segunda-feira, 27 de junho de 2016

Dugin sobre o Brexit: vitória do projeto russo e mais um passo na guerra contra o Ocidente

(Alexander Dugin: "Um importante aspecto da visão de mundo eurasiana é a negação absoluta da civilização ocidental. Na opinião dos eurasianos, o Ocidente com seu liberalismo é o mal absoluto."

Para um dos mais influentes ideólogos do Kremlin e líder do Movimento Eurasiano, Alexander Dugin, a saída do Reino Unido da União Europeia ocorreu porque os EUA passaram a rejeitar o bloco, e os britânicos, os principais aliado dos americanos na região, preferiram seguir seu caminho. O Brexit só foi possível porque a chamada "elite global" teria permitido que ele ocorresse. Estas ideias foram apresentadas numa entrevista ao Katehon, think thank russo dedicado aos estudos da geopolítica global com base no pensamento eurasiano.

Para entender melhor o parágrafo acima, precisamos ter em mente duas coisas: 1) para Dugin não existe separação entre a política e civilização. A ordem política de um povo corresponde necessariamente às suas características culturais (esta relação é tradicional no pensamento eurasiano e é bem detalhada no livro Russian Eurasianism. An Ideology of Empire, de Marlene Laruèlle). 2) Ele identifica o globalismo como a elite financeira do Ocidente. Seu fundamento são EUA, no seu entender a essência do próprio movimento globalista (suas posições estão detalhadas no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho também disponível em português). A expansão do domínio americano sobre a Europa e o mundo seria uma artificialidade sustentada apenas pelo poder opressor da elite globalista.

  
(O livro de Laruelle e o debate com Olavo de Carvalho: reveladores do pensamento de Dugin e das pretensões do Movimento Eurasiano)

Por estas razões Dugin considera o Brexit um acontecimento de enorme importância com impactos na ordem civilizacional e na geopolítica global. Em suas palavras:

"A saída do Reino Unido da União Europeia é um evento de importância colossal. Toda a arquitetura do mundo está mudando, porque o país não é apenas um dos países europeus, mas um dos polos da civilização europeia. Se a Inglterra diz que está fora da Europa, fora da UE, isto significa que os valores da UE mudam. A coisa mais importante é que ninguém permitirá uma Europa sem a Grã-Bretanha. Nós podemos dizer que isto é o fim de um espaço civilizacional."

Para ele o mundo estaria assistindo ao "fim da Europa" como descrito por Oswald Spengler e os eslavófilos (intelectuais da eslavofilia, corrente ideológica relacionada ao eurasianismo), e que a União Europeia estava "caindo no abismo devido à sua ideologia ultra-liberal", insustentável no longo prazo.

A análise de Dugin não é uma mera análise. Como ideólogo do Kremlin e um dos intelectuais mais influentes na Rússia, ele considera o Brexit sinal da decadência de uma Europa que dará espaço à Eurásia. O pensador aposta nos movimentos nacionalistas e fascistas (ainda que negue esta classificação) como esperança para dissolver o bloco e fazer emergir a Europa "verdadeira". Quem teria a ganhar com isto em âmbito global é a Rússia.

(Encontro dos chefes de Estado dos países membros da Organização de Cooperação de Shanghai, em Zhengzhou, China, em dezembro de 2015.)

Durante a entrevista, quando o entrevistador comentou que as pessoas ainda culpam Rússia por tudo o que dá de errado no mundo, Dugin disse:

"É uma grande surpresa, mas elas estão certas, e ao mesmo tempo em que acontece o Brexit, Tashkent está criando um centro alternativo de civilização multipolar - a OCS [Organização de Cooperação de Shanghai]. Isto é mais da metade do mundo - é a vasta maioria da população e uma potência nuclear. Índia e Paquistão entraram na OCS, e o Irã concordou parcialmente em entrar. O que está acontecendo hoje: o Brexit e a OCS, que está se tornando uma força importante, são rachaduras no centro das civilizações, o centro da ordem mundial está todo ele na outra metade do mundo. Isto é uma transição do Ocidente para mundo eurasiano. É, de fato, nossa comemoração. Os fundadores do eurasianismo disseram: 'o Ocidente e o Resto". O Brexit é o colapso do Ocidente e é uma vitória para a humanidade, que se opõe ao Ocidente e busca trilhar seu próprio caminho. E a bandeira da humanidade é a OCS, a Rússia, a atual Rússia soberana multipolar liderada por Putin, e aqueles que estão no Clube Eurasiano."

Esta passagem é de extrema importância. Assim como já declarou que sua intenção é agir nos bastidores da política com a finalidade de influenciá-la, Dugin admite seu papel como agente consciente das mudanças geopolíticas globais. Apresenta também a alternativa política ao globalismo do Ocidente representado pelos EUA e a União Europeia: a Organização de Cooperação de Shangai. Esta seria, no seu entender, uma organização correspondente ao mundo multipolar, isto é, multicivilizacional, unificando diversos núcleos de poder em oposição ao projeto globalista homogeneizante. A OCS tem como principais base de cooperação questões de segurança e economia, e seus dos maiores integrantes são Rússia e China. É característico do pensamento eurasiano atribuir à Rússia um papel messiânico, portanto caberia a ela a responsabilidade em liderar a organização.

É possível perceber que a análise Dugin não está destinada a compreender o mundo, mas a transformá-lo segundo os propósitos do Kremlin. Dugin é um ideólogo, o formulador de um mundo "multipolar" liderado pela Rússia, que estaria destinada, por sua natureza única (isto é muito enfatizado pelos eurasianos), a "libertar" os povos do julgo do globalismo ocidental.

(Dugin de fuzil na mão em frente a um tanque da Ossétia do Sul: membros do Movimento Eurasiano atuaram nas batalhas da Guerra da Geórgia, em 2008. No debate Olavo de Carvalho utilizou esta imagem para exemplificar que Dugin não era um mero intelectual, mas agente do projeto eurasiano.)

A visão de mundo ideologizada de Dugin fica evidente no debate que teve com o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho. O russo não conseguia entender porque Olavo era ao mesmo tempo um conservador, um crítico do globalismo do Ocidente e também um crítico do projeto eurasiano. Dugin via em seu oponente um amante da tradição, um "'paleoconservador' do Ocidente moderno" já há muito tempo derrotado politicamente. Mas para ele era incompreensível como que alguém com este pensamento era contrário ao plano "libertador" dos eurasianos. Dugin "acusou" Olavo de Carvalho de estar do lado globalista e "fingindo que não escolheu nenhum" dos lados. Não haveria neutralidade neste embate. Este raciocínio é típico do pensamento ideológico. Diz o russo:

"Nossa luta é, em certo sentido, universal, assim como é universal o desafio globalista. Temos diferentes tradições, mas ao defendê-las confrontamos o inimigo comum de qualquer tradição. Assim exploraremos nossas respectivas zonas de influência no mundo multipolar somente depois da nossa vitória comum sobre a Besta. A Besta-americana-atlantista-liberal-globalista-capitalista-pós-moderna [sic]"

E completa:

"O Ocidente está em agonia. Precisamos salvar o mundo desta agonia e talvez o próprio Ocidente. O Ocidente Morderno e Pós-Moderno tem que morrer [ênfase do autor]. Se houver valores tradicionais reais em seus fundamentos (e eles certamente existem), salvá-los-emos somente no processo de destruição global da Moderninade/Hiper-modernidade."

Para Alexander Dugin o Brexit é um passo para a destruição do globalismo, da "Besta" americana e da modernidade em nome da "libertação" e da tradição dos povos do mundo inteiro. O projeto eurasiano, capitaneado pela Organização de Cooperação de Shanghai, seria a alternativa contra a "opressão" do Ocidente. Para Dugin não há escolha. Ou você está do lado opressor, ou do libertador. No pensamento ideológico não há meio-termo ou independência. Dugin escolheu o lado dele, e por isto mesmo está trabalhando ativamente no Kremlin para derrotar o Ocidente.

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