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quinta-feira, 9 de julho de 2015

O "não" da Grécia, os BRICS e a vitória do Kremlin


(Os cinco líderes dos BRICS na cúpula em Ufá, Rússia)


Com a vitória do "não" dos gregos às medidas de austeridades pedidas pelos credores europeus no plebiscito realizado domingo passado, dia 5, nem a União Europeia nem a Grécia parecem ter ganhado com o resultado. Os credores não têm sua dívida paga e os gregos continuam endividados. A União Europeia, porém, enfraquece. Quem ganha com isso é o Kremlin.

Alguns movimentos políticos por parte da Rússia, do governo grego e do grupo dos BRICS apontam para esta direção.

Em 11 de maio passado o vice-ministro das Finanças da Rússia, Sergei Storchak, fez um convite por telefone ao primeiro-ministro grego Alexis Tsipras para que a Grécia participasse do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, anunciado no último encontro do grupo em julho de 2014 em Fortaleza. A reação de Tsipras foi de agradável surpresa ao convite, que seria levado em consideração por seu governo, que mostrou-se interessado na proposta. Na ocasião, Storchak também propôs que negócios e viagens de turismo de russos para a Grécia fossem feitos com moeda russa. A intenção, obviamente, seria fortalecer o rublo frente às moedas de outros países.

Em outra ocasião, no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, realizado entre os dias 18 e 20 de junho passados, Tsipras apareceu de surpresa. No seu discurso ele explicou porque estava em São Petersburgo e não em Bruxelas negociando a crise de seu país com os credores europeus.

(Discurso de Alexis Tsipras no Fórum Econômico Internacional, São Petersburgo, Rússia)

"...eu estou aqui exatamente porque eu penso que um país que quer examinar e explorar as possibilidades futuras, deve ter uma política multidimensional e se engajar com países que estão atualmente desempenhando um papel fundamental nos desenvolvimentos econômicos globais."

Em outras palavras, Tsipras afirma diplomaticamente que a Grécia está verificando as possibilidades de conseguir apoio fora da Europa, isto é, nos países emergentes. E dentre os emergentes, o país com o qual a Grécia tem maior proximidade histórica e cultural é a Rússia, a quem chamou de "amigo tradicional".

Além desta declaração, Tsipras destacou o caráter "multipolar" do mundo em ascensão, e afirmou que o "centro de gravidade da economia mundial" já mudou, saindo do Ocidente para os mercados emergentes, e condenou o "reavivamento de uma obsoleta Guerra Fria" como seu "ciclo de retóricas agressivas", militarização e sanções comerciais numa clara condenação à ação ocidental para com a Rússia sobre a crise na Ucrânia.

Num encontro paralelo ao fórum econômico, Putin e Tsipras acordaram a construção de um novo gasoduto para 2016. O acordo foi comentado aqui neste blog em junho. O Turkish Stream, que deve sair da costa sul russa no Mar Negro até a porção europeia da Turquia e, daí, para a Grécia, Albânia e Itália, é um projeto rival do plano ocidental do Southern Corridor, que liga os poços de petróleo e gás do Azerbaijão, no Mar Cáspio, atravessa a Geórgia e a Turquia e liga-se com o gasoduto Nabuco West na Bulgária. Ademais (e talvez mais importante), os governos russo e grego acordaram a divulgação de um memorando sobre planos futuros de negociação para o mês de novembro. A Rússia, porém, não anunciou qualquer ajuda econômica à Grécia.

(Comemoração em Atenas da vitória do "não" no referendo realizado em 5 de julho)
 
Com a crise grega sem solução, o governo organizou um plebiscito para que a população decidisse sobre o apoio ou não às medidas de austeridade propostas pelos credores europeus. O "não" venceu com 61% dos votos. A reação dos líderes europeus foi de respeito ao resultado, e as negociações continuam. Já Vladimir Putin ligou para Tsipras, declarou apoio à decisão do povo grego e pediu que se continuassem os esforços de negociação entre a Grécia e os credores para resolver a crise da dívida. A conversa também tratou de temas referentes aos dois países, como a possibilidade de investimentos russos no país europeu e o já mencionado gasoduto Turkish Stream. Tal conversa é mais um sinal claro de que Moscou pretende puxar Atenas para a sua esfera de influência caso o país saia da zona do euro ou mesmo bloco europeu. Apesar de tanto o apoio de Putin quanto à condenação das sanções contra a Rússia por parte de Tsipras ficarem principalmente na retórica, a aproximação política e os acordos econômicos entre os dois países têm se mostrado preocupante para os líderes da Europa.

Quanto aos BRICS, o encontro do grupo realizado entre anteontem (8/7) e hoje em Ufá, na Rússia, não prometia abordar a questão grega em sua declaração final, ainda que o tema seja discutido durante os encontros, como também não estava em pauta uma ajuda financeira à Grécia. O foco da cúpula são o fortalecimento do grupo, a maior  integração econômica entre seus membros e a criação do Novo Banco de Desenvolvimento. De qualquer forma, quando o tema é Grécia, dentre os membros do BRICS é a Rússia quem levanta a discussão.

Ainda que a possibilidade de entrada da Grécia no NBD fique apenas no discurso, há negociações efetivas para ajudar o país europeu. Além dos negócios e investimentos da Rússia, a China tem negociado diretamente com o governo grego a crise de sua dívida e indicado a possibilidade de investimentos no país. É evidente que o movimento do governo de Pequim está em acordo com Moscou, já que ambos participam não só dos BRICS como da Organização para Cooperação de Shanghai, criada em 2001 com o objetivo de integrar econômica e militarmente China, Rússia e países da Ásia Central. Ambos países têm interesse não apenas na questão da segurança na Ásia, mas também que a crise da Grécia não venha afetar de forma ainda mais séria a Europa e, por consequência, piorar a situação da economia russa, cujas previsões são de retração do seu PIB para 2015 está na ordem de 3%.

Ainda que a possibilidade da Grécia de se juntar ao NBD dos BRICS seja alvo de uma crítica irônica do economista criador da sigla de dá nome ao grupo, John O´Neill, não pode ser descartada uma ajuda econômica ao país, e muito menos a possibilidade de grandes investimentos vindos de fora da União Europeia. Isso explica em parte as persistentes críticas do governo grego às sanções ocidentais à Rússia devido à crise na Ucrânia. O´Neill tem razão quando diz que a Grécia não cumpre os requisitos para participar de um banco para países emergentes. A Grécia não é emergente, e não tem qualquer condição econômica de contribuir com um banco cujo financiamento anual por parte de seus fundadores será de U$ 10 bilhões. O interesse da participação grega no banco parte principalmente da Rússia, mas o economista questiona o que os demais membros do BRICS teriam a ganhar com integração de um membro estranho à formação original do grupo. Apesar de todas essas questões, a tendência é de que uma possível participação da Grécia no novo banco ainda seja discutida.

Além do interesse econômico por parte dos BRICS de evitar que a crise na Europa se agrave, a Rússia, como já comentei neste blog (aqui e aqui), também não quer ver sua estratégia de liderança na Eurásia ser atingida com a perda de um acesso à política interna da União Europeia através da Grécia (temos que lembrar que o Syriza, coalizão de extrema-esquerda que governa a Grécia, é aliado político e estratégico do Kremlin). Apesar de Atenas ter feito pouco para frear as sanções do bloco contra Moscou, ela continua integrada e participativa nas suas decisões. Ao mesmo tempo, a Grécia se aproxima de instituições alternativas ao modelo europeu, podendo jogar, nas palavras de Tsipras, através de uma política "multivetorial". Por fim, a União Europeia se vê enfraquecida de forma direta não apenas pela crise grega, mas pela postergação de sua solução e pela a aproximação da Grécia com parceiros fora da Europa, e de forma relativa pelo fortalecimento do BRICS que, capitaneados pela Rússia e a China, poderá ser usado como mecanismo de sedução e caminho alternativo aos países que rejeitem os projetos ocidentais.

A diplomacia silenciosa da China, sua distância da Europa e, claro, o foco do tema deste blog não permite afirmar o quanto a questão grega significa para Pequim. Mas uma coisa é evidente: nem a Grécia e muito menos a Europa saem ganhando com o desenrolar dos últimos acontecimentos. Quem ganha é o Kremlin, que busca enfraquecer o bloco europeu utilizando os mecanismos de competição do BRICS, as negociações diretas com Atenas e tentativa de cooptar aliados através de negociações secretas com lideranças que são ao mesmo tempo críticas à forma atual da União Europeia e simpáticas à Moscou.

Assim como a Ucrânia, a Grécia é pivô de uma luta entre Ocidente e Rússia, não pela via militar, mas pela via econômica e política. Assim fica claro porque, apesar da dívida, Bruxelas não desiste de negociar com Atenas. Os europeus correm o risco de ficar não apenas sem o dinheiro da dívida, mas também sem um país aliado dentro do seu próprio continente.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Duas notas importantes sobre a Grécia

                                                                

                         (Tsipras se encontra com Putin em Moscou, 8 de abril de 2015)                                                                                                             
Na noite de ontem, 22, foi realizada em Bruxelas, na Bélgica, mais uma rodada de negociações para tentar solucionar a grave crise econômica grega. Abaixo duas notas sobre o assunto.

1) Interessante notar o tratamento que a imprensa ocidental e russa dão ao caso. A notícia destacada pelo site da CNN afirma que a "Europa dá uma cautelosa boa-vinda ao plano grego", que prevê reformas econômicas, aumento de impostos e corte de despesas. Segundo Donal Tusk, presidente do Conselho Europeu e que presidiu o encontro em Bruxelas, todas as partes estariam comprometidas com um acordo, que ainda depende de futuras negociações. A notícia destaca o protesto feito no dia de hoje, 23, em frente ao Parlamento grego que pedia para que o país se mantivesse na zona do euro.

Por outro lado, algumas das notícias destacadas pela Sputnik, órgão de mídia russo e fortemente crítico dos países ocidentais, apresenta uma União Europeia na defensiva com relação à crise grega. Uma notícia destaca que a mencionada reunião em Bruxelas acabou sem acordo entre as partes, e destacou os protestos realizados em diversos países europeus no último domingo, 21, que criticavam a pressão econômica dos credores sobre a Grécia. Outra notícia da última sexta-feira, 19, destacava a entrevista de um deputado do Syriza que a saída da Grécia da zona do euro faria mal ao bloco. Já uma terceira notícia destacava a declaração do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo de que a "Europa não é o centro do universo", numa clara crítica à tentativa do Ocidente continuar se prevalecendo economicamente, e destacou o papel da Rússia no mundo.

2) Na medida em que vasculho os pormenores das relações entre Grécia e Rússia tenho algumas surpresas. O ideólogo russo Alexander Dugin não teve contato apenas com membros do Syriza, uma coligação de partidos de extrema-esquerda que atualmente está no poder na Grécia, como ele e seus colegas ativistas teriam contribuído para a aliança entre o Syriza com ninguém menos que o recém-fundado partido de extrema-direita Gregos Independentes. Após as eleições de janeiro deste ano, ambos partidos formaram uma aliança para governar o país. O que eles têm em comum? São críticos do capitalismo liberal, eurocéticos (opõe-se à atual União Europeia) e, acima de tudo, anti-austeridade. Um quarto ponto, não-ideológico mas prático, são os contatos entre membros de ambos os partidos com ativistas russos antiocidentais, entre eles Dugin. Em maio 2014, mesmo após iniciada a crise na Ucrânia, Alexis Tsipras teve um encontro oficial com membros do alto-escalão do governo russo que estava na lista de sanções do Ocidente. Na ocasião, ele declarou que a paz na Ucrânia não seria possível sem a remoção dos elementos nazifascistas daquele governo. Já em setembro, numa votação do Parlamento Europeu para ratificar o Acordo de Associação EU-Ucrânia, todos os seis membros do Syriza votaram contra. E na Grécia, um dos membros do Gregos Independentes e deputado regional fundou em 2001 o Movimento Social Patriótico Aliança Grego-Russa, do qual é chefe, e que busca promover uma maior cooperação entre os dois países.

Outros acontecimentos relevantes ocorreram em janeiro de 2015, mês das eleições na Grécia: na primeira metade do mês um dos membros do GI viajou em visita a Moscou; no dia 23, dois dias antes das eleições, o presidente da Aliança Grego-Russa visitou o consulado geral da Rússia em Thessalonika para negociar a renovação da cooperação entre os dois países; e no dia 26, dia seguinte às eleições, o embaixador russo na Grécia, Andrei Maslov, fez uma visita à sede do Syriza em Atenas.

Com a aliança entre dois partidos abertamente pró-Rússia, sendo o Syriza, segundo Dugin, "anti-atlantista" (leia-se: antiocidental) fica difícil a Grécia se posicionar abertamente contra Moscou. Alexis Tsipras já se manifestou contrário às sanções do Ocidente para com a Rússia, e seu partido, como o mencionado, votou unanimemente contra uma maior integração da Ucrânia à União Europeia, cujo acordo contraria frontalmente os planos de Putin e abre portas para uma futura integração desse país com a OTAN.

Por outro lado, é importante observar que tanto o governo grego como a mídia pró-Rússia não se colocam favoráveis à saída da Grécia do bloco. A mídia tece fortes críticas aos líderes europeus, mas ao mesmo tempo destaca os prejuízos e as insatisfações que uma saída grega causaria à Europa. A exemplo do que comentei na postagem anterior, é interesse russo uma Grécia integrada à UE mas não submetida a ela de forma a permitir que Moscou possa influenciar a política do bloco desde dentro e aproximar os países ocidentais da sua esfera.

Para a Rússia é melhor uma Europa unida e não dividida, mas a seu favor. E contra os EUA.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Grécia e a penetração da Rússia na Europa

(Tsipras se encontra com Putin no Kremlin, em 08 de abril de 2015)

O atual primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, esteve no último Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, na Rússia, ocorrido entre os dias 18 e 20 de junho passado. As lideranças russas e gregas tiveram encontros a respeito da relação energética entre os dois países, particularmente sobre a remessa de gás da Rússia para a Grécia.

Antes de comentar o acordo fechado entre Tsipras e Putin, eu gostaria de relembrar alguns fatos recentes que parecem indicar um comprometimento decisivo da Grécia para com a Rússia.

A relação entre os dois países depois do fim da Guerra Fria foi sempre fundamentada em interesses comuns nos Bálcãs, a integridade territorial dos países da região e nos fundamentos culturais e religiosos comuns (ambos têm população de maioria cristã ortodoxa). Mas desde o início do governo Putin, no último dia de 1999, e principalmente a partir do governo do primeiro-ministro Karamanlis, as relações greco-russas se aprofundaram muito. O grande motivador dessa aproximação está na estratégia energética da Rússia, carro-chefe de sua política externa, e na intenção grega de aproximar-se de seu parceiro histórico e de fazer um contrapeso geopolítico com sua rival na região, a Turquia, aproveitando-se das divergência entre turcos e russos sobre os conflitos no Cáucaso.

O principal elo concreto entre Grécia e Rússia são os projetos de gasodutos e oleodutos que atravessariam e também abasteceriam a população grega. Tais projetos funcionam como tentativas da Rússia de influenciar a política europeia através da Grécia.

Um desses projetos foi o Oleoduto Burgas-Alexandroupolis, planejado a partir de janeiro de 2005 e oficialmente colocado em prática a partir da assinatura dos acordos em março de 2007 em Atenas. Um dos seus construtores era a estatal russa de energia Gazprom, que controlava 51% dos recursos do projeto. Este gasoduto seria o primeiro na Europa controlado pela Rússia. A participação da Bulgária na construção do oleoduto, porém, foi suspensa em 2011 devido à alegação de problemas ambientais.

Uma alternativa russa ao projeto abortado seria transportar petróleo da região produtora do Mar Cáspio não mais por duto, mas por navio, através do Mar Negro, passando pelos Estreitos de Dardanelos e Bósforo, até chegar a Europa pelo Mar Mediterrâneo. Mas a Turquia, que também buscava rotas de distribuição de petróleo da mesma região passando pela Geórgia (país aliado do Ocidente), impediu que foi feito o trânsito de navios alegando razões ambientais.

Ao contrário do que o governo grego esperava, a construção do mencionado oleoduto não daria grandes vantagens geopolíticas ao país. Na época, a Rússia já negociava com a Sérvia a construção de um outro duto, dessa vez de gás, que atravessaria o Mar Negro em direção à Bulgária e, daí, para a Sérvia até a Áustria. O chamado South Stream colocaria a Grécia em segundo plano e diminuiria sua margem de negociação com a Rússia, tornando-a mais dependente desta. Ademais, como membro da União Europeia, a Grécia precisaria equilibrar suas políticas entre a Rússia e os acordos firmados com seus parceiros europeus dentro do bloco.

Somando a dependência energética da Grécia em relação a Rússia, os efeitos da crise financeira global de 2008 e a atual grave crise econômica grega chegamos ao panorama atual.

O primeiro-ministro Alexis Tsipras, vencedor das eleições gregas no final de janeiro deste ano, tem buscado uma maior aproximação com a Rússia apesar da profunda animosidade criada entre russos e europeus devido à crise na Ucrânia. Ainda em 2013 no governo Antonis Samaras, anterior a Tsipras, foi lançado um pacote de privatizações que incluía a venda da DEPA, empresa estatal grega de energia. A intenção inicial era levantar 2,6 bilhões de euros em vendas dessa e de outras estatais naquele ano (quase nada perto dos 240 bi de euros em dívidas). A Gazprom ofereceu pela DEPA 900 milhões de euros (U$ 1,2 bi), oferta muito acima das demais concorrentes. O problema é que no dia 10 de junho a empresa russa subitamente suspendeu a compra, provavelmente devido à pressão europeia e americana que temiam o envolvimento russo no mercado europeu.

Com a perda da venda da DEPA, continuaram as negociações para reduzir o preço do gás. A situação grega piorou muito em 2014: com a grave crise econômica a população e a já enfraquecida indústria pesada do país reduziram o de gás em 35%. Como o acordo entre os dois países exigia uma cota mínima de gás a ser comprada, a Grécia teria de pagar uma penalidade de 100 milhões de euros caso não cumprisse esta cláusula. Foi o que aconteceu. Durante as negociações, a cláusula "pegue-ou-pague" gerou uma batalha judicial entre o governo grego e a Gazprom. Mas um novo acordo em fevereiro de 2015 entre o recém eleito governo de Tsipras e a empresa russa, responsável pela venda de 90% do produto consumido na Grécia,  permitiu uma diminuição de 15% na compra do gás.

Na política, uma das primeiras ações de Alexis Tsipras como primeiro-ministro foi, além de anunciar a suspensão do programa de privatizações de Samaras, fazer uma visita de chefe de estado à Rússia. Tsipras e Putin se encontram no dia 8 de abril deste ano em Moscou. Na ocasião, ele buscou renegociar o preço do gás russo, e pediu para que se encerre o "ciclo vicioso de sanções" do Ocidente contra a Rússia na esteira da crise na Ucrânia argumentando que elas afetam a já debilitada economia grega. Mas as sanções também dizem respeito à Rússia, que se vê politicamente mais isolada devido ao envolvimento no conflito no país vizinho. Um levantamento das sanções beneficiaria tanto gregos quanto russos. O problema é que tal atitude não apenas agrada a Moscou como também cria preocupação na União Europeia.

O resultado da visita de Tsipras surgiu dia 19 de junho passado no recém realizado fórum econômico em São Petersburgo: um novo projeto de gasoduto, conhecido como Turkish Stream e assinado entre a Rússia e a Turquia seis dias antes, será estendido da Rússia à Grécia através do território turco. Esse acordo se tornou uma compensação pelo cancelamento da construção do oleoduto Burgas-Alexandroupolis em 2011 e também do gasoduto Southern Stream, que passaria da Rússia à Bulgária pelo Mar Negro sem chegar à Grécia.


Cabe notar que o Turkish Stream é o gasoduto rival do Southern Corridor apoiado pelos países ocidentais, que se origina no Azerbaijão até a Turquia. Neste país o projeto se bifurca com uma passagem pela Grécia até a Itália, e outra a qual se conecta com um projeto ocidental, o gasoduto Nabuco West, que corre desde a Bulgária até a Áustria.

A nova realidade política grega aprofunda o comprometimento do país com a Rússia e, por consequência, exige esforços políticos e diplomáticos maiores para não desagradar os parceiros europeus ou comprometer os acordos do bloco. A adesão da Grécia ao projeto de gasoduto russo-turco coloca o país num jogo duplo, porque, apesar de garantir combustível, cria uma parcial solução ao seu problema financeiro energético ao mesmo tempo em que abre um importante e decisivo mecanismo de influência da política externa russa dentro da União Europeia. Este projeto é maior evidência do comprometimento da Grécia com a Rússia, já que o governo grego adere a uma proposta energética rival a do Ocidente.

A influencia russa, porém, deve ser ainda mais profunda. Membros do partido Syriza mantém contato com oligarcas e ideólogos russos em reuniões secretas. Em 12 de abril de 2013, ideólogo russo Alexander Dugin realizou uma palestra sobre política internacional e eurasianismo na Universidade de Piraeus a convite de Nikos Kotzias, então professor de Ciência Política na Universidade e atual ministro das relações exteriores do governo Tsipras. Na ocasião, Dugin sugeriu que a Grécia deveria permanecer na União Europeia para promover a política externa russa no bloco. Uma outra palestra foi realizada no mesmo dia na Universidade Panteion sobre a geopolítica russa. Ainda em 2013, Dugin também trocou mensagens com um dos membros do Syriza onde ele mencionou o nome de Alexis Tsipras numa lista de membros que, nas suas palavras, poderiam participar de "iniciativas de natureza pró-russa" dentro da Grécia. Segundo o pesquisador Anton Shekovtsov, muitos dos contatos de Dugin na Grécia foram promovidos pelo oligarca Konstantin Malofeev, o mesmo que patrocinou um encontro secreto em Viena, na Áustria, entre Dugin, extremistas russos, líderes da extrema-direita e fascistas europeus em 31 maio de 2014. Por promover a ação de grupos extremista no conflito na Ucrânia, Malofeev foi alvo de sanções por parte da Europa e dos EUA.

(Kotzia na ponta esquerda; Dugin ao centro)

A penetração russa na Grécia provavelmente terá novos capítulos. É importante verificar com calma não apenas a influência geopolítica e estratégica da Rússia na Europa através da Grécia, mas principalmente a antessala dessa penetração organizada em de contatos pessoais e reuniões secretas. Voltarei a essas questões num momento oportuno.