina do PRS de Seselj, cuja atuação no país existe desde os anos 90 sob o nome oficial de Party of Serbian Radicals (PSR). O líder do grupo, Robert Zizic, disse que Seselj abandou a luta dos direitos dos sérvios em Montenegro, voltou-se às questões socioeconômicas, passou a cooperar com partidos e organizações que apoiam a integração do país à OTAN. A proposta do novo grupo é resgatar o nacionalismo sérvio, realizar campanhas contra a integração do país à OTAN e à UE e estreitar laços com Belgrado e Moscou com base nos valores históricos e culturais comuns. O principal ponto de apoio do Serbian Oath Keppers na Sérvia é o Serbian Zavetnici, dissidência do PRS no país vizinho liderado por Stefan Stamenskovski.
CRISE POLÍTICA FAVORÁVEL À RÚSSIA E NOVOS PASSOS EM DIREÇÃO À OTAN
(Djukanovic fala ao parlamento na crise política de janeiro de 2016: boicote da oposição e assentos vazios.)
Três dias antes da viagem dos líderes do DF à Moscou no dia 30 de janeiro, uma crise política abalou o governo de Montenegro: foi dissolvida a aliança que governava o país, composta entre o partido do governo, Democratic Party of Socialists (DPS), liderado por Djukanovic, e o Social Democrats Party (SDP), liderado por Ranko Krivokapic. O rompimento aconteceu depois de três dias de calorosos debates no parlamento que se encerrou com a votação de uma moção de não confiança ao primeiro-ministro. Djukanovic venceu por margem muito apertada, recebendo 42 dos 81 votos, e sua vitória ocorreu graças aos votos do menor partido de oposição representado na casa, o Positive Montenegro (PM) liderado por Darko Pajovic, que nos últimos anos tem se aproximado do governo.
Esta votação havia sido convocada pelo próprio Djukanovic em 19 de dezembro de 2015 devido ao agravamento da crise política no país. Há dois anos o SDP vem reclamando da falta de ação do primeiro-ministro na reforma do judiciário e pela maior liberdade de imprensa. Durante os debates, membros do DPS e do SDP acusaram-se uns aos outros pela crise política, pelo rompimento da aliança e das alegadas fraudes eleitorais, uma das bandeiras da oposição. Corrupção, compra de votos contra a independência de Montenegro, a venda de terras da região costeira para os russos e a aliança com o já falecido Slobodan Milosevic nos ano 90, condenado por crimes de guerra e chamado na imprensa ocidental de "carniceiro dos Bálcãs" por suas ações da Guerra da Iugoslávia (1992-1995), foram outros temas de discussão. Djukanovic e Krivokapic, então presidente do parlamento, também trocaram acusações. No dia da votação, centenas de pessoas lideradas pela Frente Democrática realizaram uma manifestação em frente ao parlamento pedindo a saída do primeiro-ministro.
(Djukanovic e o então presidente do parlamento e líder do Social Democrats Party, Ranko Krivokapic.)
Em 19 de fevereiro a crise teve um novo capítulo: governo e oposição não chegaram a um acordo sobre a realização de eleições "livres e justas". O principal ponto de divergência era sobre o controle do canal de TV público RCTG. A oposição acusava o diretor e o editorial do programa de notícias de serem parciais. Outro ponto era o comando da Agência Nacional de Segurança, cujo cargo de diretor-chefe era demandado pelos oposicionistas. No dia 27 o governo de Djukanovic havia acertado com o parlamento a demissão de Krivokapic da função de presidente para o dia seguinte. Em seu lugar entrou Darko Pajovic, eleito sob boicote da oposição. Desta forma encerrava-se definitivamente a aliança entre o DPS e o SPD.
(Manifestações da Frente Democrática em Podgorica em 27 de fevereiro de 2016.)
A nova crise criada pelo episódio do dia 19 fez a Frente Democrática convocar novas manifestações pela saída de Djukanovic no dia 27. Enquanto a massa estava nas ruas, o governo acertava a demissão de Krivokapic. As demandas incluíam as questionadas pela oposição no parlamento como eleições "livres e justas", o controle da TV pública e da agência de segurança. Algumas fontes locais afirmaram que manifestantes participariam do protesto vestindo camisetas com o rosto de Vladimir Putin. Durante as manifestações o que se via eram bandeiras de Montenegro e da Sérvia. Adrija Mandic (NOVA), que havia chegado da Rússia poucas horas antes, discursou à multidão dizendo que não haveria qualquer negociação com Djukanovic. Outros três partidos de oposição também foram criticados por não participarem das manifestações.Em 15 de março foi a fez da direita nacionalista sérvia do Serbian Oath Keepers lançar uma campanha por manifestações anti-OTAN em Montenegro.
Outro fator relevante é o paralelo entre o agravamento da crise e a intensificação dos contatos dos líderes da Frente Democrática com figuras importantes do governo russo. O pedido de moção de não confiança do primeiro-ministro ocorreu três semanas após à viagem de Knezevic (DNP) a um fórum em Moscou, seguido por uma nova viagem desta vez acompanhado de seu colega Bulatovic (NDP) e Mandic (NOVA). Esta nova viagem ocorreu três dias depois da votação de moção, e que inaugurou o rompimento da coalização governista então formada pelo DPS e o SDP. Por fim, a manifestações de rua, liderados pela Frente Democrática, voltaram com um pouco mais de força quando governo e oposição não entraram num acordo sobre eleições "livres e justas" e o controle da TV pública e do serviço secreto, tendo sido este último denunciado pela OTAN de estar infiltrado de agentes russos, fator que adiou o processo de integração do país à aliança. A pergunta que fica é: até que ponto o Kremlin está conseguindo penetrar e influenciar a política de Montenegro através da cooptação de aliados? Não tenho esta resposta, mas é evidente que a evolução destes acontecimentos favorecem a Rússia, e que uma das chaves é a relação da Frente Democrática com o Kremlin num contexto de crise política em Montenegro.
(Ministros das relações exteriores dos países membros da OTAN no da assinatura do Protocolo de Adesão de Montenegro, em Bruxelas. Djukanovic e Stoltenberg estão ao centro da foto.)
Por outro lado o processo de integração à OTAN não parou. Com aval dos ministros das relações exteriores dos países membros e a assinatura do Protocolo de Adesão, em 19 de maio Montenegro foi oficialmente convidado à participar da organização como "convidado" , isto é, um observador. Assim o país passou a ter uma cadeira própria para acompanhar os encontros oficiais. Segundo avaliou um especialista em segurança citado pela reportagem do The Atlantic, isto causará "profunda consequências políticas", já que a integração de Montenegro abre mais um capítulo na evolução política dos Bálcãs, traumatizados pelas guerras dos anos 90. A integração também vem num "tempo oportuno" de dificuldades políticas na Europa, a crise dos refugiados e a crise na Ucrânia.
No dia da assinatura do Protocolo, uma recente pesquisa comentada no Balkan Insight mostrou que os montenegrinos estavam divididos em relação à entrada do país na OTAN, sendo 45% a favor da medida. Por outro lado, um levantamento feito pelo DNP de Knezevic mostrou que 61% dos habitantes eram a favor de um referendo sobre a questão. O líder do partido comentou novamente que a maioria da população era contrária à integração.
Desde o rompimento entre o DPS e o SPD Djukanovic passou a governar com maiores dificuldades. A oposição recusou-se a participar o novo gabinete do governo composto após a ruptura e boicotou até mesmo a sessão parlamentar de aniversário dos dez anos de independência de Montenegro dirigida por Pajovic e comemorada em 3 de junho.
No período das comemorações foram divulgados na imprensa dados a respeito da posição da população sobre a independência. Uma pesquisa destacada por Knezevic afirmou que 50% do país era favorável à sua independência e 30,9% contrários; Djukanovic comentou sobre número gerais, dizendo que em torno de 60% da população seria favorável a situação de independência do país e 40% contrário. Na vizinha Sérvia uma pesquisa realizada em maio mostrou que apenas 20% da população estava interessada em reestabelecer a união com Montenegro. Apesar da sociedade não estar tão ativa quanto nas questões políticas e a maioria ser favorável à manutenção da independência ela ainda encontra-se socialmente dividida, principalmente se levado em consideração a posição da considerável minoria sérvia que compõe em torno de 30% da população.
(Mapa da composição étnica de Montenegro mostrando o grupo predominante por município: vermelho = montenegrinos; azul = sérvios; demais cores = grupos minoritários.)
Com o processo de integração à OTAN em andamento, uma grave crise política não resolvida e uma população socialmente dividida (ainda que não muito ativa politicamente) Montenegro chega à metade de 2016 com muitas coisas a resolver. Uma das perguntas que podemos fazer é: será a Rússia capaz de reverter a adesão à OTAN e atrair Montenegro à sua esfera de influência através da oposição?
Esta seria uma tarefa difícil. Djukanovic, no poder desde 1991, está decidido a estreitar relações com o Ocidente. Uma prova disto está na Constituição do país, adotada 17 de outubro de 2007 quando já era governante, onde o preâmbulo diz explicitamente que o país se dedicará a cooperar com outros países e promover "as integrações europeia e euro-atlânticas" e destaca que suas relações exteriores devem ser "baseadas nos princípios e nas regras da lei internacional" de forma a facilitar seu acesso às organizações internacionais. Desta forma, cabe ao parlamento "decidir a forma de acesso à União Europeia".
A Estratégia de Segurança Nacional é mais direta em relação à OTAN e à UE:
"A estratégia confirma o compromisso de Montenegro em tomar todas as ações necessárias bem como alcançar as condições para sua integração nas estruturas de segurança internacional euro-atlânticas e outras. Neste contexto, o objetivo estratégico de Montenegro é se tornar membro pleno da OTAN e da UE o quanto antes."
(Manifestação pró-Putin durante a visita do presidente russo à Belgrado, Sérvia, em 16 de agosto de 2014: aliados políticos na região dos Bálcãs)
Este movimento de Montenegro entra em choque com as novas ações da políticas externa russa. Desde meados de 2006-07 a Rússia tem tomado atitudes mais assertivas de contestação do "mundo unipolar" lidera pelos EUA e tentado fortalecer sua liderança em sua esfera de influência. Para isso ela criou e fortaleceu instituições, meios de comunicação e redes de contatos pelo mundo, principalmente na Europa, numa espécie de globalização alternativa (ver também aqui). Desde 2014, com a crise na Ucrânia e a anexação da Crimeia, o país passou para o que dois analistas chamaram de "confrontação aberta com a ordem internacional". Para eles a chamada "Doutrina Putin" advoga um excepcionalismo russo, uma posição de afirmação da Rússia na ordem mundial. O principal ponto de confrontação estaria entre "mundo russo" e o Ocidente enfatizando seus valores e princípios civilizacionais. Neste contexto os Bálcãs ganham destaque pelos lações históricos dos russos com os sérvios e montenegrinos, além de seus vizinhos gregos, romenos e búlgaros, todos eles com populações majoritariamente ortodoxas.Montenegro, por seu pequeno tamanho e população, fica à mercê da forte influência russa na região através de questões como fontes de energia (com a expansão da rede de gasodutos e oleodutos concorrente aos projetos ocidentais), laços econômicos, alianças políticas, esforços diplomáticos, presença militar (foi negada a instalação de uma base militar russa no seu litoral) e ativismo cultural-religioso. Os investimentos russos no país, a recepção de uma grande quantidade de turistas russos, a grande minoria sérvia e as críticas de alguns analistas sobre a mudança recente do rumo da política externa mostram que a até pouco tempo Podgorica tinha uma relação mais íntima com Moscou. Está claro, portanto, que Djukanovic alterou a política externa do país e agora está tentando pular fora da esfera de influência da Rússia.
As alianças políticas com sérvios, búlgaros, bósnios e gregos; os investimentos, os laços diplomáticos e as redes de energia que correm através de Grécia, Bulgária e Croácia; a maior presença militar no Mar Negro (em especial depois da anexação da Crimeia); e as igrejas ortodoxas nacionais (principalmente da Sérvia) são fatores que podem influenciar a política montenegrina. Apesar de 32% dos investimentos em Montenegro serem de origem russa, este elemento não parece estar em jogo, e a Igreja Ortodoxa do país, que poderia servir de instrumento para mobilização popular, tem baixo nível de confiança em comparação com a Igreja Ortodoxa Sérvia (29,0% e 48,4%, respectivamente). Portanto, o maior desafio de Montenegro está na sua política interna com uma oposição aliada do Kremlin. Este é o único trunfo que Moscou pode utilizar sem afetar diretamente os países vizinhos. A pressa com que Montenegro insere-se na OTAN e na União Europeia e a capacidade da Frente Democrática em virar o jogo, seja com protestos de rua ou pressão parlamentar, serão determinantes para o futuro próximo do país.
* escolhi manter o nome dos partidos conforme as fontes consultadas em inglês; traduções para o português variam conforme a fonte.
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