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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Grécia e a penetração da Rússia na Europa

(Tsipras se encontra com Putin no Kremlin, em 08 de abril de 2015)

O atual primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, esteve no último Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, na Rússia, ocorrido entre os dias 18 e 20 de junho passado. As lideranças russas e gregas tiveram encontros a respeito da relação energética entre os dois países, particularmente sobre a remessa de gás da Rússia para a Grécia.

Antes de comentar o acordo fechado entre Tsipras e Putin, eu gostaria de relembrar alguns fatos recentes que parecem indicar um comprometimento decisivo da Grécia para com a Rússia.

A relação entre os dois países depois do fim da Guerra Fria foi sempre fundamentada em interesses comuns nos Bálcãs, a integridade territorial dos países da região e nos fundamentos culturais e religiosos comuns (ambos têm população de maioria cristã ortodoxa). Mas desde o início do governo Putin, no último dia de 1999, e principalmente a partir do governo do primeiro-ministro Karamanlis, as relações greco-russas se aprofundaram muito. O grande motivador dessa aproximação está na estratégia energética da Rússia, carro-chefe de sua política externa, e na intenção grega de aproximar-se de seu parceiro histórico e de fazer um contrapeso geopolítico com sua rival na região, a Turquia, aproveitando-se das divergência entre turcos e russos sobre os conflitos no Cáucaso.

O principal elo concreto entre Grécia e Rússia são os projetos de gasodutos e oleodutos que atravessariam e também abasteceriam a população grega. Tais projetos funcionam como tentativas da Rússia de influenciar a política europeia através da Grécia.

Um desses projetos foi o Oleoduto Burgas-Alexandroupolis, planejado a partir de janeiro de 2005 e oficialmente colocado em prática a partir da assinatura dos acordos em março de 2007 em Atenas. Um dos seus construtores era a estatal russa de energia Gazprom, que controlava 51% dos recursos do projeto. Este gasoduto seria o primeiro na Europa controlado pela Rússia. A participação da Bulgária na construção do oleoduto, porém, foi suspensa em 2011 devido à alegação de problemas ambientais.

Uma alternativa russa ao projeto abortado seria transportar petróleo da região produtora do Mar Cáspio não mais por duto, mas por navio, através do Mar Negro, passando pelos Estreitos de Dardanelos e Bósforo, até chegar a Europa pelo Mar Mediterrâneo. Mas a Turquia, que também buscava rotas de distribuição de petróleo da mesma região passando pela Geórgia (país aliado do Ocidente), impediu que foi feito o trânsito de navios alegando razões ambientais.

Ao contrário do que o governo grego esperava, a construção do mencionado oleoduto não daria grandes vantagens geopolíticas ao país. Na época, a Rússia já negociava com a Sérvia a construção de um outro duto, dessa vez de gás, que atravessaria o Mar Negro em direção à Bulgária e, daí, para a Sérvia até a Áustria. O chamado South Stream colocaria a Grécia em segundo plano e diminuiria sua margem de negociação com a Rússia, tornando-a mais dependente desta. Ademais, como membro da União Europeia, a Grécia precisaria equilibrar suas políticas entre a Rússia e os acordos firmados com seus parceiros europeus dentro do bloco.

Somando a dependência energética da Grécia em relação a Rússia, os efeitos da crise financeira global de 2008 e a atual grave crise econômica grega chegamos ao panorama atual.

O primeiro-ministro Alexis Tsipras, vencedor das eleições gregas no final de janeiro deste ano, tem buscado uma maior aproximação com a Rússia apesar da profunda animosidade criada entre russos e europeus devido à crise na Ucrânia. Ainda em 2013 no governo Antonis Samaras, anterior a Tsipras, foi lançado um pacote de privatizações que incluía a venda da DEPA, empresa estatal grega de energia. A intenção inicial era levantar 2,6 bilhões de euros em vendas dessa e de outras estatais naquele ano (quase nada perto dos 240 bi de euros em dívidas). A Gazprom ofereceu pela DEPA 900 milhões de euros (U$ 1,2 bi), oferta muito acima das demais concorrentes. O problema é que no dia 10 de junho a empresa russa subitamente suspendeu a compra, provavelmente devido à pressão europeia e americana que temiam o envolvimento russo no mercado europeu.

Com a perda da venda da DEPA, continuaram as negociações para reduzir o preço do gás. A situação grega piorou muito em 2014: com a grave crise econômica a população e a já enfraquecida indústria pesada do país reduziram o de gás em 35%. Como o acordo entre os dois países exigia uma cota mínima de gás a ser comprada, a Grécia teria de pagar uma penalidade de 100 milhões de euros caso não cumprisse esta cláusula. Foi o que aconteceu. Durante as negociações, a cláusula "pegue-ou-pague" gerou uma batalha judicial entre o governo grego e a Gazprom. Mas um novo acordo em fevereiro de 2015 entre o recém eleito governo de Tsipras e a empresa russa, responsável pela venda de 90% do produto consumido na Grécia,  permitiu uma diminuição de 15% na compra do gás.

Na política, uma das primeiras ações de Alexis Tsipras como primeiro-ministro foi, além de anunciar a suspensão do programa de privatizações de Samaras, fazer uma visita de chefe de estado à Rússia. Tsipras e Putin se encontram no dia 8 de abril deste ano em Moscou. Na ocasião, ele buscou renegociar o preço do gás russo, e pediu para que se encerre o "ciclo vicioso de sanções" do Ocidente contra a Rússia na esteira da crise na Ucrânia argumentando que elas afetam a já debilitada economia grega. Mas as sanções também dizem respeito à Rússia, que se vê politicamente mais isolada devido ao envolvimento no conflito no país vizinho. Um levantamento das sanções beneficiaria tanto gregos quanto russos. O problema é que tal atitude não apenas agrada a Moscou como também cria preocupação na União Europeia.

O resultado da visita de Tsipras surgiu dia 19 de junho passado no recém realizado fórum econômico em São Petersburgo: um novo projeto de gasoduto, conhecido como Turkish Stream e assinado entre a Rússia e a Turquia seis dias antes, será estendido da Rússia à Grécia através do território turco. Esse acordo se tornou uma compensação pelo cancelamento da construção do oleoduto Burgas-Alexandroupolis em 2011 e também do gasoduto Southern Stream, que passaria da Rússia à Bulgária pelo Mar Negro sem chegar à Grécia.


Cabe notar que o Turkish Stream é o gasoduto rival do Southern Corridor apoiado pelos países ocidentais, que se origina no Azerbaijão até a Turquia. Neste país o projeto se bifurca com uma passagem pela Grécia até a Itália, e outra a qual se conecta com um projeto ocidental, o gasoduto Nabuco West, que corre desde a Bulgária até a Áustria.

A nova realidade política grega aprofunda o comprometimento do país com a Rússia e, por consequência, exige esforços políticos e diplomáticos maiores para não desagradar os parceiros europeus ou comprometer os acordos do bloco. A adesão da Grécia ao projeto de gasoduto russo-turco coloca o país num jogo duplo, porque, apesar de garantir combustível, cria uma parcial solução ao seu problema financeiro energético ao mesmo tempo em que abre um importante e decisivo mecanismo de influência da política externa russa dentro da União Europeia. Este projeto é maior evidência do comprometimento da Grécia com a Rússia, já que o governo grego adere a uma proposta energética rival a do Ocidente.

A influencia russa, porém, deve ser ainda mais profunda. Membros do partido Syriza mantém contato com oligarcas e ideólogos russos em reuniões secretas. Em 12 de abril de 2013, ideólogo russo Alexander Dugin realizou uma palestra sobre política internacional e eurasianismo na Universidade de Piraeus a convite de Nikos Kotzias, então professor de Ciência Política na Universidade e atual ministro das relações exteriores do governo Tsipras. Na ocasião, Dugin sugeriu que a Grécia deveria permanecer na União Europeia para promover a política externa russa no bloco. Uma outra palestra foi realizada no mesmo dia na Universidade Panteion sobre a geopolítica russa. Ainda em 2013, Dugin também trocou mensagens com um dos membros do Syriza onde ele mencionou o nome de Alexis Tsipras numa lista de membros que, nas suas palavras, poderiam participar de "iniciativas de natureza pró-russa" dentro da Grécia. Segundo o pesquisador Anton Shekovtsov, muitos dos contatos de Dugin na Grécia foram promovidos pelo oligarca Konstantin Malofeev, o mesmo que patrocinou um encontro secreto em Viena, na Áustria, entre Dugin, extremistas russos, líderes da extrema-direita e fascistas europeus em 31 maio de 2014. Por promover a ação de grupos extremista no conflito na Ucrânia, Malofeev foi alvo de sanções por parte da Europa e dos EUA.

(Kotzia na ponta esquerda; Dugin ao centro)

A penetração russa na Grécia provavelmente terá novos capítulos. É importante verificar com calma não apenas a influência geopolítica e estratégica da Rússia na Europa através da Grécia, mas principalmente a antessala dessa penetração organizada em de contatos pessoais e reuniões secretas. Voltarei a essas questões num momento oportuno.

domingo, 14 de junho de 2015

Guerra de dutos

 (Putin e Endorgan no Azerbaijão)

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Endorgan, tiveram um encontro no dia 13 de junho em Baku, capital do Azerbaijão, para tratar de algumas questões pertinentes aos dois países. Uma delas foi a negociação para a construção conjunta do gasoduto Turkish Stream. Tal projeto vem a substituir o antigo, South Stream, que foi suspenso segundo a imprensa russa por pressão do Ocidente. O novo gasotudo está previsto para sair do litoral russo do Mar Negro até a Trácia, região que abrange a Turquia europeia e parte da Bulgária.

Sobre o projeto, o ministro da Energia e Recursos Naturais da Turquia, Taner Yildiz, afirmou que a posição dos países ocidentais a respeito do projeto do Turkish Stream é "estranha", "inconsequente" e "ilógica", já que a Europa necessita do gás russo. Era de se esperar que tal o projeto mencionado causasse desconforto aos ocidentais ou, pelo menos, que esse desconforto fosse destacado pelos veículos de comunicação russos.

A dependência da União Europeia do gás russo (ver pág. 35-38), especialmente dos países de sua porção oriental, é enorme. Em torno de 1/3 do suprimento do gás do bloco vem da Rússia. Sua principal empresa de fornecimento de gás, a Gazprom, comandada e financiada por lideranças do governo russo, tem mais da metade de suas vendas para o grupo europeu. Essa dependência é vista pela Europa e os EUA como um obstáculo ao aprofundamento das relações transatlânticas e uma trunfo político da Rússia sobre o Ocidente, que se utiliza do gás como forma de pressionar os governos dos países dependentes. Em 2006, por exemplo, uma crise política entre Rússia e Ucrânia à respeito de preços do produto deixaram países da Europa Oriental sem fornecimento por dois dias no inverno; em 2009 uma crise similar, também no inverno, atingiu duramente os países dos Balcãs, durante três semanas. Na ocasião, a crise foi resolvida por pressão da União Europeia, que ameaçou reavaliar os acordos comerciais com os dois países (ver pág. 10).

Há um projeto rival proposto pela União Europeia, chamado Southern Corridor, que é combatido politicamente pela Rússia. Tal projeto é visto por Moscou como uma ameaça à sua liderança de fornecimento energético para a Europa Oriental e países vizinhos da Ásia. Um dos planos europeus é o Projeto Trans-Caspiano e outros similares que preveem a construção de gasodutos da Ásia Central até a Europa através do Mar Cáspio. Na lógica do trunfo estratégico, a criação dessa infraestrutura daria ao Ocidente uma maior margem de manobra sobre a região e diminuiria o pressão da Rússia nas negociações de segurança energética e de preços (ver pág. 35-38).

Outra questão que envolve a segurança energética (e militar) é a aproximação entre o Azerbaijão e o Ocidente através de negociações com a OTAN, devido ao envolvimento desta última no Afeganistão, e de dois projetos de gasodutos que ligam o território azeri ao sul da Europa. A questão ganhou relevância com a crise na Ucrânia, já que a construção desses gasodutos passaria por este país sem adentrar o território russo, permitindo a venda de gás para os ucranianos. Esses projetos diminuiriam a pressão econômica de Moscou sobre Kiev.

Por fim, um acordo entre Rússia e Turquia a respeito do gasoduto pode ser sinal de uma inflexão turca para o norte. A crescente influência do governo russo através do Movimento Eurasiano Internacional é uma tentativa de fazer da Turquia um aliado de Moscou e um adversário do Ocidente, cortando-lhe o acesso ao restante da Ásia por terra. O fiel da balança, que fica naquilo que Samuel Huntington chamou de "esquina do mundo", têm sido alvo do assédio político e econômico da Rússia. Uma melhora nas relações entre a Turquia e os países ocidentais seria de fundamental importância segurar as pretensões de uma aliança eurasiana antiocidental liderada por Moscou.