Mostrando postagens com marcador MEI. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador MEI. Mostrar todas as postagens

sábado, 16 de julho de 2016

A reação do movimento eurasiano ao golpe militar na Turquia

(Parte da população foi às ruas contra os militares golpistas: chamado do presidente Erdogan parece ter surtido efeito.)

Tão logo iniciou-se o golpe militar na Turquia no dia 15 de julho, o site do think thank Katehon, baseado no pensamento eurasiano e dedicado às análises políticas, geoestratégicas e geopolíticas globais, divulgou algumas análises sobre o evento.

O presidente do Katehon é Konstantin Malofeev, oligarca descrito como o "Soros de Putin" por seu apoio aos projetos do Kremlin.  Malofeev também consta na lista de sanções econômicas da UE e Canadá sob a acusação de financiar o conflito na Ucrânia. Já o principal colaborador do Katehon é Alexander Dugin, criador e ideólogo do Movimento Eurasiano Internacional.

Não farei aqui análises sobre o golpe, mas o que pensam os eurasianos a respeito. É significativo entender um pouco o que eles têm a dizer dada a influência que têm sobre a elite política, econômica e militar da Rússia.

Segundo os comentaristas, o principal responsável pelo golpe militar na Turquia seriam os EUA. Num primeiro momento o site destacou a acusação do presidente, Recep Taiyyp Erdogan, de que quem estaria por detrás do golpe era um ex-aliado seu, Fetullah Gülen. Gülen é intelectual e líder espiritual de um grupo religioso islâmico, e vive auto-exilado na Pensilvânia, EUA. Para o Katehon, ele estaria colaborando com os serviços de inteligências norte-americanos, e a "mão de Washington" seria a verdadeira força política por detrás do golpe. A razão deste suposto apoio americano estaria na reorientação geopolítica da Turquia, que nos últimos anos tem se aproximado da Rússia e anunciado, por meio de seu novo primeiro-ministro na véspera do golpe, o reestabelecimento das relações com a Síria. Isto resultaria no "colapso" da estratégia dos EUA na região, que teria acionado sua rede de contatos militares na Turquia para iniciar a ação contra o governo de Erdogan.

(Fethullah Güllen: aliado de Erdogan no passado e acusado de estar por detrás do golpe militar na Turquia. Acusado pelo presidente e pelos eurasianos.)

Quando ficou evidente que o golpe militar havia falhado, o site publicou o texto "Um outro erro sangrento dos EUA", numa alusão à interferência americana em outros países no passado. O comentário acusou os oficiais golpistas de "pertencerem completamente à organização de Gülen com sede nos EUA e na CIA" (a qual chama de "seita") e foi direto ao dizer que "este foi um golpe de Estado pró-americano organizado pelos oficiais de Gülen contra o exército, o governo e o povo". Além de não haver apoio dos altos oficiais militares, a população nas ruas, conclamadas pelo presidente pela televisão, seriam uma demonstração de que o golpe militar não tinha apoio popular ou estatal. "Este foi apenas mais um fracasso dos EUA", diz o texto, que destacou, mais uma vez, que os americanos estariam desgostosos com a reaproximação geopolítica da Turquia com seus vizinhos.

Noutro texto o think thank faz um comentário sobre as possibilidades geopolíticas futuras da Turquia. Diz que de agora em diante o país deverá ser "distintamente eurasiano" com a retomada de sua política regional de alianças com vizinhos como Rússia e Síria, o afastamento de uma enfraquecida União Europeia pós-Brexit e o endurecimento das leis contra futuros golpes de Estado (que, segundo o autor, ainda virão sob incentivo dos EUA).

Esta abordagem do Katehon não é surpreendente. Desde os anos 90 do século XX o movimento eurasiano tem criado laços com políticos e intelectuais e divulgado revistas e jornais acadêmicos na Turquia. Dugin é o principal agente na formação destes laços visitando o país diversas vezes. Segundo Laruelle, o pensamento eurasiano aproxima-se do antigo pan-turquismo, que na sua origem buscava a unificação dos povos turcos sob um mesmo Estado. Mas a ideologia foi alijada do poder ainda em 1923 pelo governo nacionalista de Ataturk, e no período pós-Guerra Fria estava desacreditado por sua associação com grupos nacionalistas de extrema-direita e pela falta de receptividade nos países da Ásia Central. Desta forma, o eurasianismo fornece à Turquia uma nova visão geopolítica e uma abordagem menos ideológica na estratégia de inserção do país na Eurásia. A aproximação de Ancara com os países da Ásia Central, cujas populações falam línguas de origem turca, ganha um tom mais "pragmático" e "politicamente correto" ao contrário do viés nacional e ideologizado do pan-turquismo.

(Rússia e Turquia: para o Movimento Eurasiano e seus intelectuais, povos historicamente próximos que devem estabelecer uma aliança na Eurásia contra a unipolaridade norte-americana.)

Segundo a pesquisadora, desde os anos 2000 Rússia e Turquia têm se aproximado política, econômica e diplomaticamente com os russos buscando estabelecer uma aliança estratégica formada pelos dois países mais Síria e Irã. A questão é saber o quanto esta aproximação será bem-sucedida. Diz Laruelle:

"...a reaproximação russo-turca, se continuada, está determinada em alterar a situação dada de um modo importante: ela afetará o próprio quadro de relações de Moscou e de Ancara com relação à União Europeia e à OTAN, bem como em direção ao Cáucaso, onde os dois países devem buscar uma lógica de aliança e não de disputa."

O golpe de Estado fracassado na Turquia deixou no mínimo 165 mortos, 1140 feridos e quase 3000 foram presos. Outras fontes falam em até 265 mortos e mais de 1600 feridos.

Segundo a agência estatal russa Sputnik, o ministro do trabalho turco, Süleyman Soylu, acusou os EUA de estarem por detrás do golpe. Verdade ou não, é a mesma versão do Katehon. A Turquia pediu a extradição de Gülen, que, como o esperado, negou participação no golpe. Resta saber o quanto isto é verdade, ou se a versão dos fatos dada pela imprensa oficial russa e o Katehon são uma nova jogada do Kremlin e seus aliados dado o comprometimento de seus membros com o establishment russo.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Dugin sobre o Brexit: vitória do projeto russo e mais um passo na guerra contra o Ocidente

(Alexander Dugin: "Um importante aspecto da visão de mundo eurasiana é a negação absoluta da civilização ocidental. Na opinião dos eurasianos, o Ocidente com seu liberalismo é o mal absoluto."

Para um dos mais influentes ideólogos do Kremlin e líder do Movimento Eurasiano, Alexander Dugin, a saída do Reino Unido da União Europeia ocorreu porque os EUA passaram a rejeitar o bloco, e os britânicos, os principais aliado dos americanos na região, preferiram seguir seu caminho. O Brexit só foi possível porque a chamada "elite global" teria permitido que ele ocorresse. Estas ideias foram apresentadas numa entrevista ao Katehon, think thank russo dedicado aos estudos da geopolítica global com base no pensamento eurasiano.

Para entender melhor o parágrafo acima, precisamos ter em mente duas coisas: 1) para Dugin não existe separação entre a política e civilização. A ordem política de um povo corresponde necessariamente às suas características culturais (esta relação é tradicional no pensamento eurasiano e é bem detalhada no livro Russian Eurasianism. An Ideology of Empire, de Marlene Laruèlle). 2) Ele identifica o globalismo como a elite financeira do Ocidente. Seu fundamento são EUA, no seu entender a essência do próprio movimento globalista (suas posições estão detalhadas no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho também disponível em português). A expansão do domínio americano sobre a Europa e o mundo seria uma artificialidade sustentada apenas pelo poder opressor da elite globalista.

  
(O livro de Laruelle e o debate com Olavo de Carvalho: reveladores do pensamento de Dugin e das pretensões do Movimento Eurasiano)

Por estas razões Dugin considera o Brexit um acontecimento de enorme importância com impactos na ordem civilizacional e na geopolítica global. Em suas palavras:

"A saída do Reino Unido da União Europeia é um evento de importância colossal. Toda a arquitetura do mundo está mudando, porque o país não é apenas um dos países europeus, mas um dos polos da civilização europeia. Se a Inglterra diz que está fora da Europa, fora da UE, isto significa que os valores da UE mudam. A coisa mais importante é que ninguém permitirá uma Europa sem a Grã-Bretanha. Nós podemos dizer que isto é o fim de um espaço civilizacional."

Para ele o mundo estaria assistindo ao "fim da Europa" como descrito por Oswald Spengler e os eslavófilos (intelectuais da eslavofilia, corrente ideológica relacionada ao eurasianismo), e que a União Europeia estava "caindo no abismo devido à sua ideologia ultra-liberal", insustentável no longo prazo.

A análise de Dugin não é uma mera análise. Como ideólogo do Kremlin e um dos intelectuais mais influentes na Rússia, ele considera o Brexit sinal da decadência de uma Europa que dará espaço à Eurásia. O pensador aposta nos movimentos nacionalistas e fascistas (ainda que negue esta classificação) como esperança para dissolver o bloco e fazer emergir a Europa "verdadeira". Quem teria a ganhar com isto em âmbito global é a Rússia.

(Encontro dos chefes de Estado dos países membros da Organização de Cooperação de Shanghai, em Zhengzhou, China, em dezembro de 2015.)

Durante a entrevista, quando o entrevistador comentou que as pessoas ainda culpam Rússia por tudo o que dá de errado no mundo, Dugin disse:

"É uma grande surpresa, mas elas estão certas, e ao mesmo tempo em que acontece o Brexit, Tashkent está criando um centro alternativo de civilização multipolar - a OCS [Organização de Cooperação de Shanghai]. Isto é mais da metade do mundo - é a vasta maioria da população e uma potência nuclear. Índia e Paquistão entraram na OCS, e o Irã concordou parcialmente em entrar. O que está acontecendo hoje: o Brexit e a OCS, que está se tornando uma força importante, são rachaduras no centro das civilizações, o centro da ordem mundial está todo ele na outra metade do mundo. Isto é uma transição do Ocidente para mundo eurasiano. É, de fato, nossa comemoração. Os fundadores do eurasianismo disseram: 'o Ocidente e o Resto". O Brexit é o colapso do Ocidente e é uma vitória para a humanidade, que se opõe ao Ocidente e busca trilhar seu próprio caminho. E a bandeira da humanidade é a OCS, a Rússia, a atual Rússia soberana multipolar liderada por Putin, e aqueles que estão no Clube Eurasiano."

Esta passagem é de extrema importância. Assim como já declarou que sua intenção é agir nos bastidores da política com a finalidade de influenciá-la, Dugin admite seu papel como agente consciente das mudanças geopolíticas globais. Apresenta também a alternativa política ao globalismo do Ocidente representado pelos EUA e a União Europeia: a Organização de Cooperação de Shangai. Esta seria, no seu entender, uma organização correspondente ao mundo multipolar, isto é, multicivilizacional, unificando diversos núcleos de poder em oposição ao projeto globalista homogeneizante. A OCS tem como principais base de cooperação questões de segurança e economia, e seus dos maiores integrantes são Rússia e China. É característico do pensamento eurasiano atribuir à Rússia um papel messiânico, portanto caberia a ela a responsabilidade em liderar a organização.

É possível perceber que a análise Dugin não está destinada a compreender o mundo, mas a transformá-lo segundo os propósitos do Kremlin. Dugin é um ideólogo, o formulador de um mundo "multipolar" liderado pela Rússia, que estaria destinada, por sua natureza única (isto é muito enfatizado pelos eurasianos), a "libertar" os povos do julgo do globalismo ocidental.

(Dugin de fuzil na mão em frente a um tanque da Ossétia do Sul: membros do Movimento Eurasiano atuaram nas batalhas da Guerra da Geórgia, em 2008. No debate Olavo de Carvalho utilizou esta imagem para exemplificar que Dugin não era um mero intelectual, mas agente do projeto eurasiano.)

A visão de mundo ideologizada de Dugin fica evidente no debate que teve com o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho. O russo não conseguia entender porque Olavo era ao mesmo tempo um conservador, um crítico do globalismo do Ocidente e também um crítico do projeto eurasiano. Dugin via em seu oponente um amante da tradição, um "'paleoconservador' do Ocidente moderno" já há muito tempo derrotado politicamente. Mas para ele era incompreensível como que alguém com este pensamento era contrário ao plano "libertador" dos eurasianos. Dugin "acusou" Olavo de Carvalho de estar do lado globalista e "fingindo que não escolheu nenhum" dos lados. Não haveria neutralidade neste embate. Este raciocínio é típico do pensamento ideológico. Diz o russo:

"Nossa luta é, em certo sentido, universal, assim como é universal o desafio globalista. Temos diferentes tradições, mas ao defendê-las confrontamos o inimigo comum de qualquer tradição. Assim exploraremos nossas respectivas zonas de influência no mundo multipolar somente depois da nossa vitória comum sobre a Besta. A Besta-americana-atlantista-liberal-globalista-capitalista-pós-moderna [sic]"

E completa:

"O Ocidente está em agonia. Precisamos salvar o mundo desta agonia e talvez o próprio Ocidente. O Ocidente Morderno e Pós-Moderno tem que morrer [ênfase do autor]. Se houver valores tradicionais reais em seus fundamentos (e eles certamente existem), salvá-los-emos somente no processo de destruição global da Moderninade/Hiper-modernidade."

Para Alexander Dugin o Brexit é um passo para a destruição do globalismo, da "Besta" americana e da modernidade em nome da "libertação" e da tradição dos povos do mundo inteiro. O projeto eurasiano, capitaneado pela Organização de Cooperação de Shanghai, seria a alternativa contra a "opressão" do Ocidente. Para Dugin não há escolha. Ou você está do lado opressor, ou do libertador. No pensamento ideológico não há meio-termo ou independência. Dugin escolheu o lado dele, e por isto mesmo está trabalhando ativamente no Kremlin para derrotar o Ocidente.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Oligarcas, ideólogos e extremistas: a penetração da Rússia na Europa

(Símbolo do Movimento Eurasiano Internacional)

Na medida em que vou vasculhando os personagens da ação russa na Europa vou descobrindo a existência de uma rede de contatos compostas pelos seguintes elementos:

1 - oligarcas russos, responsáveis por financiar e promover grupos de discussão e encontros entre as partes interessadas;
2 - ideólogos russos, responsáveis por promover ideologias pró-Rússia com a finalidade de atrair os países vizinhos à sua esfera;
3 - políticos europeus dos seguintes ramos: a) extrema-direita, b) fascistas, c) extrema-esquerda. Todos eles têm em comum principalmente uma posição crítica quanto à União Europeia (euroceticismo), o papel dos EUA no mundo e na Europa, o capitalismo liberal e, de forma geral, a agenda cultural de liberação dos costumes (casamento gay, aborto, políticas para minorias, etc), com exceção da extrema-esquerda. Por fim, eles nutrem uma simpatia à Rússia e à liderança do país personificada por Putin.
4 - ativistas políticos de caráter nazifascista, comunista, nacionalista e racialista; responsáveis por agir dentro da Rússia e estabelecer contatos com grupos e movimentos europeus, sobre os quais se inspiram.

Os grupos 1, 2 e 4 são formados por pessoas direta ou indiretamente ligadas ao Kremlin, numa relação, no meu entender, de simbiose com o governo russo. Ou seja, não haveria uma controle completo do governo sobre esses grupos, bem como esses grupos não exercem influência de forma a controlar direta o governo de Moscou.

(Alexander Dugin)

O destaque dentro desses atores é o Movimento Eurasiano Internacional, criado e presidido por Alexander Dugin, o intelectual russo de maior influência atualmente. Dugin, como ele próprio já afirmou, não tem pretensões de agir diretamente na política mas conduzi-la desde os bastidores, assessorando, orientando, publicando livros e artigos e disseminando suas ideias através de encontros e contatos dentro e fora da Rússia.

A exemplo dos contatos existentes nesta rede, a penetração e a emergência de movimentos extremistas na Rússia têm origem e inspiração em ideologias e movimentos políticos europeus. Portanto, a Rússia importa tais elementos da Europa para depois voltar-se à (e contra) ela com a finalidade de absorve-la à sua esfera de influência.

Nas próximas semanas detalharei tudo sobre essa rede aqui neste blog.

domingo, 14 de junho de 2015

Guerra de dutos

 (Putin e Endorgan no Azerbaijão)

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Endorgan, tiveram um encontro no dia 13 de junho em Baku, capital do Azerbaijão, para tratar de algumas questões pertinentes aos dois países. Uma delas foi a negociação para a construção conjunta do gasoduto Turkish Stream. Tal projeto vem a substituir o antigo, South Stream, que foi suspenso segundo a imprensa russa por pressão do Ocidente. O novo gasotudo está previsto para sair do litoral russo do Mar Negro até a Trácia, região que abrange a Turquia europeia e parte da Bulgária.

Sobre o projeto, o ministro da Energia e Recursos Naturais da Turquia, Taner Yildiz, afirmou que a posição dos países ocidentais a respeito do projeto do Turkish Stream é "estranha", "inconsequente" e "ilógica", já que a Europa necessita do gás russo. Era de se esperar que tal o projeto mencionado causasse desconforto aos ocidentais ou, pelo menos, que esse desconforto fosse destacado pelos veículos de comunicação russos.

A dependência da União Europeia do gás russo (ver pág. 35-38), especialmente dos países de sua porção oriental, é enorme. Em torno de 1/3 do suprimento do gás do bloco vem da Rússia. Sua principal empresa de fornecimento de gás, a Gazprom, comandada e financiada por lideranças do governo russo, tem mais da metade de suas vendas para o grupo europeu. Essa dependência é vista pela Europa e os EUA como um obstáculo ao aprofundamento das relações transatlânticas e uma trunfo político da Rússia sobre o Ocidente, que se utiliza do gás como forma de pressionar os governos dos países dependentes. Em 2006, por exemplo, uma crise política entre Rússia e Ucrânia à respeito de preços do produto deixaram países da Europa Oriental sem fornecimento por dois dias no inverno; em 2009 uma crise similar, também no inverno, atingiu duramente os países dos Balcãs, durante três semanas. Na ocasião, a crise foi resolvida por pressão da União Europeia, que ameaçou reavaliar os acordos comerciais com os dois países (ver pág. 10).

Há um projeto rival proposto pela União Europeia, chamado Southern Corridor, que é combatido politicamente pela Rússia. Tal projeto é visto por Moscou como uma ameaça à sua liderança de fornecimento energético para a Europa Oriental e países vizinhos da Ásia. Um dos planos europeus é o Projeto Trans-Caspiano e outros similares que preveem a construção de gasodutos da Ásia Central até a Europa através do Mar Cáspio. Na lógica do trunfo estratégico, a criação dessa infraestrutura daria ao Ocidente uma maior margem de manobra sobre a região e diminuiria o pressão da Rússia nas negociações de segurança energética e de preços (ver pág. 35-38).

Outra questão que envolve a segurança energética (e militar) é a aproximação entre o Azerbaijão e o Ocidente através de negociações com a OTAN, devido ao envolvimento desta última no Afeganistão, e de dois projetos de gasodutos que ligam o território azeri ao sul da Europa. A questão ganhou relevância com a crise na Ucrânia, já que a construção desses gasodutos passaria por este país sem adentrar o território russo, permitindo a venda de gás para os ucranianos. Esses projetos diminuiriam a pressão econômica de Moscou sobre Kiev.

Por fim, um acordo entre Rússia e Turquia a respeito do gasoduto pode ser sinal de uma inflexão turca para o norte. A crescente influência do governo russo através do Movimento Eurasiano Internacional é uma tentativa de fazer da Turquia um aliado de Moscou e um adversário do Ocidente, cortando-lhe o acesso ao restante da Ásia por terra. O fiel da balança, que fica naquilo que Samuel Huntington chamou de "esquina do mundo", têm sido alvo do assédio político e econômico da Rússia. Uma melhora nas relações entre a Turquia e os países ocidentais seria de fundamental importância segurar as pretensões de uma aliança eurasiana antiocidental liderada por Moscou.