sábado, 25 de junho de 2016

Brexit: bom para Putin. Mas e para a Europa?


(Jornalista Brian Whitmore e a logomarca de seu blog na Rádio Europa Livre: crítico severo do Kremlin.) 

O jornalista da Rádio Europa Livre Brian Whitmore, responsável pelas reportagens e análises sobre a Rússia em seu blog Power Vertical e um severo crítico do regime de Putin, disse que a decisão dos britânicos de sair da União Europeia deu um "grande motivo" para o presidente russo sorrir.

Em seu comentário, Whitmore afirmou ser importante lembrar que no momento em que os britânicos escolhiam sair da União Europeia até a pouco tempo os ucranianos lutavam na Euromaidan pela integração ao continente. Destacou que talvez tenha sido a primeira vez na História que pessoas deram suas vidas pela "ideia da Europa", uma referência aos mais de cem mortos nos protestos em 2014, e que elas continuam a morrer hoje pela mesma ideia nas batalhas em Donbass. Ao mesmo tempo que os britânicos estão votando para sair da UE, "os ucranianos estão morrendo, literalmente, para entrar". O jornalista destacou que mesmo com o medo do desmoronamento do bloco por parte de seus líderes devido ao Brexit, a "ideia de Europa é algo ao qual algumas pessoas ainda estão dispostas a dar suas vidas".

(Euromaidan: a luta por uma "ideia de Europa".)

Para Whitmore a União Europeia dá forma à "ideia de Europa". O bloco é a figura à qual muita gente volta os olhos, como nas nações do Leste Europeu e, em particular, na Ucrânia (ou pelo menos parte deste país) na expectativa de fazer parte do que chamam de "Europa".

O ponto importante no comentário de Whitmore está no significado destes acontecimentos para Vladimir Putin. Disse que para seu regime as atitudes do ucranianos é "profundamente preocupante" e "profundamente assustadora", não pelos atos em si, mas por aquilo que eles clamam. Os modelos de governança transparente e de integração consensual são vistos pelo presidente russo como ameaças à sua "cleptocracia autocrática expansionista". Para o jornalista o Brexit é uma "vitória para Vladimir Putin e para um tipo de política que ele representa". Qualquer coisa que divida a Europa seria comemorado por seu governo, disse Whitmore, e concluiu que com o Brexit "os britânicos apenas deram um grande motivo para o líder do Kremlin sorrir".

A defesa que o jornalista faz da União Europeia não é apenas uma defesa às sociedades democráticas do Ocidente, mas também à resistência que o bloco faz à Rússia de Putin. Uma Europa unida sob uma União Europeia forte seria a melhor defesa e, por consequência, o melhor combate contra a estratégia do Kremlin. A lógica é que quanto mais democrático for o continente, mais as pessoas de fora estariam dispostas a lutar pela "ideia de Europa" ameaçando as pretensões contrárias da Rússia. É o que parte dos ucranianos estariam fazendo.

A questão que levanto é: se uma Europa unida, transparente e democrática é uma ameaça à estratégia de Putin, porque então esta mesma Europa não consegue impedir, como tantas vezes comentei neste blog, a penetração russa? Compartilho com Whitmore de que não houve qualquer interferência russa no Brexit, apesar de que uma ingerência de Moscou fosse possível (durante o referendo pela independência da Escócia em 2014 levantou-se a suspeita de que observadores russos tentaram desacreditar o processo eleitoral). Mas o ponto mais importante é a emergência de novos "brexits" por aliados do Kremlin. A saída de países da União Europeia não é necessariamente algo ruim tendo em vista às sucessivas crises econômicas, à violenta crise na Grécia (que levou aliados de Putin ao poder) e a dificuldade do bloco em entrar num consenso sobre o que fazer com os dois milhões de refugiados do Oriente Médio e do norte da África, mas será ruim caso esta saída seja capitaneada por líderes e movimentos pró-Rússia como o Front National de Marine Le Pen.

De imediato a saída dos britânicos diminui a pressão da União Europeia sobre as ações da Rússia, principalmente sobre o envolvimento do país na crise na Ucrânia. O Reino Unido era um dos principais apoiadores das sanções econômicas impostas pelo bloco contra Moscou.

(Culturas europeias e a nova política russa: a defesa das democracias depende de valores que elas não podem criar.)

Acredito que o principal ponto não está na existência de uma Europa democrática e transparente, mas nos valores que sustentam este mesmo sistema e que o sistema não pode criar. Falo, de forma geral, em cultura, tradição e sentimento nacional. Esta é justamente a luta de Vladimir Putin, que nos últimos anos tem buscado definir uma nova identidade nacional russa e inseri-la numa disputa civilizacional. É isto que faz o Movimento Eurasiano ao agir nos bastidores do Kremlin e fomentar aliados pela Europa e Ásia. Seu objetivo é remodelar a geopolítica global. Assim declara o Alexander Dugin: "Um exemplo [de ordem mundial] pode ser encontrado no Projeto Eurasiano, também conhecido como projeto multipolar ou dos 'Grandes Espaços', que propõe justamente um modelo alternativa ao da Ordem Mundial baseado no princípio das civilizações e dos grandes espaços", citando inclusive a União Europeia como um exemplo formal desta ideia.

(Apoiadores do Brexit em frente ao Parlamento Britânico: os rumos de um país não dependem da democracia, mas do que fazem através dela.)

Putin tem preferência pela democracia desde que para seus propósitos. Os valores deles são outros. Já o Brexit é um exemplo de como o sistema democrático pode ser usado com base em valores que, no fundo, definirão o futuro da Europa. A democracia não é uma resistência em si. Depende do que fizerem com ela.

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