segunda-feira, 13 de junho de 2016

Protestos, crise política e ingerência estrangeira: Montenegro entre OTAN e Rússia

(Bandeiras de Montenegro e da OTAN)

Montenegro é um pequeno país localizado nos Bálcãs. Com 650 mil habitantes (equivalente a pouco menos da metade da população de Porto Alegre) tornou-se independente da união Sérvia-Montenegro em 2006 com apoio dos países ocidentais. Nos últimos meses o país foi sacudido por protestos, tensões políticas e ingerências da Rússia, tendo como pano de fundo a insatisfação com o governo que está no poder desde 1991 e a aceleração do processo de integração deste país à OTAN, aliança militar ocidental.

PROTESTOS, OTAN E INGERÊNCIA RUSSA

(Pancadaria nas manifestações em 17 de outubro de 2015.)

Os primeiros protestos em Montenegro começaram no dia 27 setembro de 2015 em Podgorica, a capital do país, com uma mobilização permanente na praça em frente ao parlamento nacional e nas ruas próximas. O movimento foi liderado pela Democratic Front (DF, Frente Democrática), uma aliança composta por partidos de oposição como New Serbian Democracy (NOVA), Democratic People´s Party (DNP) e Movement for Change (PzP)*, dentre outros partidos menores, facções, organizações civis e o clero da Igreja Ortodoxa Sérvia. O objetivo, segundo os organizadores, era a saída do primeiro ministro Mila Djukanovic, do Democratic Party of Socialists (DPS) e a formação de um governo interino que realizasse "pela primeira vez eleições livres e limpas". Denúncias de corrupção e alegação de fraudes eleitorais também estavam na pauta.

O governo montenegrino deu prazo para que a mobilização fosse dissolvida até 10 de outubro. O prazo não foi cumprido. Na manhã do dia 17, a polícia iniciou o desmanche do acampamento na praça, o que resultou em violência, mas a situação mais grave ocorreu horas mais tarde quando a polícia impediu uma marcha em direção ao parlamento. Além dos civis, a pancadaria que se seguiu deixou ferido o vice-presidente do parlamento (de oposição) e pelo menos outros três deputados, como o líder do DNP, e a prisão de dois deputados, dois jornalistas e assessores parlamentares. Os dois líderes da Frente Democrática, Nebojsa Medojevic (PzP) e Andrija Mandic (NOVA) teriam sido "brutalmente agredidos". Além de partidos de oposição, grupos civis e a Igreja Ortodoxa Sérvia em Montenegro também pediram investigação sobre a ação policial.

 A violência voltou às ruas uma semana depois, dia 24. A Frente Democrática patrocinou transporte gratuito para que manifestantes fossem até Podgorica, reunindo cinco mil pessoas num novo protesto (foto ao lado) pedindo novamente a saída de Djukanovic, um governo interino e novas eleições. Mas desta vez os manifestantes, que estavam próximos do parlamento, tentaram invadir o prédio, e novamente houve violentos confrontos com a polícia. Desta vez Andrija Mandic foi detido e houve quinze feridos.

Os protestos e a pancadaria que se seguiram nos dias 17 e 24 tiveram enorme repercussão na política montenegrina e também fora do país, e levantou a questão sobre os reais motivadores dos protestos, como o governo russo, e uma de suas agendas políticas, que seria impedir a adesão de Montenegro à OTAN. Desde então as divergências políticas internas sobre o apoio ou não ao governo e à entrada na aliança se acentuaram, e o pequeno país dos Bálcãs se viu em meio a um conflito entre o Ocidente e a Rússia.

Antes do protesto do dia 24, Djukanovic já havia dito publicamente que suspeitava que nacionalistas do movimento Grande Sérvia estariam por trás das manifestações, e que a oposição, que estaria recebendo apoio do Kremlin, queria derrubar o governo e cancelar a independência do país com o objetivo de impedir a expansão da OTAN nos Bálcãs. Já o vice-primeiro ministro Dusko Markovic foi mais longe: disse ter em mãos informações concretas sobre o financiamento dos protestos pela Rússia e da presença de nacionalistas sérvios. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia havia lamentado a violência contra os manifestantes, e comentou ainda que a entrada de Montenegro na OTAN aumentaria a instabilidade e a divisão entre seus habitantes. Branko Lukovak, ex-ministro das relações exteriores de Montenegro, respondeu acusando a Rússia de interferir abertamente na política montenegrina. Depois do episódio do dia 24, Moscou lançou uma declaração dizendo estar perplexo com a acusação de que estaria envolvido nos protestos e que isto não tinha qualquer fundamento. Mas desta vez a reação em Montenegro veio por nota oficial: o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a declaração russa era uma confirmação de que o país estaria envolvido nos protestos anti-OTAN, e que o lamento de Moscou pelo uso de "força excessiva" contra "protestos pacíficos" ignorava que os manifestantes usavam coquetéis molotov e haviam tentado invadir o parlamento.

Tanto Djukanovic e quanto seu vice Markovic consideraram as declarações russas como sinais muito claros do envolvimento de Moscou nos protestos. Segundo um especialista sérvio em política externa ouvido pela Rádio Europa Livre, as tensões políticas entre Montenegro e Rússia aumentaram depois que Djukanovic fez uma visita Washington, e que os protestos estouraram depois que secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, esteve em Podgorica. A referida visita à Washington ocorreu em abril de 2014. A visita havia sido criticada pela Rússia. O governo de Djukanovic respondeu dizendo que seu objetivo dizia respeito aos interesses nacionais de Montenegro, tratavam da integração à União Europeia e à OTAN, mas não era anti-Rússia, e reafirmava a cooperação e o respeito de longa data entre os dois países.

Enquanto isso os líderes da oposição ao governo deploraram a acusação de que eram apoiados pela Rússia, a Frente Democrática boicotou os encontros no parlamento e o Medojevic (PzP) foi à Bruxelas explicar as posições da oposição. Desde então os protestos perderam fôlego nas ruas e ganharam as galerias do parlamento, desta vez com menor número de manifestantes e sem episódios significativos de violência. Ao mesmo tempo as discussões a respeito do provável envolvimento russo nos protestos e as negociações entre Montenegro e OTAN ganharam força.

(Nebojsa Medojevic, líder do Movemente for Change (PzP) e um dos principais líderes da Frente Democrática)

Numa entrevista a um site de notícias de Kosovo, Nebojsa Medojevic disse que o primeiro-ministro Djukanovic tinha finalmente mostrado sua "face ditatorial". Ao ser questionado sobre o apoio da Rússia e a oposição à OTAN pela Frente Democrática, o líder respondeu o seu partido, PzP, líder da Frente, fazia parte do partido europeu Aliança de Reformistas e Conservadores Europeus que advoga a entrada de Montenegro na OTAN, e que o apoio da Rússia ao movimento era "mais do que ridículo". Ele disse ainda que a confusão foi criada deliberadamente por pessoas infiltradas entre os manifestantes para causar confronto com a polícia em frente ao parlamento, e que as câmeras no local haviam filmado tudo. Os manifestantes haviam alertados sobre pessoas mascaradas no meio da multidão. Segundo Medojevic, há vídeos que mostram hooligans com balaclavas deixando o prédio do partido do governo e que testemunhou a presença de torcedores de futebol já envolvidos em outros confrontos e que atuariam como agentes do regime.

Dois diplomatas ouvidos pela Rádio Europa Livre que fizeram carreira na região dos Bálcãs, Edward Joseph e Wolfgang Petritsch, deram posições distintas à respeito da ingerência da Rússia em Montenegro. Joseph destacou o erro da OTAN ao manter Montenegro continuamente fora da aliança dizendo que esta situação, que considera perigosa, dava oportunidade para que os russos intervissem e desestabilizassem o país. Uma razão pela qual Montenegro ainda não teria sido convidada para entrar na OTAN seria a penetração do serviço secreto russo no país. Já Petritsch afirmou que, apesar dos Bálcãs serem prioridade secundária para a Rússia e de que seria bom para Montenegro integrar a OTAN e também a UE, a principal causa da crise era o "comportamento disfuncional" de Podgorica, que seria provocativo especialmente num contexto de maior tensão entre russos e ocidentais com a crise na Ucrânia. Ele destacou ainda que Montenegro recebe grandes investimentos russos, e que é estranho que agora Podgorica acuse Moscou de intervenção. Ambos países sempre foram historicamente muito próximos, o que seria motivo de preocupação para Bruxelas, e a Rússia sempre foi contrária à entrada de qualquer país na OTAN.

MONTENEGRO E OTAN: UMA INTIMIDADE CRESCENTE

(O primeiro-ministro de Montenengro, Mila Djukanovic, e o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, num encontro oficial em Podgorica em 11 de junho de 2015.)

Os protestos e as consequentes acusações de que a Rússia estaria envolvida neles com o objetivo de instabilizar Montenegro e impedir sua entrada na OTAN ocorreu num momento de crescente aproximação e intensificação das negociações entre a aliança e Podgorica. Segundo o especialista sérvio em política externa citado anteriormente, os protestos explodiram depois que o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, visitou a capital montenegrina para tratar da adesão do país.

A visita de Stoltenberg à Podgorica ocorreu entre os dias 11 e 12 de junho de 2015. O objetivo do encontro com Djukanovic e membros do governo era avaliar o progresso das reformas internas de Montenegro com base no Plano de Ação de 2010 para entrar na OTAN. Os objetivos do Plano são centrar esforços principalmente nas reformas do setor de segurança, de inteligência, no Estado de Direito e no trabalho junto à opinião pública e intensificar os encontros entre líderes do governo e da aliança militar como forma de avaliar e acelerar as reformas necessárias. A intenção era concluir a entrada definitiva de Montenegro à OTAN em dezembro de 2015.

No encontro Stoltenberg e Djukanovic reafirmaram a necessidade de cumprir os objetivos do Plano de Ação para o ingresso em dezembro. O líder da OTAN também destacou a ajuda financeira e operacional de militares de Montenegro à aliança no Afeganistão. Disse que o país havia feito um "progresso real" em direção às reformas, à intensificação das conversações com a OTAN e da cooperação política com seus membros, mas destacou a necessidade de melhorar as reformas das leis do país e aumentar o apoio da opinião pública.

(Declaração pública em 12 de junho de 2015 onde Stoltenberg lamentou a morte de civis montenegrinos pela OTAN em 1999.)

Uma das novidades da visita ocorreu em 12 de junho, quando Jens Stoltenberg lamentou publicamente a morte de civis no bombardeio da OTAN à Montenegro, então parte da Sérvia, em 1999. Foi a primeira vez desde o evento que um líder da organização expressava lamento pelas mortes. As reações em Montenegro dividiram opiniões: partidos políticos, ONGs e apoiadores à adesão à OTAN receberam bem o que eles chamaram de "desculpas de Stoltenberg", justificando que era necessário que a população ouvisse este pedido. Por outro lado o Movimento Montenegrino pela Neutralidade disse que as palavras do secretário-geral eram apenas uma pequeno gesto para influenciar a opinião pública à respeito da entrada na aliança O principal argumento dos opositores à adesão é justamente o papel da organização na mortes de civis em 1999.

No dia 10 de agosto o parlamento de Montenegro colocou em pauta um projeto de resolução de apoio à entrada do país na OTAN. O projeto foi apoiado por 49 dos 81 deputados e seu objetivo fortalecer o apoio dos membros da casa à integração. A resolução, porém, não especificava como a adesão seria feita.

Jens Stoltenberg fez nova visita à Podgorica em 15 de outubro, dois dias antes dos confrontos nas ruas da cidade. As discussões centraram-se principalmente nas reformas das leis e no apoio da opinião pública. O secretário-geral destacou que as conversações com o governo de Djukanovic haviam sido "muito frutíferas", que o país havia feito grandes avanços nas reformar das leis, contribuía às missões da OTAN e da ONU e que era provável que em menos de dois meses os ministros das relações exteriores da aliança decidiriam sobre o convite à adesão. Para Djukanovic, Montenegro deveria ser um modelo de preparação à integração a ser seguido por outros países.

É importante notar que foi neste contexto de intensificação dos encontros entre Djukanovic e Stoltenberg, o avanço do Plano de Ação e a resolução apoiada pela maioria do parlamento que iniciaram as manifestações permanentes. Apesar do prazo para que a mobilização fosse encerrada até 10 de outubro, foi apenas no dia 17 que a policia entrou em ação e houve violência. Assim como para os manifestantes era importante mostrar suas insatisfações a Stoltenberg, para o governo não era bom que houvesse confusão logo antes do encontro do dia 15. A violência do dia 17 foi seguida pela já comentada manifestação e nova violência dia 24.

Até novembro de 2015 a opinião pública montenegrina encontrava-se dividida sobre a adesão à OTAN. Uma pesquisa encomendada por uma agência ocidental mostrou que 34,8% dos entrevistados consideravam a adesão o caminho correto para o país, ao passo que 34,7% consideravam o caminho errado. Os 30,4% restantes não tinham posição ou não sabiam responder à pergunta. Ou seja: o número de pessoas pró e contra a entrada de Montenegro era igual. Nos últimos meses houve a queda dos que apoiavam a adesão. A maioria (51%), porém, considerava que o país cedo ou tarde entraria na aliança. Com relação aos protestos, 27,6% os consideravam positivos e 47% negativos (destes 33,3% muito negativos), sendo que 53,5% disseram que eles não conseguiriam atingir seus objetivos contra apenas 15,0% que acreditavam que sim. Interessante notar que quando perguntadas sobre o impacto da OTAN para o país, a maioria das pessoas acreditava que a adesão poderia oferecer a Montenegro um melhor relacionamento principalmente com os EUA e a UE, o fortalecimento da paz, segurança, estabilidade e a proteção das fronteiras do país. O menor impacto seria a relação com a Rússia.

Percebe-se pela pesquisa de opinião que, sim, o apoio à entrada de Montenegro na OTAN é baixo e declinou nos últimos meses, porém estabilizou, e que sua oposição aumentou mas também estabilizou. Havia uma parcela da população (1/3) relativamente indiferente à questão. Ademais, a visão negativa dos protestos pela maioria deslegitimava a ação da oposição frente à entrada à OTAN, mas deslegitimava também as ações contra o governo de Podgorica. Ao contrário do que se observa no Brasil, a pesquisa mostrou que o governo é uma das instituições mais confiadas pela população. Ou seja: se o apoio e a oposição à entrada na OTAN eram equivalentes, havia muitas pessoas à parte da questão e principalmente uma descrença e uma visão negativa dos protestos. Na prática isto significava que o governo central tinha confiança (ou indiferença) de parte significativa da sociedade e que seu caminho para colocar em pauta uma agenda política pró-OTAN encontrava resistência basicamente entre os ativistas da oposição. A maior preocupação da população montenegrina não parecia ser a adesão à aliança ou a crise política, mas a questão socioeconômica: 61% dos entrevistados responderam ser favoráveis à integração do país na UE. 

(Stoltenberg e o ministro das relações exteriores de Montenegro, Igor Luksic, no encontro que oficializou o convite do país balcânico à organização. Bruxelas, 2 de dezembro de 2015.) 

Apesar dos protestos, do pouco apoio popular, da instabilidade política e da provável ingerência russa, Montenegro foi oficialmente convidada a entrar na OTAN em 2 de dezembro de 2015. Caso se torne membro nos próximos meses, esta será a primeira expansão da aliança desde que Albânia e Croácia aderiram em 2009.

Como o esperado, a Rússia reagiu com críticas. Sergei Lavrov, que já havia dito em setembro que as tentativas de expansão da OTAN era uma "provocação" e não ajudava em nada na estabilidade da região, disse que o convite à Montenegro era uma atitude "irresponsável". Já o senador russo Viktor Ozerov, chefe do comitê para defesa e segurança do Conselho da Federação Russa, disse que caso a adesão se confirme projetos da Rússia com o país balcânico seriam cortados, inclusive na área militar. Apesar do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, dizer que a expansão da OTAN não era direcionada à Rússia ou a qualquer outro país, os diplomatas da aliança disseram que o convite à Montenegro era uma clara mensagem de que Moscou não pode impedir a expansão da organização por não possuir poder de veto. O pano de fundo desta afirmativa estava na Guerra da Geórgia em 2008 quando, com apoio da Rússia, Ossétia do Sul e Abkházia se separaram de facto do país impedindo que os georgianos entrassem na OTAN. Uma cláusula da organização não permite que países com disputas territoriais integrem a aliança. O mesmo ocorreu com a Ucrânia sobre a anexação da Crimeia pelos russos e a guerra no leste do país.

Podgorica mostrou-se pouco preocupada e disse que o convite não seria capaz de pôr em risco suas relações com Moscou, já que Montenegro possui poucos projetos e investimentos russos. A alguns especialistas também acreditam que é pouco provável que os russos tomem medidas drásticas contra o país balcânico. Jens Stoltenberg deu a entender que Montenegro poderia tornar-se oficialmente membro da OTAN no próximo encontro dos seus líderes prevista para acontecer em julho deste ano em Varsóvia, na Polônia.

A OPOSIÇÃO VAI AO KREMLIN

Poucas semanas após o fim dos protestos de rua em 24 de outubro, a oposição montenegrina boicotou os encontros no parlamento e começou a traçar publicamente planos e estratégias com membros do Kremlin com o objetivo de barrar o ingresso do país na OTAN e planeja uma nova política para o país.

(Milan Knezevic, leader of the Democratic People´s Party, DNP)

Milan Knezevic, deputado e líder do DNP, segundo maior partido de Montenegro e que integra a Frente Democrática, recebeu um convite do ministro russo Sergei Lavrov para participar de um fórum em comemoração aos cem anos da Agência Russa para Cooperação Internacional, realizado entre os dias 25 e 27 de novembro de 2015. Ele foi o único membro do parlamento de Montenegro a ser convidado. Uma semana antes Knezevic declarou que sua intenção no fórum era destacar o histórico laço de amizade entre russos e montenegrinos, que estes últimos veem a Rússia como um grande aliado e protetor, que a população não aprova as sanções impostas ao país pela União Europeia (numa referência à crise na Ucrânia), e que a Rússia é um importante ator geopolítico global capaz de enfrentar os desafios do mundo de hoje. O ideal para Montenegro seria uma neutralidade militar, ou seja, um não comprometimento com a OTAN, e que tanto o fortalecimento dos laços sociais e econômicos com a Rússia e a UE eram importantes.

(Dmitry Rogozin, vice-presidente russo líder do partido ultranacionalista Rodina e aliado de Putin. Agora sob sanção de Montenegro e da UE.) 

Knezevic voltou novamente à Moscou em 30 de janeiro de 2016, desta vez com seu colega de partido, Petrag Bulatovic, à convite do vice-presidente e assessor de Putin, Dmitry Rogozin. Rogozin é fundador e financiador do Rodina, partido aliado ao Rússia Unida do presidente russo, e considerado extremamente nacionalista (um exemplo do radicalismo do partido ocorreu em setembro de 2004 quando o ideólogo Alexander Dugin, então seu colaborador, afastou-se do partido por considera-lo excessivamente nacionalista, composto por "chauvinistas de extrema-direita" (sic) e muito próximo do Partido Comunista). O objetivo da visita era a assinatura de um memorando onde o DNP e o Rodina se comprometiam em compartilhar posições a respeito do clima político dos Bálcãs e receber apoio dos colegas russos para a neutralidade militar de Montenegro. Mas desta vez Knezevic foi mais longe: propôs uma aliança de países neutros que incluiriam ainda Sérvia, Macedônia e Bósnia-Herzegovina. A proposta recebeu apoio do líder do Serbian Peoples´ Party (SPP) Nenad Popovic. Andrija Mandic (NOVA) também estava em Moscou acompanhando os colegas da oposição.

Outra proposta que reforçava a ideia de neutralidade era fazer de Montenegro a "Suíça dos Bálcãs". Esta ideia foi lançada pelo vice-presidente da Duma, Sergei Zheleznyak na presença de Knezevic, Bulatovic e Mandic. O embaixador da Eslovênia na OTAN, Jelko Kacin, disse que o encontro dos três líderes opositores com membros da Duma era uma interferência na política montenegrina, e que esta atitude era um comportamento típico de política externa russa. Zheleznyak está sob sanção da EU por seu envolvimento na anexação da Crimeia pela Rússia.


(Sergey Naryshkin (direita), recebendo Knezevic (centro), e Andrija Mandic, líder do NOVA (esquerda) em Moscou em 1º de fevereiro de 2016.)

Outro líder russo que recebeu os membros da DF foi Sergey Naryshkin, presidente da Duma e que também está sob sanção da UE pela questão da Crimeia. Naryshkin é presidente do conselho de diretores da TV russa Channel One, onde Andrija Mandic concedeu um entrevista defendendo a pauta da oposição. Noutro momento Mandic também declarou que assim que a oposição chegasse ao poder levantaria as sanções econômicas que Montenegro impôs à Rússia ao longo de 2014 e revalorizaria os laços com o país construído por governos anteriores. Naryshkin criticou as sanções dizendo que eram ilegais e causavam graves danos às relações entre os dois países.

A conclusão dos encontros dos líderes da DF com membros da Duma em Moscou foi a reafirmação da posição contrária à expansão da OTAN nos Bálcãs, a neutralidade militar de Montenegro e a necessidade de realizar um referendo popular para decidir sobre a entrada ou não do país na aliança.

A reação em Montenegro à viagem dos líderes da Frente Democrática foi de contestação, mas de pouca preocupação. O principal questionamento era se seria aceitável que políticos do país discutissem questões internas com estrangeiros ao mesmo tempo em que boicotavam o próprio parlamento.  Mas o governo montenegrino deu pouca importância sobre os possíveis efeitos do encontro. Um representante do partido do governo, o DPS, disse que os oposicionistas não têm apoio da população e que portanto a viagem à Rússia não teria maiores impactos na política do país. O diretor do Serviço Russo da Rádio Europa Livre reforçou a posição do governo dizendo que a visita não tem peso político, mas que serve de propaganda para Moscou e faz parte da tentativa do governo russo de criar uma sistema de alianças políticas pela Europa.

Apesar da aparente despreocupação, Montenegro adotou sanções contra cinquenta empresários e políticos russos no dia 11 de fevereiro de 2016. Um deles foi justamente Dmitri Rogozyn, que havia sido convidado por Knezevic a visitar Montenegro depois que os líderes da DF estiveram em Moscou. Segundo Ministério do Exterior, o convite foi feito sem consulta ao governo. Ademais, Rogozyn é conhecido por suas atitudes pouco amigáveis como sua declaração, em dezembro de 2015, de que Montenegro se arrependeria de entrar no OTAN, e sua visita à Sérvia em janeiro seguinte onde se encontrou com Vojislav Seselj, fundador e líder do Partido Radical Sérvio (PRS), quando ainda estava detido e sob julgamento pelo Tribunal Internacional para a antiga Iugoslávia por crimes contra a humanidade. Seselj foi absolvido dois meses depois e voltou à cena política.

A visita de Rogozyn à Sérvia e a figura de Seselj são relevantes para a política de Montenegro. Um dos grupos que participaram das manifestações e integra a DF é o Serbian Oath Keepers, dissidência montenegrina do PRS de Seselj, cuja atuação no país existe desde os anos 90 sob o nome oficial de Party of Serbian Radicals (PSR). O líder do grupo, Robert Zizic, disse que Seselj abandou a luta dos direitos dos sérvios em Montenegro, voltou-se às questões socioeconômicas, passou a cooperar com partidos e organizações que apoiam a integração do país à OTAN. A proposta do novo grupo é resgatar o nacionalismo sérvio, realizar campanhas contra a integração do país à OTAN e à UE e estreitar laços com Belgrado e Moscou com base nos valores históricos e culturais comuns. O principal ponto de apoio do Serbian Oath Keppers na Sérvia é o Serbian Zavetnici, dissidência do PRS no país vizinho liderado por Stefan Stamenskovski.

CRISE POLÍTICA FAVORÁVEL À RÚSSIA E NOVOS PASSOS EM DIREÇÃO À OTAN

(Djukanovic fala ao parlamento na crise política de janeiro de 2016: boicote da oposição e assentos vazios.)

Três dias antes da viagem dos líderes do DF à Moscou no dia 30 de janeiro, uma crise política abalou o governo de Montenegro: foi dissolvida a aliança que governava o país, composta entre o partido do governo, Democratic Party of Socialists (DPS), liderado por Djukanovic, e o Social Democrats Party (SDP), liderado por Ranko Krivokapic. O rompimento aconteceu depois de três dias de calorosos debates no parlamento que se encerrou com a votação de uma moção de não confiança ao primeiro-ministro. Djukanovic venceu por margem muito apertada, recebendo 42 dos 81 votos, e sua vitória ocorreu graças aos votos do menor partido de oposição representado na casa, o Positive Montenegro (PM) liderado por Darko Pajovic, que nos últimos anos tem se aproximado do governo.

Esta votação havia sido convocada pelo próprio Djukanovic em 19 de dezembro de 2015 devido ao agravamento da crise política no país. Há dois anos o SDP vem reclamando da falta de ação do primeiro-ministro na reforma do judiciário e pela maior liberdade de imprensa. Durante os debates, membros do DPS e do SDP acusaram-se uns aos outros pela crise política, pelo rompimento da aliança e das alegadas fraudes eleitorais, uma das bandeiras da oposição. Corrupção, compra de votos contra a independência de Montenegro, a venda de terras da região costeira para os russos e a aliança com o já falecido Slobodan Milosevic nos ano 90, condenado por crimes de guerra e chamado na imprensa ocidental de "carniceiro dos Bálcãs" por suas ações da Guerra da Iugoslávia (1992-1995), foram outros temas de discussão. Djukanovic e Krivokapic, então presidente do parlamento, também trocaram acusações. No dia da votação, centenas de pessoas lideradas pela Frente Democrática realizaram uma manifestação em frente ao parlamento pedindo a saída do primeiro-ministro.

(Djukanovic e o então presidente do parlamento e líder do Social Democrats Party, Ranko Krivokapic.)
Em 19 de fevereiro a crise teve um novo capítulo: governo e oposição não chegaram a um acordo sobre a realização de eleições "livres e justas". O principal ponto de divergência era sobre o controle do canal de TV público RCTG. A oposição acusava o diretor e o editorial do programa de notícias de serem parciais. Outro ponto era o comando da Agência Nacional de Segurança, cujo cargo de diretor-chefe era demandado pelos oposicionistas. No dia 27 o governo de Djukanovic havia acertado com o parlamento a demissão de Krivokapic da função de presidente para o dia seguinte. Em seu lugar entrou Darko Pajovic, eleito sob boicote da oposição. Desta forma encerrava-se definitivamente a aliança entre o DPS e o SPD.

(Manifestações da Frente Democrática em Podgorica em 27 de fevereiro de 2016.)

A nova crise criada pelo episódio do dia 19 fez a Frente Democrática convocar novas manifestações pela saída de Djukanovic no dia 27. Enquanto a massa estava nas ruas, o governo acertava a demissão de Krivokapic. As demandas incluíam as questionadas pela oposição no parlamento como eleições "livres e justas", o controle da TV pública e da agência de segurança. Algumas fontes locais afirmaram que manifestantes participariam do protesto vestindo camisetas com o rosto de Vladimir Putin. Durante as manifestações o que se via eram bandeiras de Montenegro e da Sérvia. Adrija Mandic (NOVA), que havia chegado da Rússia poucas horas antes, discursou à multidão dizendo que não haveria qualquer negociação com Djukanovic. Outros três partidos de oposição também foram criticados por não participarem das manifestações.

Em 15 de março foi a fez da direita nacionalista sérvia do Serbian Oath Keepers lançar uma campanha por manifestações anti-OTAN em Montenegro.

Apesar das novas manifestações centrarem-se aparentemente apenas em questões políticas internas elas deram continuidade à agenda das manifestações em setembro e outubro do ano passado, que demandavam também a não adesão de Montenegro à OTAN. Os primeiros protestos aumentaram as tensões no governo e levaram ao pedido de moção de não confiança a Djukanovic. Caso o primeiro-ministro tivesse perdido a votação em janeiro, haveria a escolha de um novo líder, e isto colocaria em risco o processo de integração à aliança militar.

Outro fator relevante é o paralelo entre o agravamento da crise e a intensificação dos contatos dos líderes da Frente Democrática com figuras importantes do governo russo. O pedido de moção de não confiança do primeiro-ministro ocorreu três semanas após à viagem de Knezevic (DNP) a um fórum em Moscou, seguido por uma nova viagem desta vez acompanhado de seu colega Bulatovic (NDP) e Mandic (NOVA). Esta nova viagem ocorreu três dias depois da votação de moção, e que inaugurou o rompimento da coalização governista então formada pelo DPS e o SDP. Por fim, a manifestações de rua, liderados pela Frente Democrática, voltaram com um pouco mais de força quando governo e oposição não entraram num acordo sobre eleições "livres e justas" e o controle da TV pública e do serviço secreto, tendo sido este último denunciado pela OTAN de estar infiltrado de agentes russos, fator que adiou o processo de integração do país à aliança. A pergunta que fica é: até que ponto o Kremlin está conseguindo penetrar e influenciar a política de Montenegro através da cooptação de aliados? Não tenho esta resposta, mas é evidente que a evolução destes acontecimentos favorecem a Rússia, e que uma das chaves é a relação da Frente Democrática com o Kremlin num contexto de crise política em Montenegro.

(Ministros das relações exteriores dos países membros da OTAN no da assinatura do Protocolo de Adesão de Montenegro, em Bruxelas. Djukanovic e Stoltenberg estão ao centro da foto.)

Por outro lado o processo de integração à OTAN não parou. Com aval dos ministros das relações exteriores dos países membros e a assinatura do Protocolo de Adesão, em 19 de maio Montenegro foi oficialmente convidado à participar da organização como "convidado" , isto é, um observador. Assim o país passou a ter uma cadeira própria para acompanhar os encontros oficiais. Segundo avaliou um especialista em segurança citado pela reportagem do The Atlantic, isto causará "profunda consequências políticas", já que a integração de Montenegro abre mais um capítulo na evolução política dos Bálcãs, traumatizados pelas guerras dos anos 90. A integração também vem num "tempo oportuno" de dificuldades políticas na Europa, a crise dos refugiados e a crise na Ucrânia.

No dia da assinatura do Protocolo, uma recente pesquisa comentada no Balkan Insight mostrou que os montenegrinos estavam divididos em relação à entrada do país na OTAN, sendo 45% a favor da medida. Por outro lado, um levantamento feito pelo DNP de Knezevic mostrou que 61% dos habitantes eram a favor de um referendo sobre a questão. O líder do partido comentou novamente que a maioria da população era contrária à integração.

Desde o rompimento entre o DPS e o SPD Djukanovic passou a governar com maiores dificuldades. A oposição recusou-se a participar o novo gabinete do governo composto após a ruptura e boicotou até mesmo a sessão parlamentar de aniversário dos dez anos de independência de Montenegro dirigida por Pajovic e comemorada em 3 de junho.

No período das comemorações foram divulgados na imprensa dados a respeito da posição da população sobre a independência. Uma pesquisa destacada por Knezevic afirmou que 50% do país era favorável à sua independência e 30,9% contrários; Djukanovic comentou sobre número gerais, dizendo que em torno de 60% da população seria favorável a situação de independência do país e 40% contrário. Na vizinha Sérvia uma pesquisa realizada em maio mostrou que apenas 20% da população estava interessada em reestabelecer a união com Montenegro. Apesar da sociedade não estar tão ativa quanto nas questões políticas e a maioria ser favorável à manutenção da independência ela ainda encontra-se socialmente dividida, principalmente se levado em consideração a posição da considerável minoria sérvia que compõe em torno de 30% da população.


(Mapa da composição étnica de Montenegro mostrando o grupo predominante por município: vermelho = montenegrinos; azul = sérvios; demais cores = grupos minoritários.) 

Com o processo de integração à OTAN em andamento, uma grave crise política não resolvida e uma população socialmente dividida (ainda que não muito ativa politicamente) Montenegro chega à metade de 2016 com muitas coisas a resolver. Uma das perguntas que podemos fazer é: será a Rússia capaz de reverter a adesão à OTAN e atrair Montenegro à sua esfera de influência através da oposição?

Esta seria uma tarefa difícil. Djukanovic, no poder desde 1991, está decidido a estreitar relações com o Ocidente. Uma prova disto está na Constituição do país, adotada 17 de outubro de 2007 quando já era governante, onde o preâmbulo diz explicitamente que o país se dedicará a cooperar com outros países e promover "as integrações europeia e euro-atlânticas" e destaca que suas relações exteriores devem ser "baseadas nos princípios e nas regras da lei internacional" de forma a facilitar seu acesso às organizações internacionais. Desta forma, cabe ao parlamento "decidir a forma de acesso à União Europeia".

A Estratégia de Segurança Nacional é mais direta em relação à OTAN e à UE:

"A estratégia confirma o compromisso de Montenegro em tomar todas as ações necessárias bem como alcançar as condições para sua integração nas estruturas de segurança internacional euro-atlânticas e outras. Neste contexto, o objetivo estratégico de Montenegro é se tornar membro pleno da OTAN e da UE o quanto antes."

(Manifestação pró-Putin durante a visita do presidente russo à Belgrado, Sérvia, em 16 de agosto de 2014: aliados políticos na região dos Bálcãs)

Este movimento de Montenegro entra em choque com as novas ações da políticas externa russa. Desde meados de 2006-07 a Rússia tem tomado atitudes mais assertivas de contestação do "mundo unipolar" lidera pelos EUA e tentado fortalecer sua liderança em sua esfera de influência. Para isso ela criou e fortaleceu instituições, meios de comunicação e redes de contatos pelo mundo, principalmente na Europa, numa espécie de globalização alternativa (ver também aqui). Desde 2014, com a crise na Ucrânia e a anexação da Crimeia, o país passou para o que dois analistas chamaram de "confrontação aberta com a ordem internacional". Para eles a chamada "Doutrina Putin" advoga um excepcionalismo russo, uma posição de afirmação da Rússia na ordem mundial. O principal ponto de confrontação estaria entre "mundo russo" e o Ocidente enfatizando seus valores e princípios civilizacionais. Neste contexto os Bálcãs ganham destaque pelos lações históricos dos russos com os sérvios e montenegrinos, além de seus vizinhos gregos, romenos e búlgaros, todos eles com populações majoritariamente ortodoxas.

Montenegro, por seu pequeno tamanho e população, fica à mercê da forte influência russa na região através de questões como fontes de energia (com a expansão da rede de gasodutos e oleodutos concorrente aos projetos ocidentais), laços econômicos, alianças políticas, esforços diplomáticos, presença militar (foi negada a instalação de uma base militar russa no seu litoral) e ativismo cultural-religioso. Os investimentos russos no país, a recepção de uma grande quantidade de turistas russos, a grande minoria sérvia e as críticas de alguns analistas sobre a mudança recente do rumo da política externa mostram que a até pouco tempo Podgorica tinha uma relação mais íntima com Moscou. Está claro, portanto, que Djukanovic alterou a política externa do país e agora está tentando pular fora da esfera de influência da Rússia.

As alianças políticas com sérvios, búlgaros, bósnios e gregos; os investimentos, os laços diplomáticos e as redes de energia que correm através de Grécia, Bulgária e Croácia; a maior presença militar no Mar Negro (em especial depois da anexação da Crimeia); e as igrejas ortodoxas nacionais (principalmente da Sérvia) são fatores que podem influenciar a política montenegrina. Apesar de 32% dos investimentos em Montenegro serem de origem russa, este elemento não parece estar em jogo, e a Igreja Ortodoxa do país, que poderia servir de instrumento para mobilização popular, tem baixo nível de confiança em comparação com a Igreja Ortodoxa Sérvia (29,0% e 48,4%, respectivamente). Portanto, o maior desafio de Montenegro está na sua política interna com uma oposição aliada do Kremlin. Este é o único trunfo que Moscou pode utilizar sem afetar diretamente os países vizinhos. A pressa com que Montenegro insere-se na OTAN e na União Europeia e a capacidade da Frente Democrática em virar o jogo, seja com protestos de rua ou pressão parlamentar, serão determinantes para o futuro próximo do país.

* escolhi manter o nome dos partidos conforme as fontes consultadas em inglês; traduções para o português variam conforme a fonte. 

domingo, 12 de junho de 2016

Oligarchs, ideologists and extremists: the penetration of Russia into Europe*

(International Eurasianist Movement symbol)

In that i´m going searching the characters of Russian action in Europe i´m discovering the existence of a network composed of the following elements: 

1 - Russian oligarchs, responsible for financing and promoting meetings and discussion groups among stakeholders;
2 - Russian ideologists, responsible for promoting pro-Russia ideologies in order to attract neighboring countries to it´s sphere of influence;
3 - Europeans politicians of the following trends: a) extreme right-wing, b) fascists, c) extreme left-wing. They all have in common a critical opinion about European Union (eurocepticism), US role in the world and Europe, liberal capitalism and, in general, cultural agenda of release of customs (gay marriage, abortion, minorities policies, etc), except for the extreme left. Lastly, they nourish sympathy for Russia and the country´s leadership personified by Putin.
4 - political activists of nazifascist, communist, nationalist and racialist character; responsable for acting inside Russia and establish contact with other European movements and groups on wich are inspired.

Groups 1, 2 and 4 are formed by people direct or indirectly linked to Kremlin, in a relation, in my opinion, of symbiosis with Russian government. That is, there would be no full government control over these groups, and these groups don´t exert influence in order to directly control the government of Moscow.

(Alexander Dugin)

The highlight within these actors is the International Eurasian Movement, created and led by Alexander Dugin, the Russian intelectual currently most influential. Dugin, as he has said, doesn´t claim to act directly on policy but lead it behind the scenes advising, monitoring, guinding, publishing books and articles and disseminating ideas through meetings and contacts inside and outside Russia.

The example of existing contacts in this network, penetration and the emergence of the extremist movements in Russia have origin and inspiration in European ideologies and political movements. Therefore, Russia imports these elements from Europe and then turn to (and against) it in order to absorb it to it´s sphere of influence.

 In following weeks i will detail everything about this network in this blog.

*published in Portuguese on June 26th 2015.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Marine Le Pen, Brexit e o "caso Lisa": o que a Rússia pode perder com os últimos eventos na Europa

(Marine Le Pen, presidente do Front Nacional francês: campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia. Bom para a Rússia.)

Nos últimos dias de abril e neste início de maio de 2016, a líder do partido fascista Front National, Marine Le Pen, esteve no Reino Unido para fazer campanha pela saída deste país da União Europeia. No próximo 23 de junho os britânicos irão às urnas num referendo para decidir pela permanência ou saída do Reino do bloco. A campanha pela saída é chamada de Brexit, uma fusão das palavras "Britain" ([Grã] Bretanha) e "exit" (saída).

A pergunta que fica é: por que Marine Le Pen foi fazer campanha num outro país? Segundo a reportagem, críticos afirmam que a atuação de Le Pen é para consumo interno. Seu partido é notório crítico da União Europeia, bem como da imigração (principalmente muçulmana) e da perda de soberania da França para o bloco. A expectativa de Le Pen é que com a saída do Reino Unido haveria uma reação em cadeia que levaria à saída de outro países, levando à dissolução do bloco. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando os países europeus organizaram referendos populares para aprovar uma nova constituição da União Europeia, que requeria unanimidade para sua aplicação. Depois da vitória do "não" na França, Holanda e Irlanda seguiram o mesmo caminho, e a constituição não foi aprovada.

Aqui o importante é ressaltar a intimidade entre o Front National e o Kremlin. Como já comentei neste blog com base num artigo da professora Marlene Laruelle, o governo russo tem criado e expandido organizações culturais, políticas, de mídia, etc, a fim de estabelecer contatos e alianças  com grupos de extrema-direita, fascistas e de extrema-esquerda na Europa. A finalidade é torná-los palatáveis ao público europeu e patrocinar sua chegada ao poder. Tais grupos, além de serem críticos quanto à forma de organização da União Europeia, são aliados ou simpáticos a Moscou. Estando no poder estes grupos tratariam de aproximar os europeus da órbita russa distanciando-os dos Estados Unidos. Um exemplo é a já comentada coalização Syriza, na Grécia, de extrema-esquerda, numa aliança com os Gregos Independentes, de extrema-direita (mais detalhes aqui).

Laruelle cita o Front Nacional de Marine Le Pen como o principal exemplo desta proximidade. Incapaz de atrair os conservadores tradicionais europeus, o Kremlin aposta nos extremistas. Le Pen é conhecida, entre outras coisas, pela intimidade pessoal com Vladimir Putin e por ser crítica das ações do Ocidente contra a Rússia na esteira da crise na Ucrânia. Recentemente o tesoureiro de seu partido anunciou que pretende conseguir financiamento de 27 milhões de euros dos russos para a campanha das eleições parlamentares de 2017. A alegação é de que os bancos franceses se negam a dar empréstimos ao partido. Já os críticos dizem que é justamente o apoio de Le Pen à Rússia na questão ucraniana a causa do financiamento. Importante notar que a crítica à política ocidental com relação à crise na Ucrânia é recorrente entre os políticos simpáticos à Moscou.

(Fotografia de Putin pintada como uma figura ameaçadora por detrás da bandeira da União Europeia em Praga, República Tcheca, em 8 de março de 2014, logo após a anexação da Crimeia pela Rússia.)

É de interesse do Kremlin que o Reino Unido saia da União Europeia atingindo dois objetivos de uma só vez: primeiro porque Londres tem relações ruins com Moscou e é um tradicional aliado de Washington; segundo porque isto enfraqueceria a União Europeia, tirando um adversário político ao mesmo tempo em que tornaria o bloco mais suscetível à influência russa. Assim como os meios de comunicação russos no Reino Unido, Marine Le Pen é uma porta-voz evidente, mas útil ao Brexit.

Outro acontecimento de significado da ação da Rússia na Europa é o efeito negativo do "caso Lisa". Um artigo da revista The Economist aponta o escândalo criado em torno deste falso caso como evidência da interferência do Kremlin dentro da Alemanha, e uma tentativa de atingir a autoridade da chanceler Angela Merkel.

(Protesto do Pegida em frente à Chancelaria da Alemanha na esteiro do "caso Lisa". Na camiseta se lê: "Alemanha em perigo".)

O caso Lisa ocorreu em 11 de janeiro deste ano. Lisa era uma garota de 13 anos de uma família de imigrantes russos. Ela teria sido estuprada por trinta homens de aparência de imigrantes do sul (África/Oriente Médio). O caso foi noticiado pela emissora de língua russa na Alemanha, Channel One, e causou protestos e imigrantes de língua russa em todo o país. O problema é que a polícia alemã não confirmou o caso, pelo contrário: afirmou que Lisa tinha sido sequestrada, mas que o assédio sexual não foi estupro, e sim abuso, e que seu corpo não tinha sinais de um ato forçado. O caso não era tão grave quanto noticiava o Channel One. O problema é que o canal continuou a falar em estupro, e um advogado alemão denunciou à polícia o jornalista que fazia a cobertura do caso por incitação à violência.


(Protesto anti-imigração em Dresden, Alemanha, em novembro de 2015. Bandeira da Rússia - esta com o emblema imperial - são comuns nos protestos da organização e mostram simpatia pelo país.)

A grande repercussão do caso provocou protestos organizados por grupos anti-imigração, principalmente o Pegida, e imigrantes russos. O perfil do Pegida é similar aos grupos e partidos pró-Rússia, como o Alternativa para a Alemanha. É comum nos protestos do grupo haver bandeiras russas. O ministro das relações exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, acusou as autoridades alemãs de acobertarem o caso. Ficou evidente no discurso de Lavrov o princípio de proteção dos habitantes de língua russa além-fronteiras, evocado, por exemplo, na anexação da Crimeia em fevereiro de 2014 sob a alegação de violência contra russos na região. Merkel, o ministro das relações exteriores Frank-Walter Steinmeier e o membro do Comitê de Relações Internacionais do governo Norbert Roettgen acusaram Moscou de propaganda, intromissão e manipulação do caso Lisa e da política interna da Alemanha. Segundo um entrevistado para um artigo da revista The Economist, a Rússia foi "longe demais" e perdeu apoio de grande parte de seu establishment, inclusive da centro-esquerda.

O artigo diz ainda que Putin está explorando as fraquezas da Alemanha. Não foi coincidência que o caso Lisa apareceu no dia 11 de janeiro, poucos depois de uma série de ataques sexuais no país durante o Ano Novo, principalmente na cidade de Colônia, onde um grupo de aproximadamente mil homens de aparência árabe ou norte-africana assediou várias mulheres, inclusive com um estupro. A repercussão do caso Lisa inflamou ainda mais o sentimento anti-imigração, que cresceu depois que o país receber 1,1 milhão de refugiados, principalmente da Síria.

(Maior parte dos britânicos é favorável à permanência na UE. O referendo será dia 23 de junho.)

Não é surpresa para a jornalistas e acadêmicos a influência de pessoas vinculadas ao Kremlin na política europeia. Mas estes dois acontecimentos jogam contra os russos: primeiro porque o caso Lisa da Alemanha deixou mais explícita a tentativa de Moscou de interferir na política do país, arranhou sua imagem e tornou mais evidente sua estratégia de usar a crise dos refugiados com o objetivo de inflamar o ativismo de seus aliados no campo da extrema-direita e dos nacionalistas. Segundo porque ao apoiar o Front National o Kremlin torna mais evidente sua estratégia de enfraquecer a União Europeia, já que Marine Le Pen está fazendo campanha aberta contra o bloco num país estrangeiro. Ademais, segundo a última atualização no site do Financial Times, de 26 de abril, a maioria da opinião pública britânica é a favor da permanência do Reino no bloco. São 47% contra 41%.

Em princípio uma Europa unida é melhor para conter as pretensões russas no continente do que uma Europa fragmentada. Moscou não tem capacidade de enfrentar os europeus no campo da política e da economia, principalmente com um país cujo PIB deve ter retração de 1% neste ano depois de retrair 3% no ano passado. Por isso o Kremlin aposta num jogo dialético: fomenta a tensão social ao mesmo tempo em que oferece a "solução" com partidos e grupos extremistas. É a tática de dividir para conquistar.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Concorrência ao gás russo vem do outro lado da Europa

(Navio da empresa americana Cheniere com tanques de gás natural liquefeito chegando ao porto de Sines, Portugal, dia 26 de abril. )

A revista bimensal New Eastern Europe, especializada em assuntos políticos, econômicos e sociais da Europa Central e Oriental, publicou um breve artigo sobre o fim do quase-monopólio da empresa russa Gazprom sobre o gás vendido à Europa. Segundo o texto, o aumento da produção de gás natural pelos Estado Unidos está estimulando a exportação do produto em forma líquida para a Europa Ocidental. O país já é o maior produtor de gás natural do mundo, ultrapassando a Rússia.

O evento que marcou esta empreitada norte-americana foi a chegada do primeiro carregamento de gás natural liquefeito ao porto de Sines, em Portugal, no dia 26 de abril passado. O navio pertence à empresa Chemiere, que pela primeira vez vende o produto à Europa depois de atender Brasil, Argentina e Índia.

Segundo o artigo da New Eastern a presidência da Gazprom recebeu com relativa indiferença a entrada do gás natural liquefeito na Europa por parte dos americanos, e anunciou que baixará o preço para a venda do gás natural para o continente numa clara tentativa de combater a nova concorrência. Mas se a Rússia, que vende 1/3 de todo o gás natural consumido pela Europa (ver pág. 35-38) tendo o monopólio da venda em alguns países de sua porção oriental, por que ela deveria temer a entrada dos EUA que está vendendo o gás em forma líquida, mais caro do que o russo? E por que o artigo aqui discutido está se apressando em falar do fim do quase-monopólio da Gazprom sobre a Europa?

(Preço do gás natural liquefeito: vendido à Ásia em vermelho; vendido à Europa em azul. Do início de 2014 até agora, a diferença de lucro na venda para os dois continentes é pequena.) 

A questão não é a situação atual, mas a perspectiva do mercado mundial de gás natural num futuro próximo. Segundo a New Eastern, dezenove países do mundo já são exportadores mundiais de gás natural liquefeito, o número de exportadores aumentará, o mercado continua em expansão e a tecnologia para a conversão e transporte do gás em forma líquida está barateando. Ademais, com a desaceleração da economia asiática, principalmente a China, e o aumento da produção americana o preço do produto está caindo em todo o planeta.

Isto trás duas consequências diretas para o mercado do gás: diminui a receita da Gazprom e a demanda do produto na Ásia, tornando a Europa mais atrativa para as exportações dos EUA. A previsão é de que 55% de todo o gás natural produzido pelos EUA seja destinado à Europa. Do lado europeu, a previsão é de que o continente aumente ainda mais a demanda pelo gás: em 2013, 65% do gás natural consumido pela União Europeia era importado. Este número deve subir para 77% em 2025. Mesmo que o aumento da demanda signifique a expansão do mercado tanto para os EUA como para a Rússia, o forte investimento americano na produção e no transporte do produto provocará um aumento da concorrência entre os dois países.

(Gasodutos para a Europa: projeto da Gazprom no pontilhado preto; projeto ocidental no pontilhado azul claro. Agora a concorrência amplia-se para o outro lado do continente europeu.)

Isto pode mudar a geopolítica energética da Europa num curto prazo, talvez mesmo de toda a Eurásia, já que a Rússia também abastece o mercado asiático e terá de reconsiderar sua estratégia de venda para outros países num contexto de queda no preço do produto e de busca por novos mercados.

O mais importante, porém, será a diminuição da capacidade da Rússia de usar o gás como arma política contra a Europa. A nova geopolítica terá impacto nos projetos já comentados neste blog, de gasodutos que interligam Rússia e Europa e de gasodutos conduzidos pelos países do Ocidente com a finalidade de competir com o gás russo extraindo o produto do Mar Cáspio pelo Cáucaso. A disputa, portanto, terá como consequência uma maior queda do preço do produto, o aumento das dificuldades econômicas da Rússia e menores investimentos nesta corrida vinda do leste. É um exagero falar no fim do monopólio da Gazprom sobre a venda do gás à Europa como um todo, mesmo porque a Rússia concede apenas 1/3 do gás consumido por todo o continente, sendo o restante vindo principalmente do Oriente Médio, Argélia e Noruega. O monopólio ameaçado está na parte oriental do continente. O que deve ocorrer, isto sim, é a ampliação da geopolítica energética e a oscilação de seu pêndulo para o Oceano Atlântico e a consequente diminuição da capacidade russa de influenciar a política europeia através da manipulação de preços e da oferta de gás, como ocorreu em 2006 e 2009 nas disputas envolvendo a Ucrânia. A nova preocupação da Rússia está do outro lado da Europa.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Mártires, heróis e outros não tão santos: a construção da nova identidade russa

(Cidade de Kaluga, Rússia)

A antropóloga e professora da Nova Universidade Búlgara, Milena Benovska-Sabkova, realizou um trabalho a respeito da política de memória implementada na Rússia no contexto de reavivamento religioso. Sua atividade teve como referência a cidade de Kaluga, com 350 mil habitantes a 150 km a sudoeste de Moscou, e foi publicado em diversas revistas acadêmicas (aqui - pág. 95-98, aqui e, o mais completo, aqui).

Com o fim da União Soviética, iniciou-se uma série de atividades de pesquisa com a finalidade de reconstituir e reconstruir as comunidades religiosas, igrejas e monastérios destruídos na Rússia. Muito deste trabalho foi realizado pelos chamados kraevedenie, pesquisadores especializados em história local como herança cultural, biografias e origem das famílias. Tal tipo de pesquisador surgiu ainda no tempo da União Soviética e atualmente possui um status semi-oficial, atuando de forma independente e também junto a centros de pesquisas, escolas, igrejas e autoridades locais. Dentro deste ramo estão os kraevedenie de igreja, que realizam o mesmo trabalho, mas voltado especificamente às questões de ordem religiosa, com destaque ao levantamento das igrejas demolidas, pesquisa em arquivos religiosos e levantamento biográfico de clérigos e religiosos, principalmente os desaparecidos no período comunista.

A partir do ano 2000, com a chegada de Vladimir Putin à presidência da Rússia, a atividade dos kraevedenie ganhou grande estímulo oficial: eles passaram a ser cooptados pelas autoridades para trabalhar em pesquisas de resgate da história russa atuando em escolas, museus e em atividades locais como congressos e lançamentos de livros. Assim estes pesquisadores passaram a constituir um grupo semiprofissional relacionado a) ao projeto nacional de política de memória, b) aos projetos regionais vinculados à política de memória a nível nacional, e c) à atividade espontânea de pesquisa realizada por seus membros. Os kraevedenie de igreja também entraram neste processo, e passaram a trabalhar próximo às autoridades da Igreja Ortodoxa Russa. Desta forma, eles consolidaram o papel de intermediários entre o clero ortodoxo e o cidadão comum fazendo uma "ponte" de conhecimento entre os dois grupos sociais.

(Monastério Optina Pustyn, na cidade de Koselsk a 60 km de Kaluga. Fundado no século XV o monastério é um dos principais da Rússia e centro religioso da região. Foi transformado pelos bolcheviques no Museu Kraevedenie em 1917-29, e depois recebeu um departamento de um museu de Koselsk em 1957) 

É através da relação íntima entre os kraevedenie e a Igreja Ortodoxa Russa que ocorre parte do reavivamento religioso na Rússia. Eles trabalham juntos tanto à nível nacional na Comissão Sinodal de Canonização dos Santos como a nível regional, a exemplo da Comissão de Canonização da Eparquia de Kaluga, onde a antropóloga Milena realizou sua pesquisa. Portanto, estes pesquisadores não apenas resgatam a memória passada da ortodoxia como também integram o plano desta Igreja de reconstituir uma identidade religiosa nacional.

Deste 1989 a Igreja Ortodoxa tem realizado uma série de canonizações, dentre eles os confessores e "novos mártires", isto é, os religiosos assassinados ou mortos durante o regime comunista. Os kraevedenie de igreja são de fundamental importância principalmente por resgatar arquivos, memórias de sobreviventes e descobrir cemitérios abandonados nas antigas igrejas. Junto a eles atuam os chamados "empreendedores religiosos" que empenham parte de seu tempo e recursos pessoais para realizar e organizar procissões religiosas, restaurar ícones, recuperar e reconstruir igrejas destruídas e criar os chamados "locais sagrados" para visitação, como o novo memorial projetado em Kaluga para a veneração dos novos mártires.

A política de memória na Rússia também procura reabilitar a memória de civis e militares, principalmente dos soldados mortos na Segunda Guerra Mundial. A chamada "Grande Guerra Patriótica" é considerada, como comenta Angelo Segrillo em "Os Russos" , um momento de enorme trauma, significando praticamente uma refundação do país. Calcula-se que sete mil cidades tenham sido destruídas e até 27 milhões de pessoas tenham morrido neste evento, sendo 100 mil apenas no pequeno distrito de Kaluga.

Os kraevedenie também estão envolvidos neste resgate histórico secular, principalmente na descoberta e catalogação das covas coletivas, atividade que envolve principalmente grupos militares e veteranos. Milena comenta que é através da identificação dos mortos e de um novo funeral digno que ocorre uma "sacralização" dos soldados, vistos como heróis, "mártires" civis da Rússia. "Os mortos anônimos", comenta a antropóloga, "são transformados em heróis via personificação e o 'enterro apropriado'" (p. 20).

A canonização dos novos mártires e principalmente a identificação de heróis nacionais funcionam como uma forma de lidar com o passado traumático, não só da guerra como também da perseguição antirreligiosa. Alguns dos kraevedenie que formaram sua vida acadêmica durante a União Soviética hoje têm de lidar com arquivos da KGB, onde estão documentados muitos dos crimes cometidos contra religiosos como assassinatos, prisões e perseguições. O legado aparentemente irreconciliável do terror comunista contra religiosos e cidadãos comuns é transformado num passado "positivo" através da veneração dos heróis e a canonização dos mártires.

(Catedral de Cristo o Salvador, em Moscou, Sede do Patriarcado de Moscou da Igreja Ortodoxa Russa. Foi destruída pelos bolcheviques a mando de Stálin, em 1931, e reconstruída a partir de 1990 durante o governo Yeltsin. Foi consagrada em 19 de agosto de 2000.) 

No atual governo de Vladimir Putin (2013-2018), existe uma clara tentativa por parte do Kremlin de se aproximar e instrumentalizar ideologicamente os discursos do alto clero da Igreja Ortodoxa sobre a história do país. Esta instrumentalização, que aparece inclusive em declarações públicas de Putin, fomenta a ideia da Rússia como civilização distinta das demais, única e original, em oposição ao Ocidente. Seria através do retorno às suas raízes culturais e o resgate da tradição que a Rússia conseguiria cumprir seus papel como potência a qual está destinada a ser. Desta forma, toda a história russa, inclusive o período comunista, é considerada "sagrada" e necessária como parte de uma experiência única de um povo distinto dos demais. Nas palavras do próprio Putin:

"Muita gente comenta sobre o Túmulo de Lênin, dizendo que ele não corresponde à tradição. O que não corresponde à tradição? Visite apenas o Pechersk Lavra de Kiev ou vá ao Monastério de Pskov, ou ao Monte Athos. Você verá halos de pessoas santas lá. Vá em frente, você pode ver isto tudo lá. Portanto, os comunistas continuaram a tradição mesmo a respeito disto e continuaram competentemente, de acordo com as demandas daqueles tempos." [tradução livre]

(Parada militar em Moscou no Dia da Vitória, comemorado em 9 de maio: o período comunista reabilitado como parte da história "sagrada" da Rússia.)

É possível ver claramente na declaração de Putin a política de memória levada à cabo no seu governo. Por isso o estímulo oficial de um resgate histórico e uma transformação valorativa do período comunista, de onde foram resgatados os novos mártires e heróis da Rússia. Esta política abrange parte do alto clero da Igreja Ortodoxa Russa, além de lideranças e fiéis ortodoxos chamados de "fundamentalistas" e grupos nacionalistas. Estes dois últimos nutrem uma extrema rejeição a todas as influências do Ocidente e reivindicam a canonização de figuras civis de destaque na história russa, inclusive o ditador Josef Stálin. O pesquisador Igor Torbakov, da Universidade de Uppsala, na Suécia, comenta esta tentativa do governo russo de sintetizar as contradições da história russa numa única narrativa:

"Nas palavras de Frederick Corney: 'Putin estava oferecendo uma narrativa da história moderna russa nas quais as turbulências do passado da Rússia serviram meramente como um pano de fundo do progresso recente, e oferece uma reconciliação de verdade' [destaque do autor]. Assim como sua base de apoio consiste de uma ampla coalizão compondo grupos sociais heterogêneos, o regime, na sua questão de legitimidade histórica, busca sintetizar elementos dispersos dos diferentes 'passados' da Rússia numa espécie de fusão eclética. 'Ele tenta unir, ainda que desconfortavelmente, vários aspectos idealizados dos passados czarista, soviético e dos emigrados' e apresenta esta mistura como 'história sem culpa ou dor'". [tradução livre]

A busca por uma verdade indivisível, o fascínio com o irracional, a esperança por encontrar um caminho especial, um destino, uma missão concedida por Deus e/ou pela História são discursos recorrentes entre os intelectuais russos da era pós-soviética, amalgamando todas os acontecimentos e correntes ideológicas num corpo único. Nada mais exemplar destas características do que o pensamento neo-eurasiano de Alexandr Dugin, tantas vezes mencionado neste blog, ou a composição extremamente heterogênea dos membros e grupos ligados ao Partido Rússia Unida de Putin.

A Rússia busca por uma unidade absoluta, uma totalidade que unifique tudo e todos num nova identidade nacional. A política de memória de Moscou é um aspecto desta tentativa de resgatar ou criar uma nova identidade russa, unificando sucessos e traumas, heróis e mártires, crimes e atos de santidade e "santos" de todos os espectros da sociedade russa, mesmo que não sejam tão santos assim.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Theotokos e o mito da "Terceira Roma"


(Theotokos de Vladimir. Há inúmeras cópias da original por todo o mundo.)

               Nossa Senhora é muito venerada no cristianismo ortodoxo e sua presença na fé e cultura entre os povos desta religião é muito marcante.

               O ícone mais comum de Nossa Senhora na ortodoxia é Theotokos, que em grego significa "Mãe de Deus". A Rússia, país com maior população ortodoxa do mundo, recebeu da antiga Bizâncio esta vertente do cristianismo, bem como tradições artísticas, a forma de governo e muitos elementos que regem a ordem social. Historicamente os russos chamavam a sua terra de "Lar da Santíssima Mãe de Deus", numa referência da nação como detentora de uma herança cristã, ao seu ver legítima, e expressa no mito da "Terceira Roma" desenvolvido a partir do final do século XV. Theotokos é a padroeira protetora da Rússia.

               Mas qual é a relação entre a figura da Mãe de Deus e a "Terceira Roma"?

               Theotokos é um dos elementos, entre crônicas históricas e textos filosóficos, que ajudaram a criar ou foram utilizados para legitimar a ideia de que a Rússia era herdeira legítima de Bizâncio, a "Segunda Roma" (sendo a cidade de Roma a "primeira"). 

               Segundo o historiador Andrew Wilson no seu livro The Ukranians. Unexpected Nation, o ícone de Theotokos que está relacionado à legitimação do poder dos reis da antiga Rus de Kiev foi trazida da então Constantinopla para a região de Kiev em 1134, tendo sido fabricado em torno de 1120. A Virgem de Vyshhorod (cidade próxima a Kiev), como ficou conhecida na época, era um dos principais símbolos da autoridade divina dos reis kievanos. Este mesmo ícone é hoje conhecido como Nossa Senhora de Vladimir, ou Theotokos de Vladimir.

(Monastério de Pechersk, em Kiev, um dos principais centros religiosos de todo o mundo ortodoxo, museu do Estado e sede da Igreja Ortodoxa Russa na Ucrânia.)

               Depois do cisma entre a Roma e Constantinopla em 1054 que deu origem à divisão católicos-ortodoxos, houve algumas tentativas de estabelecer autocefalia, isto é, autonomia das igrejas ortodoxas locais em relação ao patriarcado de Kiev. Estas iniciativas surgiram ainda no mesmo século do cisma quando iniciaram divergências entre os chefes ortodoxos regionais e aqueles mais fiéis à Kiev.

(Catedral de Dormição em Vladimir, Rússia, para onde foi levada Theotokos de Vladimir.)

               Um dos marcos da divisão entre um ramo setentrional e outro meridional da ortodoxia (e que futuramente ajudaria a moldar a distinção identitária entre Rússia e Ucrânia) foi a captura do ícone de Nossa Senhora de Vyshhorod pelo príncipe kievano Bogoliubski, em 1155, e sua deslocamento para a Catedral da Dormição na cidade de Vladimir, que daria o novo nome ao ícone. Bogoliubski tentou empossar um protegido seu, Feodor, como metropolita da cidade aprofundando as divergências norte-sul. Mais tarde, Feodor foi capturado e levado para Kiev, sendo executado em 1169 provavelmente por divergências políticas e/ou religiosas. O roubo do ícone e a tentativa do príncipe  de empossar um aliado seu como líder ortodoxo local foi uma tentativa de legitimar Vladimir, ao norte, como sucessora legítima do legado histórico da Rus às custas de Kiev, transformando a cidade no centro da ortodoxia eslava.

(Príncipe Bogoliubski, venerado na Igreja Ortodoxa como santo.)

               O ícone foi transferido para o Kremlin de Moscou em 1395, e atribui-se a ele a vitória do principado de Moscóvia na detenção do ataque mongol liderado por Tarmelão. A cidade de Moscou, que deu origem ao principado, havia sido fundada por um "nortista", Yurii Dolgorukii, em 1147, o que mostra que desde sua origem esta cidade e Kiev estiveram em polos opostos sobre legitimidade do legado da antiga Rus.

               O choque da queda de Constantinopla em 1453 e a consequente tentativa de legitimar o novo papel de Moscóvia foram os principais acontecimentos que outorgaram à Rússia o título de "Terceira Roma" e sua pretensão de liderança da ortodoxia. Segundo Wilson, a soberania da Rússia sobre "toda a Rus" seria uma "tradição inventada", tese também sustentada a respeito da doutrina da Terceira Roma pelo historiador de Harvard, Marshall Tillbrook Poe.

               Wilson afirma que esta tradição tem raíz na transferência do ícone de Nossa Senhora de Vladimir para Moscou em 1395 e a primeira tentativa por parte do rei Simeon, o Orgulhoso, de tomar controle total sobre a Igreja Ortodoxa da Rus. O objetivo era tornar o reino guardião da ortodoxia e do legado da Rus de Kiev sob a presença da Theotokos. O historiador também enumera que alguns eventos históricos foram determinantes para o crescimento do poder de Moscóvia a partir do século XV: a autocefalia da Igreja Ortodoxa Russa em 1448, temendo a queda de Constantinopla para os muçulmanos; a consequente ascensão das pretensões do reino moscovita em função desta queda; e a expulsão definitiva dos mongóis da região em 1480. Logo após a criação da Igreja na Rússia, o Estado passou a divulgar uma série de crônicas que legitimavam a nova autoridade religiosa de Moscóvia.


(Príncipe Ivan III, primeiro dos monarcas russos a receber as cartas de Filofei.)

               Em fins do século XV a doutrina da Terceira Roma já circulava em cidades russas como Tver e Novgorod, sendo nesta última o primeiro registro expresso deste termo. Foi a partir do reinado do Grão Duque de Moscóvia, Vasili III (1505-1533), que começou a penetração do mito nos círculos oficiais do reino. O primeiro registro que chega às autoridades ocorre com Filofei, monge de Pskov, próximo a Moscou, que em 1523-24 escreve uma série de cartas para um representante de Vasili III na sua cidade, para o próprio Vasili e depois para seu sucessor, Ivan IV, o Terrível. Para o monge, Roma havia caído em heresia, e Constantinopla havia sido punida por Deus com o domínio muçulmano pela tentativa de se reunir com Roma no Concílio de Florença (1439). Desta forma, Moscóvia era o único reino herdeiro legítimo do cristianismo e o sucessor natural de Bizâncio, já que todos os demais reinos cristãos haviam caído nas mãos dos inimigos. O lugar de um novo império cristão estava vazio, e cabia aos russos ocupar este espaço. Segundo Filofei, profecias (as quais ele não indica a fonte) afirmavam que não havia de existir uma "Quarta Roma", estando Moscóvia com a missão de edificar um império com o objetivo de proteger e divulgar a verdadeira fé cristã até o fim dos tempos. Assim, o Estado moscovita tornava-se o protetor do cristianismo. Para cumprir este papel, o líder deveria ser excepcionalmente hábil e com inteligência capaz de guiar o reino numa missão universal e escatológica. O rei, portanto, agia sob inspiração do próprio Deus, sendo sua autoridade sobre o império e seu papel como protetor da igreja divinamente conferido. Moscóvia legava a "autoridade divina" de Bizâncio, então protetora de Constantinopla.

               A ideia da "Terceira Roma" aparece pela primeira vez num texto oficial em 1547 na  coroação de Ivan IV como Czar da Rússia, cujo significado remonta à "César", conferindo ao líder projeção imperial. O texto da coroação foi escrito ou inspirado pelo então metropolita Makary, um dos formuladores da doutrina da Terceira Roma na época. Em 1589, cinco anos após a morte de Ivan, a Igreja Ortodoxa Russa foi elevada a patriarcado.  Nesta data, Constantinopla esta estava sob ocupação muçulmana há quase 150 anos e dependia de recursos dos russos para se manter. Esta dependência de Moscou favoreceu a elevação da cidade ao seu novo status eclesial.

(Catedral de São Basílio na Praça Vermelha em Moscou, símbolo máximo da Rússia, ao lado da Spasskaya, a principal torre dos muros do Kremlin.)

               Com a tomada de Kazan, capital do kanato adversário da Rússia, Ivan IV ordenou a construção da Catedral de São Basílio, em Moscou, hoje principal símbolo do país. Os oitos dias do cerco de Kazan são representados pelas oito igrejas que formam a estrutura da catedral, tendo uma nova igreja ao centro. Apesar do nome São Basília, a nomenclatura oficial é uma referência à Theotokos: Catedral da Intercessão da Santíssima Mãe de Deus. As oito igrejas também formam uma estrela de oito pontas, número símbolo da ressurreição de Cristo, e faz referência à estrela de Belém que guiou os reis magos até Jesus. A urbanização da cidade centrada na Praça Vermelha e no Kremlin mostra claramente, no plano arquitetônico, Moscou como guia da Rússia e de todo o cristianismo (ver pág. 95). A ideia de Moscou como guia da fé é fortalecida quando o mito da Terceira Roma sacraliza a cidade ao chamá-la de Nova Jerusalém. Moscou é a nova terra prometida.

               Após o reinado de Ivan, o mito da Terceira Roma circulou apenas entre religiosos ortodoxos, mais especificamente os staroveri, ou "velhos crentes", grupo religioso que nega como heréticas as reformas modernizantes da Igreja Russa no século XVIII, não havendo menção da doutrina em documentos de Estado. O reino (e depois império) russo se expandiu sem referências oficiais ao messianismo original. Apenas na metade do século XIX a "Terceira Roma" voltou às vozes dos intelectuais, especialmente a partir da década de 1860 com as publicação das cartas de Filofei. Não por acaso, Alexander Dugin, principal ideólogo do Kremlin e responsável pela reformulação da geopolítica russa sobre bases messiânicas, considera os velhos crentes o depositário da verdadeira tradição ortodoxa e, portanto, da legítima tradição espiritual do povo russo.

             A grande popularização do mito da Terceira Roma levou muitos intelectuais a promoverem uma missão nacional, um messianismo propriamente russo, a exemplo do universalismo cristão de Soloviev. A disseminação e ascensão do comunismo encontrou ressonância de sua missão escatológica entre os intelectuais da época, e até as décadas recentes outros movimentos surgiram propondo à Rússia uma nova missão para o mundo, a de conquista da Eurásia, do Ártico e mesmo do espaço.

               Após habitar por séculos a Catedral da Dormição dentro do Kremlin de Moscou, Theotokos foi retirada para restauração no período bolchevique e hoje está guardada na Galeria Estatal de Tretyakov. Apesar de não estar mais dentro dos muros do Kremlin, ela ainda goza de proteção do Estado. Legítimo ou não, a imagem da Mãe de Deus, Nossa Senhora de Vladimir, continua vinculada ao poder russo, que ainda acredita ter de cumprir no mundo uma missão, seja ela divina ou humana.


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O caso Litvinenko e o aprofundamento das divergências entre Londres e Moscou

(Alexander Litvinenko, em novembro de 2006 sem cabelo e no leito do hospital onde faleceu.)

Neste dia 21 saiu  "O Inquérito Litvinenko", documento publicado pela Casa dos Comuns de Londres baseado nas investigações sobre a morte do ex-agente da KGB e FSB Alexander Litvinenko em novembro de 2006.

O inquérito afirma na conclusão que é certo que dois agentes da FSB, Andrey Lugovoy e Dmitri Kovtun, agiram na intenção de envenenar Litvinenko, que o então chefe da FSB, Nikolai Patrushev, provavelmente ordenou seu assassinato, e que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, provavelmente aprovou a ação.

(University College Hospital, em Londres, onde Litvinenko foi internado para tratamento.)

Obviamente tal inquérito explodiu como uma bomba tanto no Reino Unido quanto na Rússia. O uso do material radioativo para matar Litvinenko, o polônio-210, só pode ser produzido por reatores nucleares e, portanto, vir de um país que possui capacidade de fabricar os equipamentos. Não poderia haver envenenamento por polônio sem um suporte estatal. Esta era a suspeita do então governo trabalhista de Tony Blair à época da morte de Litvinenko, suspeita compartilhada pelo atual governo conservador de David Cameron.

O ex-espião atuava como investigador e crítico de Putin, e teria colaborado com o MI6, o serviço secreto britânico. Ele teria sido expulso da FSB pelo próprio Putin depois de conceder uma entrevista a um jornalista russo onde expunha o trabalho sujo do serviço secreto que tinha entre seus objetivos matar diversas figuras proeminentes do país. Com esta denúncia pública, Litvinenko colocava a própria vida em risco, bem como de sua família. Disse ele: "Mas agora chegou eu acredito que a hora chegou [de contar o que faz a FSB]. Se eu estivesse com medo, eu não faria o que faço agora. Mas eu temo pela vida de minha mulher, minha filha" [tradução live]. Com ajuda de Bóris Berezovsky, adversário de Putin, Litvinenko fugiu para o Reino Unido em 2000 onde conseguiu asilo político. Quando estava no hospital tentando se recuperar, o ex-espião acuso Putin de ter ordenado pessoalmente sua morte.

Como era de se esperar, as já antagônicas relações entre Reino Unido e Rússia pioraram. David Lidington, secretário de Estado para a Europa, disse que o inquérito piora ainda mais as relações entre os dois países, e exigiu que a Rússia dê uma resposta e se responsabilize pelo ato. O embaixador russo em Londres, Alexander Yakovenko, também endossou a piora das relações e disse que a conclusão do inquérito era "absolutamente inaceitável", deduzindo disto que as exigências feitas pelo governo britânico à Rússia são igualmente inaceitáveis. O porta voz do Kremlin, Dmitry Peskov, desqualificou as conclusões do inquérito dizendo que são baseadas em suposições, e que tal postura contraria a prática legal russa de investigação. As supostas falhas grosseiras da investigação foram tema de um artigo publicado na Sputnik, imprensa oficial russa notória por sua defesa do governo e por suas repetidas críticas ao Ocidente, que afirma que o procedimento teve motivações políticas, foi instrumentalizado para fazer propaganda contra Putin e a Rússia e que sua publicação neste momento aumenta ainda mais a pressão sobre Moscou a respeito de sua intervenção militar na Síria.

(Emblema do Serviço de Segurança Federal da Federação Russa - FSB - e o logo do Serviço Secreto de Inteligência britânico - MI6)

Como sugere um pesquisador da Catham House de Londres, apesar de Reino Unido e Rússia estarem envolvidos numa crescente cooperação do campo educacional e cultural e de haver mais de mil empresas britânicas atuando na Rússia (bem como muito dinheiro russo investido na City londrina), existe pouca boa vontade de ambas as partes de melhorar as relações de Estado para Estado. Londres e Moscou têm um histórico de rivalidade que remonta principalmente ao Grande Jogo, período do século XIX em que o Império Britânico e o Império Russo mediam forças no domínio sobre a Ásia Central, e desde então estão quase sempre em lados opostos nas questões políticas globais. Como lembra o pesquisador, apesar de uma potencial cooperação na questão do terrorismo e na proliferação das armas de destruição em massa, há um hiato de valores entre ambos países, a exemplo da recorrentes acusações de governo britânico sobre as violações dos direitos humanos por Moscou na Chechênia. Também há um histórico de escândalos de espionagem de ambas as partes sobre a atuação dos serviços secretos britânico e russo em território alheio, e uma massiva propaganda antibritânica na Rússia. Em 2006, mesmo ano da morte de Litvinenko, o Kremlin tentou a extradição de Boris Berezovsky, adversário político de Putin então exilado em Londres, sem sucesso. O mesmo agora ocorre com os espiões acusados de matar Litvinenko, cuja crise política resultou na expulsão de ambos diplomatas russo e britânico. Desde então a relação formal entre Reino Unido e Rússia é incipiente. Também é recorrente a existência de pedidos de asilo políticos de russos para o Reino Unido. Berezovsky morreu em março de 2013 sem ser extraditado.

Certamente divulgação do Inquérito Litvinenko piorará ou pelo menos fortalecerá os problemas de relacionamento entre Londres e Moscou. Quando estive em Londres em 2015, tomei o conhecimento de que quando os britânicos vão ao continente europeu eles dizem estar "indo à Europa". É um sinal claro de que, quanto à Europa (e mais ainda à Rússia), Londres prefere preservar sua autonomia em relação ao restante do continente, vide às resistências de adotar a livre circulação de pessoas dentro da União Europeia e a preservação da libra esterlina como moeda. A aliança preferencial do Reino Unido é os Estados Unudos. Não é à toa que Moscou vê Londres não como um potencial aliado, mas um tradicional opositor de sua estratégia eurasiana de cooptar os europeus à sua esfera e combater o poder de Washington. O caso Litvinenko apenas reforça esta constatação.