segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Putin: promise of support (and the need) of the BRICS

(7th BRICS Conference in Ufa, Russia. July 2015.)

          On the last day of 2018, Vladimir Putin sent New Year´s messages to the presidents of the four BRICS countries, Brazil, India, China and South Africa. In the messages, promises were made to maintain strategical cooperation with each one of them as well as the bloc´s joint cooperation in the international organizations. 

          Emphasis on bilateral cooperation was given to China. Putin said the partnership between the two countries is at an "unprecedented level". With GDP expected to grow only 1,7%, a partnership with the world second-largest economy with a growth rate around 6% is key. Its worth to remember that in July 2014, Russia and China made U$ 400 billion deal for the sale Russian natural gas to the Asian giant. In times of tension with the Western countries and the inflow of liquefied gas from US to Europe since April 2016, Russia leans to Asia searching for support and money.

          As for Brazil, there may be changes in the relationship with Russia. Putin also send New Year´s congratulations to the new president-elect, Jair Bolsonaro. But Bolsonaro has indicated, on several occasions throughout his campaign, the intention of approaching the US and Israel. The choice of the new chancellor, Ernesto Araújo, a strong supporter of a pro-Western policy, as his article "Brazil in the boat of Ulisses" (in portuguese) makes clear, should mean, if not some distancing, at least a displeasure for Moscow. Alexander Dugin, founder of the Eurasian Movement and the most influential thinker in Russia´s military and political circles, stated in Facebook that Bolsonaro is a "ultra-liberal authoritarian" and that supports the left in Brazil, explaining in another post that it is a non-globalist left. This indicantes a possible rejection of the new president by the Kremlin.

          In the last years, the BRICS has shown opposition to the US and the Western attitudes in the global arena. Russia, China and Brazil (up to the Dilma government) have been the main actors in this regard. Brazil´s new role in the world is still open, but for Russia regions such as Asia and Europe have greater relevance, particularly the military partnership with China and its gigantic commodity market.
          

domingo, 30 de dezembro de 2018

Putin: promessa de apoio (e a necessidade) dos BRICS

(7ª Conferência dos BRICS em Ufa, Rússia. Julho de 2015.)

          No último dia de 2018, Vladimir Putin mandou mensagens de Ano Novo aos presidentes dos quatro países dos BRICS, Brasil, Índia, China e África do Sul. Nas mensagens, foram mandadas as promessas de manter a cooperação estratégica com cada um deles bem como a coordenação conjunta do bloco nos organismos internacionais.

          A ênfase nas cooperações bilaterais foi dada à China. Putin disse que a parceria entre os dois países está num "nível sem precedentes". Com a previsão de crescimento do PIB em modesto 1,7%, uma parceria com a segunda maior economia do mundo com taxa de crescimento na casa dos 6% é fundamental. Cabe lembrar que em julho de 2014, Rússia e China fecharam um acordo de U$ 400 bilhões para venda de gás russo para o gigante asiático. Em tempos de tensão com os países ocidentais e a entrada de gás natural liquefeito dos EUA para a Europa desde abril de 2016, a Rússia inclina-se à Ásia em busca de apoio e dinheiro.

          Quanto ao Brasil, pode haver mudanças na relação com a Rússia. Putin também enviou felicitação de Ano Novo ao novo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Mas Bolsonaro indicou, em diversas ocasiões ao longo da campanha, a intenção de aproximar-se dos EUA e de Israel. A escolha do novo chanceler, Ernesto Araújo, um forte apoiador de um política pró-Ocidente, como deixa bem claro seu artigo "O Brasil no barco de Ulisses", deve significar, se não algum distanciamento, ao menos um desagrado à Moscou. Alexander Dugin, fundador do Movimento Eurasiano e pensador mais influente nos círculos políticos e militares da Rússia, afirmou pelo Facebook que Bolsonaro é um "autoritário ultra-liberal" e que apoia a esquerda no Brasil, explicando, noutra postagem, se tratar de uma esquerda não globalista. Isto indica uma possível rejeição ao novo presidente pelo Kremlin.

          Nos últimos anos, os BRICS têm mostrado oposição às atitudes dos EUA e do Ocidente em geral na arena global. Rússia, China e Brasil (até o governo Dilma) têm sido os principais sinalizadores neste sentido. A nova atuação do Brasil no mundo ainda está em aberto, mas para a Rússia regiões como Ásia e Europa têm maior relevância, em particular a parceria militar com a China e seu gigantesco mercado de commodities. 

          

Belarus: ally of Russia, but not so much

(Putin of Rússia, Lukashenka of Belarus, and Poroshenko of Ukraine.)

          In recent years, Belarus has shown signal of ditachment from Russia, mainly since the annexation of Crimea in 2014, not recognized by the Minsk government, at the same time as it has sought a rapproachement to the West. The official position is to search for a more independent foreign policy, not so much tied to Moscow.

          On 27th December, an economist from Belarus State University warned of possibility of the Weatern countries creating a movement against Moscow and install a pro-Western government in Minsk. These countries would be politically and financially promoting people comitted to this agenda. This narrative is common among members and supporters of the Russian government, who seek, some times in a deribelately exaggerated way, for a "fifth column" in their territory. The background of the argument, as expected, the wave of protests that in February of 2014 toppled president Yanukovich, in Ukraine, and gave way to the rise of the Pietro Poroshenko´s pro-Western government.

          In another episode on last 24th, the country´s president, Alexander Lukashenka, said he would refer to Russia not as a "fraternal state", but only as a "partner", which in the Russian political language is a much more vague term of varied interpretation. According to him, its like the Russians see his country. Although its only rhetorical, the words coming from a leader in power since 1994 indicate a Minsk´s tendency to distance himself from Moscow. Lukashenka has accumulating a number of pronouncements in this sense. 
       
          Russia, however, regards Belarus a key neighbor, given the possibility of expanding it´s political and military action to the Europe´s borders, as it was exemplified by the Zapad, a major military training conducted in September 2007 just in Western Belarus, near the border with Poland. At that time, up to 100 thousand soldiers of both countries were deployed. Despite this sort of cooperation, the Lukashenka government resists the idea of permanent presence of foreign troops in its territory, also referring to Russia, which plans a military base in the neighboring territory.

          Despite Belarus being culturally very similar to Russia and dependent on its commercial products, especially natural gas, in recent years Lukasehnka has shown not so faithful to his most powerful partner. Its a few safe position for a small country that has by its side a giant that militarily occupies three of its neighboring countries.                    

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Bielorrússia: aliado da Rússia, mas nem tanto

(Putin da Rússia, Lukashenka da Bielorrússia e Poroshenko da Ucrânia.)

          Nos últimos anos, a Bielorrússia tem dado sinais de distanciamento em relação à Rússia, principalmente desde a anexação da Crimeia em 2014, não reconhecida pelo governo de Minsk, ao mesmo tempo em que tem buscado uma aproximação com o Ocidente. A posição oficial é de busca por uma política externa mais independente, não tão atrelada à Moscou.

          Neste dia 27, um economista da Universidade Estatal da Bielorrússia alertou da possibilidade dos países ocidentais criarem um movimento contra Moscou e instalar um governo pró-Ocidente em Minsk. Estes países estariam promovendo política e financeiramente pessoas comprometidas esta agenda. A narrativa é comum entre membros e apoiadores do governo russo, que buscam, por vezes de forma propositalmente exagerada, por uma "quinta coluna" em seu território. O pano de fundo do argumento, como não poderia deixar de ser, foi a onda de protestos que em fevereiro de 2014 derrubou o presidente Yanukovich, na Ucrânia, e deu passagem para a ascensão do governo pró-Ocidente de Pietro Poroshenko. 

           Noutro episódio no último dia 24, o presidente do país, Alexander Lukashenka, disse que passará a se referir à Rússia não como um "Estado fraternal", mas apenas como "parceiro", que na linguagem política russa é um termo muito mais vago e de variada interpretação. Segundo ele, é como os russos vêem seu país. Ainda que seja apenas retórica, as palavras vindas de um governante no poder desde 1994 indicam a tendência de distanciamento de Minsk em relação à Moscou. Lukashenka vem acumulando uma série de pronunciamentos neste sentido.

          A Rússia, porém, considera a Bielorrússia um vizinho fundamental, dada a possibilidade de expandir sua ação política e militar até as fronteiras da Europa, como ficou exemplificado pelo Zapad, grande treinamento militar realizado em setembro de 2017 justamente no oeste da Bielorrússia, próximo à fronteira com a Polônia. Na ocasião, foram mobilizados até 100 mil militares de ambos os países. Apesar deste tipo de cooperação, o governo Lukashenka resiste à ideia da presença permanente de militares estrangeiros em seu território, fazendo referência também à Rússia, que planeja uma base militar no territória vizinho.

           Apesar da Bielorrúsia ser culturalmente muito similar à Rússia e dependente de seus produtos comerciais, principalmente o gás natural, nos últimos anos Lukashenka tem se mostrado não tão fiel ao seu parceiro mais poderoso. Uma posição pouco segura para um pequeno país que tem ao seu lado um gigante que ocupa militarmente três de seus países vizinhos.   
          

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Lithuania: KGB´s files reveal link with the Russian Church

(Kirill, Patriarch of the Russian Church, Putin and Medvedev.)

          On the 20th December, Lithuania has released some former KBS´s files (country was under Soviet rule from 1944 to 1991) which shows the institution´s link with the Moscow Patriarchate. Nowadays, there are some hierarchical members of the Russian Orthodox Church who have been (or are) involved with the Russian secret service, now called FSB, among them Metropolitan Alexandr of Riga, leader of the Latvian Orthodox Church linked to Moscow.

          Paul Goble says that in the Putin era the penetration of the secret service penetration into the Russian Church has increased aiming, he comments, of using ecclesial property to cover up it´s business. The church is also one of the ideological basis of the government, which stands as defender of traditional values and Christianity, seeking trying to expand it´s influence outside Russia.

        It must to be considered that the release of the files has come precisely in time of tension among Moscow, Kyiv and Constantinople around the formation of a new Ukrainian Orthodox Church, hitting the Russian Church´s imagem and thus helping in it´s demoralization among the Orthodox faithful. Given Lithuania´s history of opposition to Russia, the files´ opening at this time doesn´t seem a coincidence.


Lituânia: arquivos da KGB revelam ligação com a Igreja Russa

(Kirill, Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Putin e Medvedev.) 

          No último dia 20, a Lituânia divulgou alguns arquivos da antiga KGB (o país ficou sob domínio soviético de 1944 a 1991) que mostram o vínculo da instituição com o Patriarcado de Moscou. Atualmente, há membros da alta hierarquia da Igreja Ortodoxa Russa que estiveram (ou estão) envolvidos com o serviço secreto russo, hoje chamado FSB, entre eles o Metropolita Alexandr de Riga, líder da Igreja Ortodoxa Lituana vinculada a Moscou.

          Paul Goble afirma que na era Putin a penetração do serviço secreto na Igreja Russa aumentou com o objetivo, comenta, de utilizar as propriedades eclesiais para encobrir seus negócios. A igreja também é uma das bases ideológicas do governo, que se coloca como defensor dos valores tradicionais e do cristianismo, buscando expandir sua influência fora da Rússia.

          Há de se considerar que a divulgação do arquivo veio justamente no período de tensão entre Moscou, Kiev e Constantinopla em torno da formação de uma nova Igreja Ortodoxa Ucraniana, atingindo a imagem da Igreja Russa e, portanto, ajudando na sua desmoralização entre os fiéis ortodoxos. Dado o histórico de oposição que a Lituânia faz à Rússia, a abertura dos arquivos neste momento não parece uma coincidência.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (por Marlène Laruelle) - parte 2

(A Estrela do Caos ao centro da Eurásia simboliza a geopolítica do neoeurasianismo.) 
        
Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia?  (parte 2)

          Após a primeira parte, apresento aqui a segunda parte (subcapítulo) do artigo de Marlène Laruelle sobre a trajetória e o pensamento do filósofo russo Alexander Dugin. Na primeira parte, a cientista política francesa apresenta a trajetória pessoal de Dugin; agora, seu estudo versa sobre o pensamento geopolítico do pensador russo.

          O artigo foi publicado pelo Instituto Kennan, divisão do Centro Internacional de Especialistas Woodrow Wilson, de Washington, EUA, e compõe o quarto capítulo do livro Russian Eurasianism: An Ideology of Empire, de autoria de Laruelle e publicado pelo mesmo Centro em 2008.

          Boa leitura!


UMA VERSÃO RUSSA DO ANTI-GLOBALISMO: TEORIAS GEOPOLÍTICAS DE DUGIN

          Todas as correntes neoeurasianas que emergiram na década de 1990 compartilham de uma concepção imperial da Rússia, mas todas elas se baseiam em diferentes pressupostos. Alexander Dugin ocupa uma posição particular neste grupo, e às vezes é virulentamente criticado por outros neoeurasianos. Na verdade, Dugin "distorce" a ideia de Eurásia, combinando-a com elementos emprestados de outras tradições intelectuais, como as teorias da revolução conservadora, a geopolítica alemã das décadas de 1920 e 1930, o tradicionalismo de René Guénon e a Nova Direita ocidental. No entanto, Dugin tem desfrutado do maior sucesso de público entre todos os neoeurasianos, e influencia mais diretamente certos círculos políticos que procuram por uma nova geopolítica para a Rússia pós-soviética.

          Dessa forma, Dugin supera em grande parte pequenos grupos intelectuais, que buscam suas próprias reflexões neoeurasianas sem terem qualquer acesso direto a um público maior. Ele pode ser considerado o principal teórico do neoeurasianismo, apesar de ter compartilhado este papel com Alexander Panarin nos anos 1990. Primeiro, os dois homens se opuseram um ao outro, e Panarin se recusou a ser assimilado à mesma corrente ideológica. Ele descreveu a geopolítica de Dugin como pagã por ver o homem como dependente da natureza e guiado por um destino cego e determinista,  e conceber o Estado como um organismo isolado e egoísta, não providenciando qualquer garantia à estabilidade global, confiando apenas na força. Na época, Panarin considerava essa visão como o estrito oposto da consciência "civilizadora" que o neoeurasianismo deveria ser. Os dois pensadores acabaram, entretanto, por compartilhar alguns pontos de vista como consequência da evolução intelectual de Panarin e não de Dugin. Assim, Panarin gradualmente veio a corroborar a supremacia pública de Dugin em questões neoeurasianas, comparecendo à fundação do movimento Evraziia em 2001 e se tornando membro do Conselho Central do partido em 2002. (27) De acordo com Dugin, Panarin chegou a concordar, antes de sua doença, em escrever um prefácio para um de seus últimos livros, Political Philosophy. (28) Entretanto, a repentina morte do filósofo tirou este aliado e competidor do cenário público.

          A atração de Dugin pelo eurasianismo desenvolvido por emigrantes russos dos anos 1920 e 1930 não é uma adição tardia às suas doutrinas. No final da década de 1980, enquanto ainda era próximo de certos grupos monarquistas, Dugin já tinha se tornado apóstolo de uma concepção eurasiana da Rússia e contribuiu para sua disseminação entre os círculos patrióticos ligados ao Den´. Hoje continua sendo uma influência dominante entre aqueles que tentam reabilitar os fundadores do eurasianismo: ele editou compilações dos principais textos dos principais teóricos do movimento - Pyotr N. Savitsky, Nikolay S. Trubetskoi, Nikolay N. Alekseev, etc - na Agraf, e depois através das publicações da Arctogaia. (29) Nas suas introduções a essas publicações, ele tenta sistematicamente vincular os ensinamentos eurasianos do entre-guerras o mais próximo possível de suas definições contemporâneas do neoeurasianismo. Entretanto, ele não se apropria das teorias altamente elaboradas dos fundadores sobre a legitimidade histórica, geográfica ou religiosa do Império Russo. Ele se satisfaz em tentar estabelecer uma geopolítica para a Rússia pós-soviética, ajudando o país a se tornar consciente de sua particular sensibilidade escatológica: "as atuais transformações no espaço geopolítico da Rússia e em toda a Eurásia são difíceis de entender a não ser que sejam interpretadas com sinais dos tempos, anunciando a proximidade do clímax." (30)

          Dugin chega a criticar os fundadores por terem sido excessivamente filosóficos e poéticos: segundo ele, o eurasianismo tinha as intuições certas (por exemplo, a ideia de um "terceiro continente" e a importância do período mongol na formação da identidade russa), mas foi mal sucedido em formalizá-los teoricamente. "No eurasianismo nós somos confrontados com uma dupla indeterminação: a indeterminação características do próprio pensamento russo e a tentativa de sistematizar essa indeterminação numa nova concepção indeterminada." (31) Sua atitude em relação a outros neoeurasianos é ainda mais negativa: além do historiador e etnólogo Lev Gumilev (1912-1992), cujas muitas concepções étnicas ele compartilha, Dugin considera seus competidores ideológicos inúteis, e afirma que suas concepções neoeurasianas são "pouco consistentes [e] representam apenas uma adaptação a uma realidade política em transformação de todo um complexo de ideias já enunciados." (32)           

          O eurasianismo de Dugin envolve um grande interesse em geopolítica, a principal disciplina na qual baseia suas teorias. Para ele, a geopolítica por definição serve ao Estado em que é elaborado. Dessa forma, a geopolítica russa só poderia ser eurasiana, já que é responsável pela restauração do status de grande potência da Rússia. Ela também é destinada exclusivamente às elites: de acordo com Dugin, a geopolítica se opõe ao princípio democrático porque a capacidade de conhecer o significado das coisas é inevitavelmente restrita ao líderes. É para este fim que Dugin se refere aos grandes nomes da disciplina, como os alemães Friedrich Ratzel (1844-1904), Karl Haushofer (1869-1946) e Friedrich Naumann (1860-1919), o sueco Rudolf Kjellen (1864-1922) e o britânico Sir Halford Mackinder (1861-1947). Na verdade, há pouco o que é russo na bagagem intelectual de Dugin. Além de Konstantin Leontyev (1831-91), (33) a quem Dugin às vezes menciona, ele é muito mais inspirado por autores ocidentais do que russos. Por exemplo, ele fala com admiração dos organicistas alemães, como Ernst Jünger (1985-1998), Oswald Spengler (1880-1936), Arthut Moeller van den Bruck (1876-1925), ou Ernst Niekisch (1889-1967) e Karl Schmitt (1888-1985). Ele toma de Schmitt sua concepção de nomos, a forma geral de organização dos fatores objetivos e subjetivos de um determinado território, e a teoria do Großraum, "grandes espaços".   

          Dugin dá grande valor à sua herança alemã e deseja ser visto como um geopolítico continental a par com Schmitt e Haushofer: a centralidade e continentalidade da Rússia, para ele, são comparáveis às da Alemanha nos anos 1920-30. Ele desenvolve então sua própria interpretação bipolar do mundo, opondo a "Heartland", que tende aos regimes autoritários, à "Ilha Mundo", a encarnação dos sistemas democrático e comercial. Ele combina as teorias eurasianas clássicas com esta divisão bipolar do mundo em sociedades marítimas e terrestres, ou talassocracias e telurocracias, e os vincula a vários duplos conceitos clássicos do "pensamento russo" (cristianismo ocidental/ortodoxia, Ocidente/Oriente, democracia/ideocracia, individualismo/coletivismo, sociedades marcadas pela mudança/sociedades marcadas pela continuidade). A oposição entre capitalismo e socialismo é vista como apenas um confronto histórico particular destinado a continuar de outras formas. "A Terra e o Mar disseminam suas oposições originais a todo o planeta. A história humana é nada mais do que a expressão dessa luta e o caminho da sua absolutização." (34)

          Dugin então divide o mundo em quatro zonas civilizacionais: a zona americana, a zona afroeuropeia, a zona Ásia-Pacífico e a zona eurasiana. A Rússia deve se esforçar para estabelecer várias alianças geopolíticas organizadas como círculos concêntricos. Na Europa, a Rússia deve, evidentemente, se aliar com a Alemanha, a qual Dugin dá atenção especial. Apresentada como o coração da Europa, a Alemanha deve dominar toda a Europa Central e a Itália de acordo com as teorias de "centralidade" desenvolvidas pelos geopolíticos nazistas, bem como pelo militarismo prussiano do século XIX. Na Ásia, a Rússia deve se aliar com o Japão, apreciado por sua ideologia pan-asiática e pelo eixo Berlim-Roma-Tóquio durante a Segunda Guerra Mundial. Dentro do mundo muçulmano, Dugin escolhe o Irã islâmico, admirado por seu rigorismo moral. Ele apresenta o Irã como uma das poucas forças reais de oposição à globalização americana e o convida a se unir a todo o mundo árabe, bem como o Paquistão e o Afeganistão, sob sua liderança. Dugin caracteriza essa quádrupla aliança Rússia-Alemanha-Japão-Irã, que reagiria às talassocracias (os EUA, a Grâ-Bretanha na Europa, a China na Ásia, a Turquia no mundo muçulmano), como uma "confederação de grandes espaços," (35) uma vez que cada aliado é ele mesmo um império que domina a área civilizacional correspondente. Ao contrário dos eurasianos da década de 1920, Dugin não fala de uma irredutível e romântica oposição entre o Oriente e o Ocidente; nas suas teorias, tanto a Ásia quanto a Europa estão destinadas a se colocar sob a dominação russo-eurasiana.

          Como o inimigo marítimo e democrático supostamente tem uma "quinta coluna" na Rússia, Dugin apela por uma restauração da União Soviética e uma reorganização da Federação Russa. Ele é o único neoeurasiano a incluir em seu projeto político não apenas os Estados Bálticos, mas todo o antigo bloco socialista. (36) Sua Eurásia deve se expandir para além do espaço soviético, pois propõe incorporar a Manchúria, o Xinjiang, o Tibet e a Mongólia, bem como o mundo ortodoxo dos Bálcãs: a Eurásia só alcançaria seus limites com a "expansão geopolítica até as margens do Oceano Índico," (37), uma ideia que foi tomada e popularizada por Zhirinovsky. Dugin também propõe uma repartição geral da Federação, e especialmente da Sibéria, que considera estar à beira da implosão há algum tempo. Ele pede a abolição das "repúblicas nacionais" a serem substituídas por regiões puramente administrativas subservientes a Moscou. Em The Foundations of Geopolitics, ele reconhece suas esperanças pela dissolução de Yakutia, Tatarstão, Bashkotorstão e Buriatia, condenadas por seu separatismos e sua capacidade de formar eixos budistas ou pan-turcos anti-russos com as regiões vizinhas. Ele deseja unificá-las com regiões industrializadas que possuem uma maioria russa, como os Urais ou a costa do Pacífico [Primorskii krai]. (38)

          Assim como no eurasianismo dos anos 1920-30, os povos não-russos, e particularmente as minorias turco-muçulmanas, são tratados de forma ambígua. Ele são admirados como elementos-chave que confirmam a distintividade da identidade eurasiana da Rússia, mas são também representados como concorrentes potenciais ou mesmo inimigos se decidirem não mais participar de uma Eurásia multinacional dominada pela Rússia. Os eventos internacionais dos últimos anos, especialmente o 11 de setembro, bem como a segunda guerra na Chechênia e os atos terroristas subsequentes que cobriram a Rússia com sangue, forçaram Dugin a refinar seu conceito de islam e a ser mais cauteloso em sua apreciação positiva de um certo tipo de radicalismo islâmico. Assim, num simpósio chamado "Ameaça Islâmica ou Ameaça contra o Islam?" organizado pelo Evraziia em 28 de junho de 2001, os membros do partido desaprovaram o fundamentalismo, apresentado como um perigo ao islam tradicional, e afirmaram o desejo de criar um Comitê Eurasiano de Parceria Estratégica Russo-Muçulmana. De acordo com o Evraziia, o islam tradicional, o sufismo, o xiismo e o cristianismo ortodoxo são espontaneamente eurasianos, enquanto que o catolicismo e o protestantismo, mas também o islamismo radical patrocinado pelos EUA, representam o atlanticismo. Portanto, Dugin tenta distinguir entre o fundamentalismo xiita, que considera positivo, do fundamentalismo sunita, que ele deprecia.

          O desejo de Dugin de dissociar o islam tradicional "bom" dos outros ramos da religião, os quais ele nivela ao wahabismo, é compartilhado por numerosos movimentos nacionalistas russos contemporâneos, que visam cortejar o islam russo oficial. Esse tipo de conversa permitiu que Dugin recrutasse os líderes do Diretório Espiritual Central dos Muçulmanos Russos para o seu movimento Evraziia. Dugin tenta impedir qualquer competição com o eurasianismo turco sobre a questão das minorias religiosas e nacionais do país. Ele conseguiu de forma brilhante apresentar seu movimento não apenas como um instrumento para defender o poder russo, mas também como uma solução pragmática às tensões internas da Rússia. Assim, desde sua criação em 2001, o Evraziia inclui representantes de regiões sensíveis como Yakutia-Sakha, o norte do Cáucaso e o Tatarstão, e teve o prazer de reunir todas as confissões da Rússia: diversos muftis do Diretório Espiritual Central dos Muçulmanos, incluindo seu líder, Talgat Tadzhuddin, mas também budistas (DordzhiLama, o co-fundador da União dos Budistas de Kalmyk) e membros do Movimento Sionista Radical, que aderiram ao partido e declararam seu desejo de combater a ascensão do extremismo religioso usando a estratégia de integração implícita na ideia eurasiana.

          Entretanto, Dugin não se limita a atualizar uma visão geopolítica eurasiana sobre a Rússia. Ele busca ancorá-la numa visão global e apresentá-la como uma forma relevante de análise que ajudaria a entender toda a evolução do mundo pós-Guerra Fria. Mais uma vez, Dugin está interpretando o "manual", usando os inumeráveis textos ocidentais com os quais está familiarizado para adaptar as ideias clássicas da história do pensamento russo ao debate contemporâneo. Portanto, há vários anos ele tem centrado seu argumento sobre a natureza eurasiana da Rússia inteiramente no tópico da globalização. De acordo com ele, a globalização apresenta como verdade óbvia o que na verdade é uma ideologia: a democracia representativa como o fim da história do desenvolvimento humano, a primazia do indivíduo sobre qualquer comunidade, a impossibilidade de escapar da lógica da economia liberal, etc. (39) Ele argumenta que apenas a solução eurasiana oferece uma alternativa viável com um forte potencial teórico que poderia fazer frente aos atuais processos de globalização instituído pelos Estados Unidos. "A Rússia é a encarnação da busca por uma alternativa histórica ao atlantismo. Aí reside sua missão global." (40)

          Assim como todos os neoeurasianos, Dugin é um defensor do argumento do "choque de civilizações" de Samuel Huntington, que está na moda na Rússia. O belicismo de Huntington permite a Dugin afirmar a necessidade da manutenção da estrutura imperial russa e rejeitar qualquer perspectiva de um equilíbrio global. De acordo com ele, a nação russa precisa estar preparada para "defender sua verdade nacional, não apenas contra seus inimigos, mas também contra seus aliados." (41) De fato, a doutrina geopolítica de Dugin não pode funcionar sem criar inimigos. Ele baseia sua ideologia em teorias da conspiração, apresentando a nova ordem mundial como uma "teia de aranha", na qual os atores globalizados se escondem com o objetivo de melhor cumprir sua missão. Dugin chegou a dedicar um livro inteiro (publicado em 1993 e republicado numa versão revisada em 2005) ao que ele chama de conspirologia. As ideias apresentadas nele são contraditórias. Ele critica duramente os pressupostos sobre conspirações judaicas, maçônicas, marxistas, etc, sustentados por numerosos grupos políticos de esquerda e de direita, mas também compartilha algumas de suas ideias. (42) Por exemplo, ele reconta uma história secreta da União Soviética na qual uma ordem eurasiana se opõe à sua contraparte atlantista. O golpe de 1991 é descrito como a culminação da guerra oculta entre essas duas ordens. De acordo com Dugin, entretanto, as alternativas à globalização permanecem limitadas: ou as ideologias de esquerda aplicadas no Ocidente, ou o liberalismo de direita e a estagnação típica dos países asiáticos. Dugin também percebe que essas duas alternativas são opostas uma a outra, embora compartilhem de um inimigo comum. Ele propõe, portanto, que a Rússia elabore uma combinação fértil, porque "todas as tendências anti-globalização são 'eurasianas' por definição." (43)

          Dugin não joga a carta da autarquia a qualquer custo: ele está convencido de que o modelo eurasiano de resistência à dominação americana é exportável para o resto do planeta. Ele a apresenta como o modo mais apropriado de resistir à chamada Nova Ordem Mundial. Um dos objetivos de seu pensamento é, portanto, como ele descreve, "transformar a distintividade russa numa modelo universal de cultura, numa visão de mundo que seja alternativa à globalização atlantista, mas também global à sua própria maneira." (44)

          Assim, a Rússia é chamada a participar dos assuntos mundiais enquanto constrói uma certa cultura autárquica eurasiana. Muito mais do que, por exemplo, Pyotr Savitsky e o conde Trubetskoi, Dugin parece ter internalizado completamente a contradição entre, por um lado, a exaltação da distintividade nacional e uma rejeição apaixonada de qualquer empréstimo que arriscasse "deformar"a Rússia e, por outro, um desejo pelo expansionismo geopolítico e ideológico e um novo messianismo. Longe de ser apenas um "sucessor" dos primeiros eurasianos, ele é o teórico que possui facetas múltiplas ou mesmo contraditórias: muitas outras doutrinas influenciaram sua evolução intelectual pelo menos tanto quanto, se não mais do que, o eurasianismo.

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(27) Andreas Umland, “Toward an Uncivil Society? Contextualizing the Recent Decline of Extremely Right-Wing Parties in Russia,” Weatherhead Center for International Affairs Working Paper No. 02-03, 2002. 

(28) http://evrazia.org/modules.php?name =News&file=article&sid=1508. 

(29) Ele também republicou o "Evrei e Evraziia de Iakov Bromberg" e o "Rus’ mongol’skaia" de E. Khara-Davan em 2002. 

(30) Osnovy geopolitiki, p. 97. 

(31) “Evraziisky triumf,” in: P. Savitsky, Kontinent Evraziia, Moscow: Agraf, 1997, p. 434. 

(32) Osnovy geopolitiki, p. 159. 

(33) Leontyev representou uma grande mudança no pensamento russo. Ele argumentava que os russos não são realmente eslavos, mas acima de tudo um povo misturado com grupos turcos. De uma forma ambígua, ele antecipou a "virada para o leste" dos últimos eurasianos: abandonou o argumento linguístico sobre a identidade eslava e, por exemplo, reconheceu que preferia os gregos do que outros eslavos no reino religioso. Leontyev foi o primeiro a compreender o potencial do "argumento turaniano" para ajudar a Rússia a afirmar sua identidade contra a Europa. Ver: M. Laruelle, “Existe-t-il des précurseurs au mouvement eurasiste? L’obsession russe pour l’Asie à la fin du xixe siècle,” Revue des études slaves, Paris: Institut d’études slaves, vol. LXXV, no 3-4/2004, pp. 437–454. 34. 

(34) Misterii Evrazii, p. 19. 

(35) Osnovy geopolitiki, p. 247. 

(36) Entretanto, Dugin aceita o separatismo das áreas que considera não-russas (ele propõe devolver as Ilhas Kurilas ao Japão e Kaliningrado à Alemanha) contanto que se mantenham sob controle de aliados da Eurásia e do continentalismo.

(37) Osnovy geopolitiki, p. 341. 

(38) Ele também deseja o retorno da Ucrânia à esfera de influência russa e sua divisão de acordo com o que chama de realidade etno-culturais do país. Para mais destalhes, ver: Dunlop, op. cit., pp. 109–112. 

(39) “Evraziiskii otvet na vyzovy globalizacii,” Osnovy evraziistva, p. 541–563. 

(40) Nash put’, p. 47. 

(41) Osnovy geopolitiki, p. 261. 

(42) Konspirologiia, tambén online at www.arctogaia.com/public/consp. 

(43) Evraziia prevyshe vsego, p. 4. 

(44) Osnovy evraziistva, p. 762

sexta-feira, 2 de março de 2018

Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (por Marlène Laruelle) - parte 1

(Alexander Gelyevich Dugin)

          O artigo a seguir foi escrito em 2006 pela historiadora e cientista política francesa Marlène Laruelle, especialista em política e sociedade russas, através do Instituto Kennan, divisão do Centro Internacional de Especialistas Woodrow Wilson sediado em Washington, EUA. Vinculada a quatro institutos de pesquisa onde atua como pesquisadora, diretora e professora, Laruelle é uma das maiores especialistas sobre temas da Rússia no Ocidente. Seu artigo compõe o quarto capítulo de seu livro Russian Eurasianism: An Ideology of Empire, publicado pelo Centro Woodrow Wilson em 2008 e reeditado em 2012, onde ela introduz a trajetória e o pensamento de Dugin na história do eurasianismo.   

(Marlène Laruelle)

          Devido à extensão do artigo, decidi dividi-lo em sete partes conforme os subtítulos do texto. Apenas nesta primeira parte publico juntas a breve introdução e o primeiro subtítulo.

          Na tradução, mantive a grafia da autora para o nome de publicações e organizações. Traduzi apenas o nome das organizações públicas e estatais e adaptei o nome das personalidades à grafia em inglês para facilitar a identificação. A exceção é o nome de Dugin, que publiquei como "Alexander", grafia pela qual ele é mais conhecido,  ao contrário de "Alexandr" da autora ou o aportuguesado "Alexandre". As notas também são do artigo de Laruelle.

        Cabe lembrar que por ser de 2006, o artigo exclui a trajetória de Dugin a partir deste ano e, portanto, não analisa suas publicações desde então, suas declarações e envolvimento na Guerra da Geórgia em 2008 e na crise na Ucrânia a partir de 2014 e sua passagem pela prestigiada Universidade Estatal de Moscou.

          Boa leitura.


Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (parte 1)

          Ao estudar o eurasianismo russo contemporâneo - tanto como doutrina quanto como movimento político - alguém que aparece constantemente é Alexander Dugin. Um dos principais motivos pelos qual ele é relevante para qualquer tipo de estudo é o quase-monopólio que exerce sobre uma certa parte do atual espectro ideológico russo. Este espectro inclui uma infinidade de facções de direita, que produzem uma enorme quantidade de livros e uma impressionante quantidade de jornais de pequena circulação, mas que não são facilmente distinguíveis uns dos outros e apresentam pequena consistência e sofisticação teórica. Dugin é o único grande teórico nesta direita radical russa. Está simultaneamente na margem e no centro do fenômeno nacionalista russo. Ele fornece inspiração teórica a muitas correntes e dissemina preceitos que podem ser reciclados em diferentes níveis. Ele está, acima de tudo, se esforçando para ocupar cada nicho do atual mercado ideológico. Parte do pressuposto que a sociedade russa e o establishment político da Rússia estão em busca de uma nova ideologia: ele, portanto, incumbe a si mesmo exercitar sua influência sobre todas as opções ideológicas e suas possíveis formulações.

          Além das qualidade doutrinais que o fazem se destacar no espectro do nacionalismo russo, Dugin é digno de nota por sua produção frenética e prolífica de publicações que começam no início dos anos 1990. Ele publicou mais de uma dúzia de livros, além de textos originais ou artigos tematicamente reorganizados impressos inicialmente em várias revistas ou jornais. Ele também editou várias revistas: Elementy (nove publicações entre 1992 e 1998), Milyi Angel (quatro publicações entre 1991 e 1999), Evraziiskoe vtozhenie (publicado como um suplemento irregular para o semanal Zavtra, com seis publicações especiais em 2000) e Evraziikoe obozrenie (onze publicações de 2001 a 2004). (1) Em 1997, ele escreveu e apresentou uma transmissão de rádio semanal de uma hora, Finnis Mundi, que foi proibida depois que ele falou de forma favorável sobre o terrorista do início do século XX, Boris Savinkov. (2) Dugin também publica regularmente artigos em diversos diários e aparece em vários programas de televisão. Em 1998, ele participou da criação da "Nova Universidade", uma pequena instituição que fornece ensinamentos tradicionalistas e ocultistas para poucos selecionados, onde ensina ao lado de destacadas figuras literárias como Yevgeny Golovin e Yuri Mamleev. Desde 2005, ele tem aparecido no novo canal de TV ortodoxo Spas criado por Ivan Demidov, onde ancora um programa semanal sobre geopolítica chamado Landmarks [Vekhi]. (3) Ele também participa regularmente de mesas-redondas na televisão russa e ocupa um lugar de destaque na internet nacionalista da Rússia. (4)

          Várias tendências intelectuais se manifestam em seu pensamento: uma teoria política inspirada pelo tradicionalismo, (5) uma filosofia religiosa ortodoxa, (6) teorias arianas e ocultistas (7) e concepções geopolíticas e eurasianas. (8) Pode-se esperar que essa diversidade ideológica se reflita na longa evolução da vida intelectual de Dugin. Entretanto, todos estes temas não surgiram sucessivamente, mas coexistiram nos escritos de Dugin desde o início dos anos 1990. Enquanto o eurasianismo e a geopolítica são os mais clássicos e conhecidos "cartões de visita" de Dugin para a opinião pública e as autoridades políticas, suas doutrinas filosófica, religiosa e política são muito mais complexas e merecem uma análise cuidadosa. A diversidade de seu trabalho é pouco conhecida, e muito de suas ideias são frequentemente caracterizadas de forma precipitada e incompleta. Dessa forma, devemos investigar sua linhagem intelectual e tentar entender seu esforço para combinar diversas fontes ideológicas. Dugin é um dos poucos pensadores a considerar que o estoque doutrinal do nacionalismo russo se depreciou e deve ser revitalizado com a ajuda de insumos do Ocidente. Ele está, portanto, "ancorando" o nacionalismo russo em teorias mais globais e agindo como mediador do pensamento ocidental. É este aspecto de Dugin que será o foco deste artigo.

A TRAJETÓRIA SOCIAL DE DUGIN E SEU SIGNIFICADO

          É particularmente importante entender o complexo lugar de Dugin no neoeurasianismo, uma vez que, em certa medida, sua posição é representativa de certos fenômenos mais gerais e, portanto, ajuda a traçar a evolução das ideias nacionalistas russas no últimos vinte anos ou mais. Entre 1985 e 1990, Dugin era claramente a favor de um neoeurasianismo "de direita" e próximo de círculos conservadores ou mesmo monarquistas. Em 1988, ele entrou na organização ultranacionalista e anti-semita Pamiat, mas não se sentiu intelectualmente à vontade, uma vez que suas ideias para uma renovação doutrinária da direita eram inoportunas nesta organização fundamentalmente conservadora. Assim, deixou o Pamiat no ano seguinte condenando seu monarquismo nostálgico e anti-semitismo vulgar. Em 1990-1, ele fundou diversas instituições próprias: a Associação Arctogaia, bem como uma editora de mesmo nome, e o Centro para Estudos Meta-Estratégicos. Durante este período, Dugin se aproximou do Partido Comunista de Gennady Ziuganov e se tornou um dos mais prolíficos contribuintes do proeminente jornal patriótico Den (mais tarde renomeado Zavtra), que na época estava no auge de sua influência. Seus artigos publicados neste jornal contribuíram para a disseminação de teorias eurasianas nos círculos nacionalistas russos. No início ele foi apoiado pelo pensador nacionalista Alexander Prokhanov, que acreditava que apenas o eurasianismo poderia unificar os patriotas, que ainda estavam divididos entre "Brancos" e "Vermelhos", mas Prokhanov rapidamente se afastou e condenou o eurasianismo por ser muito turcocêntrico.  

          A partir de 1993-4, Dugin se afastou do espectro comunista e se tornou o ideólogo do novo Partido Nacional-Bolchevique (PNB). Nascido da convergência entre a antiga contracultura e grupos patrióticos soviéticos, o PNB estabeleceu com sucesso sua ideologia entre os jovens. A Arctogaia de Dugin serviu como think thank para as atividades políticas do líder do PNB, Eduard Limonov. Os dois homens compartilhavam do desejo de desenvolver laços íntimos com a esfera da contracultura, em particular com os músicos punk e rock de mentalidade nacionalista, como Yegor Letov, Sergei Troitsky, Roman Neumoev ou Sergei Kurekhin. (9) Em 1995, Dugin chegou a concorrer nas eleições da Duma sob a bandeira do PNB num distrito eleitoral suburbano perto de São Petersburgo, mas recebeu menos de um por centro dos votos. (10) Entretanto, este fracasso eleitoral não o prejudicou, pois ele estava simultaneamente ocupado escrevendo numerosos trabalhos filosóficos e esotéricos para desenvolver o que ele considerava ser a "ortodoxia" neoeurasiana. Limonov descreveria então Dugin como "o 'Cirilo e Metódio' do fascismo, uma vez que ele trouxe fé e conhecimento sobre isto do Ocidente para o nosso país". (11)    

          Dugin deixou o Partido Nacional-Bolchevique em 1998 devido a numerosos desacordos com Limonov, buscando como alternativa entrar em estruturas mais influentes. Ele esperava se tornar um "conselheiro do príncipe" e se apresentou para as autoridades como o think thank de um homem só. Ele conseguiu se estabelecer como conselheiros do porta-voz da Duma, o comunista Gennadiy Seleznyov e, em 1999, se tornou presidente da seção de geopolítica do Conselho Consultivo sobre Segurança Nacional da Duma, dominado pelo ultra-nacionalista Partido Liberal Democrático da Rússia, liderado por Vladimir Zhirinovsky. Na época, Dugin parecia exercer certa influência em Zhirinovsky, bem como em Alexander Rutskoy do Partido Social Democrata e Gennady Zyuganov do Partido Comunista. (12) O último, por exemplo, pegou de Dugin a ideia de que o nacionalismo russo não entra em conflito com a expressão de sentimentos nacionais de minorias. De fato, Zyuganov apresentou o PCFR como o principal defensor do nacionalismo tártaro e do budismo de Kalmyk. Seu livro  Russia after the Year 200: A Geopolitical Vision for a New State foi diretamente inspirado pelas ideias de Dugin sobre o caráter distintivo da "ciência" geopolítica russa e sua ideia de que a renovação da Rússia é a única garantia de estabilidade mundial. Dugin também publica regularmente em sites oficiais russos, como www.strana.ru, onde ele apresenta suas ideias sobre a oposição entre o império eurasiano reemergente e o modelo atlanticista.

          A entrada de Dugin nas estruturas parlamentares foi amplamente possível pela publicação (em 1997) da primeira versão do seu trabalho mais influente, The Foundations of Geopolítics: Russia´s Geopolitical Future. (13) Ele é considerado um importante estudo de geopolítica, e geralmente é apresentado como a obra fundadora da escola russa de geopolítica. Em 2000, o trabalho já havia sido reeditado quatro vezes, e se tornou uma importante publicação política desfrutando de um grande número de leitores nos círculos acadêmicos e políticos. Na verdade, Dugin sempre esperou influenciar jovens intelectuais promissores, bem como importantes círculos políticos e militares. Ele afirmou que seu Centro de Perícia Geopolítica* poderia rapidamente se tornar um "instrumento analítico que ajudasse a desenvolver a ideia nacional" (14) para os poderes executivo e legislativo.

          Desde o início dos anos 1990, Dugin esteve especialmente interessado em entrar em contato com oficiais militares ativos: vindo de uma família de militares, afirma regularmente que apenas o exército e os serviços secretos têm um verdadeiro senso de patriotismo. Dessa forma, em 1992, a primeira edição de Elementy trouxe textos de três generais que então eram os chefes de departamento na Academia do Estado-Maior. (15) Além disso, The Foundations of Geopolitics parece ter sido escrito com o apoio do general Igor Rodionov, que foi ministro da defesa em 1996-7. (16) Graças a este livro, Dugin foi convidado a ensinar na Academia do Estado-Maior, bem como no Instituto para Pesquisa Estratégica em Moscou. Ele lhes ofereceu uma certa visão da política internacional adornada por um "isolacionismo que serve apenas para disfarçar um projeto de expansão e conquista." (17) Após este bestseller, Dugin expandiu consideravelmente sua presença na principal mídia russa; para alguns, ele se tornou uma personalidade respeitável da vida pública. O sucesso de seu livro de geopolítica, agora usado como leitura em numerosas instituições de ensino superior, bem como suas aulas na Academia do Estado-Maior e na chamada Nova Universidade, satisfaz seu desejo de alcançar as elites políticas e intelectuais.

          Dessa forma, os anos 1998-2000 viram a transformação das tendências políticas de Dugin numa corrente específica que aplica múltiplas estratégias de penetração, visando a contracultura juvenil e as estruturas parlamentares. Dugin se afastou dos partidos de oposição, como o PCFR e o PLDR, e se aproximou de grupos centristas dando seu apoio ao então primeiro-ministro, Yevgeny Primakov. Em 2000, Dugin participou brevemente do movimento Rossiia liderado pelo comunista Gennadiy Seleznyov e escreveu seu manifesto, antes de sair devido a desentendimentos com sua liderança. A eleição de Putin como presidente em março de 2000 causou uma mudança ainda mais forte nas atitudes políticas de Dugin, quando começou a se aproximar do novo homem forte do país. 

          Em 21 de abril de 2001, ele resolveu colocar as cartas na mesa e criou um movimento chamado Evraziia, do qual foi eleito presidente. Durante sua convenção fundadora, o Evraziia - geralmente descrito como uma ideia do conselheiro presidencial Gleb Pavlovsky, que é próximo de Dugin - se reuniu oficialmente com Putin e propôs participar nas próximas eleições como parte de uma coalizão governamental. O objetivo do movimento, de acordo com a declarações de Dugin, é formular a "ideia nacional" que a Rússia necessita: "nosso objetivo não é chegar ao poder, nem lutar pelo poder, mas lutar por influência sobre ele. Essas são coisas diferentes." (18) Em 30 de maio de 2002, o Evraziia foi transformado em partido político, que Dugin define como "radicalmente centrista", uma formulação ambígua que decorre de sua atitude tradicionalista. Dugin aceita a combinação de "patriotismo e liberalismo", que afirma que Vladimir Putin propõe, com a condição de que o elemento liberal se mantenha subservientes aos interesses do Estado e aos imperativos da segurança nacional. Como ele diz, "nosso patriotismo não é apenas emocional, mas também científico, baseado na geopolítica e nos seus métodos," (19) uma afirmação clássica dos neoeurasianos. De acordo com seus próprios dados, o novo partido tem 59 agências regionais e mais de 10.000 membros. Sua criação foi saudada publicamente por Alexander Voloshin, então chefe da administração presidencial, e Alexander Kosopkin, chefe do Departamento de Assuntos Internos da administração.

          Dugin também recrutou o apoio de outro figura influente próxima ao presidente, Mikhail Leontev, o apresentador da Odnako (transmitido pelo Pervyi kanal, o primeiro canal da TV estatal russa), que se juntou o Comitê Central do partido. Fortalecido pelo seu sucesso depois das demostrações públicas de reconhecimento, Dugin esperava adquirir influência dentro de uma nova e promissora formação eleitoral, o bloco Rodina, e usá-la como plataforma para uma candidatura nas eleições parlamentares em dezembro de 2003. Entretanto, essa aliança era taticamente de curta duração e questionável no seu conteúdo ideológico. Dessa forma, Dugin nunca escondeu seus desdém pela nostalgia monarquista e a ortodoxia politizada representada pelos líderes do Rodina, como Dmitri Rogozin e Natalia Narochnitskaia. Na verdade, parece que Sergei Glazyev (20) foi o responsável pela aproximação de Dugin. Embora Glazyev não possa ser considerado um neoeurasiano, ele participou da convenção fundadora do Evraziia em 2002. Os dois homens compartilham um interesse em políticas econômicas pró-socialistas, e Dugin reconheceu sua simpatia pelas ideias econômicas de Glazyev (que ele chama de "saudáveis) mesmo depois deste último deixar o Rodina em março de 2004.

          Dugin e Glazyev se conheceram em fevereiro de 2003 para constituir um partido que definiram como "patriota de esquerda". Em julho, o Evraziia declarou-se pronto para apoiar a criação deste bloco eleitoral. Entretanto, ocorreram discussões internas sobre personalidades: o bloco precisava escolher três líderes que certamente se tornariam deputados se aprovados e se beneficiaria principalmente da publicidade da campanha. Dugin esperava ser escolhido, mas foi impedido por sua marginalidade política ligada à sua reputação como um teórico extravagante, cujas ideias são complexas demais para transmitir uma estratégia eleitoral. (21) No fim de setembro, o desapontado Dugin deixou o bloco Rodina explicando numa conferência à imprensa que o nacionalismo do Rodina era radical demais para ele - uma afirmação que deve tirar um sorriso daqueles mais familiarizados com seu trabalho. Este cenário nacionalista não o perturbou até então. Nem ele se aproximou do Rodina quando certos nacionalistas excessivamente virulentos como V. I. Didenko, líder do pequeno partido Spas, foram expulsos da lista de candidatos do bloco por pressão do Kremlin.  

          As acusações de Dugin contra o Rodina se dividem em duas categorias. Ele condena o bloco por ser muito próximo ao PCFR e sua oligarquia e critica seu "populismo irresponsável." Ele também se dirige aos que chama de "chauvinistas de direita": Sergei Baburin e o movimento Spas. (22) Por outro lado, Dugin insiste na missão conciliatória e multinacional do seu partido Evraziia, que "representa não apenas os interesses dos russos, mas também dos pequenos povos e das confissões tradicionais." (23) Dugin também acusou alguns membros do Rodina de racismo e anti-semitismo, destacando que o partido inclui ex-membros da Unidade Nacional Russa (24), bem como Andrei Savelyev, que traduziu Main Kampf para o russo. O primeiro conjunto de críticas é justificada pelas próprias convicções de Dugin: ele nunca escondeu seu desdém pelo atual Partido Comunista, não aprecia a atitude emocional dos ortodoxos em questões de política internacional, rejeita toda a nostalgia czarista, sempre denunciou o racialismo das teorias de Barkashov e condena o populismo eleitoral. O segundo conjunto de críticas parece mais oportunista: uma leitura atenta dos trabalho de Dugin releva claramente seu fascínio pela experiência nacional-socialista e seu ambíguo anti-semitismo. Hoje, Dugin está tentando minimizar esses aspectos do seu pensamento para se apresentar como um pensador "politicamente correto" esperando ser reconhecido pelo regime de Putin.

          Por ouro lado, conteúdos de Dugin emprestados ideologicamente do Rodina parecem bastante raros. Suas ideias tradicionalistas, nacional-bolchevistas e esotéricas, que constituem uma importante parte de seu pensamento, não são apreciadas pelo Rodina e não exerceram qualquer influência nas concepções do bloco. Na verdade, o Rodina é mais conservador do que revolucionário e não pode aceitar as sugestões provocativas de Dugin, que muitas vezes visam romper a ordem social. O aspecto estritamente neoeurasiano das ideias de Dugin - sua mais conhecida "marca registrada" na sociedade russa de hoje - está em sintonia com algumas concepções geopolíticas do Rodina, mas essa concordância é, na verdade, baseada no antiocidentalismo que é comum a ambos, e não numa visão compartilhada da Rússia como uma potência eurasiana. Por esta razão, apesar da tentativa de aliança, não se pode dizer que o Rodina tenha adotado elementos no pensamento neoeurasiano no sentido estrito do termo. Mesmo assim, essas relações difíceis não impediram Dugin de ficar entusiasmado com os resultados das eleições de dezembro de 2003, que levaram quatro partidos políticos (o partido presidencial Rússia Unida, o PCFR, o PLDR e o Rodina) para a Duma. Dugin tem conexões com cada um deles, e alguns membros de cada um destes partidos reconhecem abertamente terem sido inspirados por suas teorias. 

          Depois de seu fracasso pessoal no Rodina, Dugin reorientou suas estratégias para longe da esfera eleitoral, em direção à comunidade acadêmica. Daí a transformação do seu partido num "Movimento Eurasiano Internacional" (MEI), formalizado em 20 de novembro de 2003. O novo movimento inclui membros de cerca de vinte países, e seu principal apoio parece vir do Cazaquistão e da Turquia. Enquanto a organização original fundada em 2001 era composta principalmente de figuras da sociedade civil, (25) o Conselho Supremo do novo Movimento Eurasiano inclui representantes do governo e do parlamento: Mikhail Margelov, chefe do Comitê de Relações Internacionais do Conselho da Federação (a Câmara Alta do parlamento), Albert Chernyshev, embaixador da Rússia na Índia, Viktor Kalyuzhny, vice-ministro das Relações Exteriores, Aleksey Zhafyrov, chefe do Departamento de Partido Político e Organização Social no Ministério da Justiça, etc. O MEI chegou a pedir oficialmente que Vladimir Putin ou Nursultan Nazarbaev chefiassem o Conselho Supremo do movimento. Dugin felicita-se de ter ido além de um mero partido político para uma organização internacional. Ele agora cultiva sua imagem nos países vizinhos, divulgando fortemente suas viagens à Turquia, mas também para o Cazaquistão e à Bielorrúsia. Dugin se tornou um zeloso apoiador da União Econômica Eurasiana e tem o prazer de pensar que influenciou as decisões de Alexander Lukashenko e Nursultan Nazarbaev a favor de um integração mais próxima de seus países com a Rússia. Seu site também apresenta os diferentes grupos eurasianos em países ocidentais. A Itália está particularmente bem representada com numerosas traduções dos textos de Dugin, diversos sites inspirados pelo eurasianismo e uma revista, Eurasia. Rivista di studi geopolitici. A França é representada pela associação "Paris-Berlin-Moscou", enquanto a Grã-Bretanha há muito tempo possui um movimento eurasiano próprio. As associações austríaca, finlandesa, sérvia e búlgara e, claro, organizações em outras ex-repúblicas soviéticas, especialmente na Ucrânia e no Cazaquistão, são apresentadas como "partidos fraternais".          

          Tendo recebido entusiasticamente Vladimir Putin como o "homem eurasiano", (26) agora Dugin, desde 2005, parece estar profundamente desapontado com o presidente. De acordo com ele, Putin hesita em adotar um postura definitivamente eurasiana e sua comitiva é dominada pelo atlanticismo e por figuras excessivamente liberais. Nas relações atuais, Dugin está tentando jogar com a onda de antiocidentalismo que varreu parte da cena política russa depois das revoluções na Geórgia em 2003, na Ucrânia em 2004 e no Quirguistão em 2005. Ele assim estabeleceu a União da Juventude Eurasiana, liderada por Pavel Zarifullin, que se tornou bastante visível em setembro de 2005 com a criação amplamente divulgada de uma "frente anti-laranja." Dugin persegue, com relativo sucesso, seu objetivo de construir uma hegemonia cultural global: ele está tentando ganhar espaço nos movimentos de globalização alternativa (que promove alternativas à globalização liderada pelos EUA) e participar de reagrupamentos ideológicos internacionais. Essa direita, que Dugin moderniza e renova profundamente em suas teorias, parece assim ter sucesso em sua estratégia de entrar nas estruturas de esquerda, que estão mal informadas e buscam por todo e qualquer aliados na sua luta contra a dominação americana.

          Dessa forma, a presença regular, mas sempre temporária de Dugin no campo político não pode ser considerada uma nova fase de sua vida que se construiria sobre um corpo já completo de doutrinas. Embora Dugin esteja atualmente se concentrando no seu envolvimento com o movimento eurasiano e na publicações sobre o eurasianismo, não se deve esquecer que uma combinação similar ocorreu de 1994 a 1998, quando sua associação com o Partido Nacional-Bolchevique andou de mãos dadas com as publicações sobre o conceito de nacional-bolchevismo. Assim, Dugin parece ajustar sua estratégia de acordo com as oportunidades disponíveis para influenciar a opinião pública. Além do mais, ele continua ainda hoje a disseminar as ideais tradicionalistas, que têm sido seu pilar desde o início, apresentando um alto grau de consistência doutrinal. O que evoluiu é seu status público, marcado por seu desejo de não ser mais considerado um intelectual original e marginal, mas ser reconhecido como uma personalidade política respeitável próxima aos círculos de poder.

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* Traduzido do nome em inglês, "Center for Geopolitical Expertise". Não há tradução do nome do centro em português.

(1) Para mais detalhes sobre a distribuição dessas publicações (impressões, reedições), ver: Andreas Umland, “Kulturhegemoniale Strategien der russischen extremen Rechten: Die Verbindung von faschistischer ideologie und metapolitischer Taktik im Neoeurasismus des Aleksandr Dugin,” Österreichische Zeitschrift für Politikwissenschaft, vol. 33, no. 2/2004, pp. 437–454.

(2) Vyacheslav Likhachev, Natsizm v Rossii, Moscow: Panorama, 2002, p. 103.

(3) O título deste show não é neutro. Se refere à famosa coleção de artigos de 1909 chamada Vekhi, considerado o manifesto contra a ideologia da intelligentsia radical. Os autores do Vekhi defendiam a primacia do espiritual e apelavam à intelligentsia revolucionária para que reconhecessem a origem espiritual da vida humana: para eles, apenas o idealismo concreto, manifesto no russo na forma de uma filosofia religiosa, permite objetivar o misticismo tradicional e fundir conhecimento e fé.

(4) Todas as suas publicações estão disponíveis na internet. Seus dois sites, Arctogaia (www.arcto.ru) e Evraziia (www.evrazia.org) também incluem links para a rede nacionalista que inclui sites como Novoe soprotivlenie (New Resistence), além de revistas disponíveis na internet como Lenin.

(5) The Ways of the Absolute (Puti absoliuta), escrito em 1989 e publicado em 1991, The Conservative Revolution (Konservativnaia revoliutsiia, 1994), Goals and Tasks of our Revolution (Tseli i zadachi nashei revoliutsii, 1995), Templars of the Proletariat (Tampliery proletariata, 1997), The Philosophy of Traditionalism (Filosofiia traditsionalizma) e The Evolution of the Paradigmatic Foundations of Science (Evoliuciia paradigmal’nykh osnovanii nauki, 2002), The Philosophy of Politics (Filosofiia politiki) e The Philosophy of War (Filosofiia voiny, 2004).

(6) The Metaphysics of the Gospel: Orthodox Esotericism (Metafizika Blagoi Vesti (Pravoslavnyi ezoterizm), 1996) e The End of the World. Eschatology and Tradition (Konets sveta: Eskhatologiia i tradiciia, 1997).

(7) The Mysteries of Eurasia (Misterii Evrazii) e The Hyperborean (Giperboreec, 1991), The Hyperborean Theory (1993).

(8) Conspirology (Konspirologiia, 1992, republicado em 2005), The Foundations of Geopolitics (Osnovy geopolitiki, 1996, quatro reedições), Our Way. Strategic Prospects for the Development of Russia in the 21st Century (Nash put’. Strategicheskie perspektivy razvitiia Rossii v XXI veke, 1998), The Russian Thing. Essays in National Philosophy (Russkaia veshch’. Ocherki natsional’noi filosofii, 2001), The Foundations of Eurasianism (Osnovy evraziistva), The Eurasianist Path (Evraziiskii put’) e The Eurasian Path as National Idea (Evraziiskii put’ kak natsional’naia ideia, 2002).

(9) Markus Mathyl, “The National-Bolshevik Party and Arctogaia: Two Neo-fascist Groupuscules in the Post-Soviet Political Space,” Patterns of Prejudice, vol. 36, no. 3/2003, pp. 62–76.

(10) Stephen Shenfield, Russian Fascism. Traditions, tendencies, movements, London: M. E. Sharpe, 2001, p. 194.

(11) Eduard Limonov, Moya politicheskaia biografiia, St. Petersburg: Amfora, 2002, p. 64.

(12) Andrei Tsygankov, “Hard-Line Eurasianism and Russia’s contending geopolitical perspectives,” East European Quaterly, no. 3, 1998, pp. 315–334.

(13) Osnovy geopolitiki: Geopoliticheskoe budushchee Rossii, Moscow: Arktogeya, 1997. Sobre esse livro, see J.B. Dunlop, “Aleksandr Dugin’s ‘Neo-Eurasian’ Textbook and Dmitrii Trenin’s Ambivalent Response,” Harvard Ukrainian Studies, vol. xxv, no. 1-2/2001, pp. 91–127. [

(14) Aleksandr Dugin, “Evraziiskaia platforma,” Zavtra, 21 January 2000.

(15) Wayne Allensworth, The Russia Question: Nationalism, Modernization, and PostCommunist Russia, Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 1998, e “The Eurasian Project: Russia-3, Dugin and Putin’s Kremlin,” artigo apresentado na Convenção Nacional da Associação Americana para o Avanço dos Estudos Eslavos, Salt Lake City, 4-6 November 2005.

(16) Para detalhes sobre as conexões de Dugin com círculos militares, ver: Dunlop, op. cit., pp. 94, 102.

(17) Françoise Thom, “Eurasisme et néoeurasisme,“ Commentaires, no. 66/1994, p. 304.

(18) “Evraziistvo: ot filosofii k politike,” artigo de Dugin no congresso de fundação do movimento Evraziia, 21 April 2001.

(19) “My—partiia natsional’noi idei,” artigo de Dugin na conferência ao preparar a transformação do Evraziia em partido político, 1 March 2002.

(20) Um economista por prática, Glazyev era conhecido desde o colapso da União Soviética como um partidário das reformas econômicas. Em 1991, ele foi nomeado vice-ministro (e, em dezembro de 1992, ministro) de Relações Econômicas Externas no governo de Egor Gaidar. Ele renunciou depois dos eventos de outubro de 1993, quando se recusou a apoiar Boris Yeltsin na sua luta contra a Casa Branca. Entre 1992 e 1995, foi deputado da Duma, presidindo o comitê do parlamento sobre políticas econômicas. Entre 1995 e 1999, ele trabalhou no Conselho da Federação e se aproximou de Alexander Lebed. Durante esses anos, Glazyev mudou de ideia sobre seus princípios econômicos liberais e se aproximou dos comunistas. Hoje ele é um intervencionista e estatista em questões econômicas, embora não advogue um retorno ao modelo soviético. Em 1999, foi eleito deputado pela lista do PCFR. Dentro do Rodina, Glazyev representou a ala esquerda. Apesar de sua repentina saída do bloco eleitoral, ele conseguiu se candidatar nas eleições presidenciais em março de 2004 e obteve 4,1% dos votos.

(21) Dunlop, op. cit., p. 104.

(22) “Partiia Evraziia vykhodit iz bloka Glaz’eva,” Km.Ru, 19 September 2003, http://www.km.ru/news/view.asp?id=7D D7770F40434412B24FDB116 DB19000.

(23) http://glazev.evrazia.org/news/190903- 1.html.

(24) A Unidade Nacional Russa (UNR), de Alexander Barkashov, foi um dos primeiros grupos a emergir depois do racha do Pamiat. Barkashov, que rejeita a nostalgia ortodoxa e czarista dos líderes do Pamiat, fundou seu próprio movimento, bem como o jornal do partido, Russkii poriadok. A UNR pegou uma parte significativa de seus símbolos do nazismo: a suástica, a saudação romana, as roupas paramilitares e partes do programa do PNSTA [Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães], incluindo uma economia mista e teorias eugênicas. O UNR afirma que a URSS implementou um programa de miscigenação racial entre eslavos e povos não-arianos com o objetivo de fazer os eslavos desaparecerem. O UNR diferiu de diversos outros grupos nacionalistas pós-soviéticos em sua definição racialista de nação russa. O movimento implodiu em 2000 e agora está dividido em numerosos pequenos grupos.

(25) A principal exceção era Dmitry Riurikov, um dos conselheiros de Boris Yeltsin sobre política internacional. Em 2001, ele se tornou membro do conselho central do Evraziia enquanto era embaixador da Rússia no Uzbequistão (mais tarde foi transferido para a Dinamarca).

(26) Em russo é impossível distinguir entre "eurasiano" e "eurasianista" (evraziiskii chelovek).

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

O cérebro de Putin (Foreign Affairs)

(Presidente russo Vladimir Putin em 2007 - Reuters)

          O artigo a seguir foi publicado em 31 de março de 2014 no site da Foreign Affairs, a principal revista de relações internacionais no mundo e editada pelo Conselho de Relações Exteriores (CFR, en inglês) dos EUA. Ele aborda a trajetória pessoal do filósofo e ideólogo russo Alexander Dugin no contexto do fim da URSS até os dias de hoje, o desenvolvimento de sua filosofia e a formulação do neoeurasianismo, ideologia combina o eurasianismo clássico do início do século XX e a geopolítica com elementos nazi-fascistas, religiosos, místicos e ocultistas. Por fim, o texto encerra com o uso pelo governo Putin de seu pensamento e a estrutura criada por Dugin para divulgar suas ideias, como o Movimento Eurasiano.

          A publicação do artigo visava compreender as motivações das ações da Rússia na Ucrânia e no mundo. De 25 para 26 de fevereiro de 2014, forças militares russas iniciaram a tomada da Crimeia, e seguida por um referendo em 16 de março que aprovou a anexação pela Rússia, ratificada por Putin no dia 18. Uma semana depois do artigo, em 7 de abril, se iniciaria o levante armado pró-Rússia nas regiões de Donetsk e Luhansk, cujo conflito matou pouco mais de 10 mil pessoas até o momento.

          Mantive a foto original (acima) e os links de referência publicados no texto e fiz algumas observações no final. A tradução é minha. 

          Boa leitura.

          O cérebro de Putin
       
          Alexander Dugin e a filosofia por trás da invasão da Crimeia de Putin.

          Por Hannah Thoburn e Anton Barbashin (1)

          Desde o colapso na União Soviética, a Rússia tem buscado infrutiferamente por uma nova grande estratégia - algo que defina quem são os russos e para onde eles estão indo. "Na história russa durante o século XX, houve vários períodos - monarquismo, totalitarismo, perestroika e, finalmente, um caminho democrático de desenvolvimento," disse o presidente russo Boris Yeltsin dois anos após o colapso da União Soviética. "Cada estágio tem sua própria ideologia," continuou, mas agora "nós não temos." 

          Para preencher este vazio, em 1996 Yeltsin designou um time de acadêmicos para trabalharem juntos para encontrar o que os russos chamam de Russkaya ideya ("ideia russa"), mas eles voltaram de mãos vazias. Ao mesmo tempo, vários outros grupos também assumiram a tarefa, incluindo uma coleção de políticos e pensadores russos conservadores que chamavam a si mesmos de Soglasiye vo imya Rossiya ("Acordo em Nome da Rússia"). Juntamente com muitos outros intelectuais russos da época, eles estavam profundamente perturbados com a fraqueza do estado russo, algo que acreditavam que precisava ser arrumado para que  a Rússia retornasse à sua glória legítima. E para eles, isso implicava no retorno à tradição russa de um governo central poderoso. Como isso poderia ser realizado era uma questão para outra ocasião.

          Putin, com quem muitos dos Soglasiye ainda têm laços, concordou com seus ideais e objetivos gerais. Ele chegou ao poder em 1999 com um mandato nacional para estabilizar a economia e o sistema político russos. Graças ao aumento dos preços globais de energia, ele rapidamente atingiu este objetivo. No final dos anos 2000, ele tinha espaço para retornar à questão da ideia russa. A Rússia, começou a argumentar, era uma civilização única própria. Ela não poderia ser feita para se encaixar confortavelmente nos blocos europeu e asiático e tinha que viver por suas próprias e exclusivas leis e moral russas. E, com a ajuda da Igreja Ortodoxa Russa, Putin começou uma batalha contra os elementos liberais (ocidentais) que alguns segmentos da sociedade russa começaram a adotar. As atitudes dele que receberam condenação no Ocidente - como a criminalização da "propaganda homossexual" e a sentença de membros da Pussy Riot, um coletivo feminista de punk-rock, a dois anos de prisão foi vandalismo - eram populares na Rússia.

          Fiel à insistência de Putin de que a Rússia não pode ser julgada em termos Ocidentais, seu novo conservadorismo não se encaixa nas definições americana e europeia. Na verdade, a principal característica que eles compartilham é a oposição ao liberalismo. Enquanto que os conservadores nessas partes do mundo são temerosos do governo grande e põe o indivíduo em primeiro lugar, os conservadores russos advogam pelo poder do Estado e veem os indivíduos como servindo esse Estado. Eles se baseiam na longa tradição do conservadorismo imperial russo e, em particular, no eurasianismo. Esta corrente é autoritária em essência, tradicional, antiamericana e antieuropeia; valoriza a religião e a submissão pública. E, mais importante para os noticiários de hoje, é expansionista.

          As raízes do eurasianismo residem na Revolução Bolchevique da Rússia, embora muitas das ideias que contém têm histórias muito mais antigas. Depois da Revolução de Outubro de 1917 e da guerra civil que se seguiu, dois milhões de russos anti-bolcheviques fugiram do país. De Sofia para Berlim e então Paris, alguns desses intelectuais russos exilados trabalharam para criar uma alternativa ao projeto bolchevique. Uma dessas alternativas eventualmente se tornou a ideologia eurasiana. Os proponentes desta ideia postularam que os ocidentalizadores e os bolcheviques da Rússia estavam errados; os ocidentalizadores por acreditarem que a Rússia era uma parte (atrasada) da civilização europeia e por pedirem pelo desenvolvimento democrático; os bolcheviques por presumirem que todo o país precisava de uma reestruturação através do confronto de classe e de uma revolução global da classe trabalhadora.

          Em vez disso, os eurasianos destacavam que a Rússia era uma civilização única com seu caminho e missão histórica próprios: criar um centro de poder e cultura diferentes que não fosse nem europeu, nem asiático mas que tenha traços de ambos. Os eurasianos acreditavam na eventual queda do Ocidente e que era hora da Rússia ser o principal exemplo do mundo.

          Em 1921, os pensadores exilados George Florovsky, Nikolai Trubetzkoy, Petr Savitskii e Petr Suvchinsky publicaram uma coleção de artigos intitulados Exodus to the East, que marcou o nascimento oficial da ideologia eurasiana. O livro centrou-se na ideia de que a geografia da Rússia é seu destino e que não há nada que qualquer governante possa fazer para se libertar das necessidades de defender suas terras. Devido à vastidão da Rússia, eles acreditavam, seus líderes precisam pensar imperialmente, consumindo e assimilando as populações perigosas em todas as fronteiras. Enquanto isso, eles consideravam qualquer forma de democracia, economia aberta, governança local ou liberdade secular como altamente perigosa e inaceitável.

          Neste sentido, os eurasianos consideravam Pedro, o Grande - que tentou europeizar a Rússia no século XVIII - um inimigo e um traidor. Em vez disso, ele viam favoravelmente o domínio tártaro-mongol, entre os séculos XIII e XV, quando o império de Genghis Khan havia ensinado os russos ensinamentos cruciais sobre a construção de um estado forte e centralizado e um sistema piramidal de submissão e controle.

          As crenças eurasianas ganharam um forte seguimento na parte politicamente ativa da comunidade emigrante, ou Russos Brancos, que estavam ansiosos para promover qualquer alternativa ao bolchevismo. Entretanto, a filosofia foi totalmente ignorada, e mesmo suprimida pela União Soviética, e praticamente morreu com seus criadores. Ou seja, até a década de 1990, quando a União Soviética desmoronou e a atmosfera ideológica da Rússia estava vazia.

A EVOLUÇÃO DE UM REVOLUCIONÁRIO

          Depois do colapso da União Soviética, ideologias ultranacionalistas estavam decididamente fora de moda. Em vez disso, a maioria dos russos aguardava ansiosamente a democratização e a reintegração da Rússia com o mundo. Ainda assim, restaram poucos elementos profundamente patrióticos que se opunham à dessovietização e acreditavam - como Putin hoje acredita - que o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século. Entre eles estava o ideólogo Alexander Dugin, que era um contribuinte regular do centro analítico ultranacionalista e jornal Den´ (mais tarde conhecido como Zavtra). Sua primeira aparição à fama foi um panfleto de 1991, A Guerra dos Continentes (2), no qual ele descrevia uma permanente luta geopolítica entre dois tipos de poderes globais: os poderes terrestres, ou "Roma Eterna", que são baseados nos princípios de estatismo, comunalidade, idealismo e a superioridade do bem comum, e as civilizações do mar, ou "Cartago Eterna", que são baseadas no individualismo, no comércio e no materialismo. No entendimento de Dugin, a "Cartago Eterna" era historicamente representada pela democracia ateniense e pelos impérios holandês e britânico. Agora, ela é representada pelos Estados Unidos. A "Roma Eterna" é representada pela Rússia. Para Dugin, o conflito entre os dois continuará até que um deles seja completamente destruído - nenhum tipo de regime político e nenhuma quantidade de comércio pode parar isto. E para que o "bom" (Rússia) acabe por derrotar o "mau" (Estados Unidos), escreveu ele, deve haver uma revolução conservadora. 

          Suas ideias de uma revolução conservadora são adaptadas dos pensadores alemães do entreguerras, que promoveram a destruição da ordem liberal individualista e a cultura comercial da civilização industrial e urbana em favor de uma nova ordem baseada em valores conservadores como a submissão das necessidades e dos desejos individuais às necessidades de muitos, uma economia organizada pelo Estado e valores tradicionais para a sociedade baseadas numa visão quase religiosa do mundo. Para Dugin, o principal exemplo de uma revolução conservadora foi a radical República Social Italiana de Salò (1943-45) apoiada pelos nazistas no norte da Itália. Na verdade, Dugin retornou  continuamente ao que viu como virtudes das práticas nazistas e expressou apreço pela SS e o grupo ocultista Ahnerbe de Herman Wirth. Em particular, Dugin elogiou os projetos conservadores-revolucionários ortodoxos que a SS e o Ahnerbe desenvolveram para a Europa do pós-guerra, nos quais imaginavam uma Europa nova e unificada, regulada pelo sistema feudal de regiões etnicamente separadas que serviriam de vassalos aos suseranos alemães. É importante destacar que, entre outros projetos, o Ahnerbe era responsável por todos os experimentos com seres humanos no campos de concentração de Auschwitz e Dachau.

          Entre 1993 e 1998, Dugin se juntou à lenda nacionalista russa Eduard Limonov na criação do agora banido Movimento Nacional-Bolchevique (mais tarde o Partido Nacional-Bolchevique, ou PNB), onde eles se tornou o principal ideólogo de uma estranha síntese de socialismo e ideologia ultradireitista. No final dos anos 1990, ele foi reconhecido com o líder intelectual de todo o movimento ultradireitista da Rússia. Ele tinha sua própria editora, Arktogeya ("País do Norte"), vários sites, uma série de jornais e revistas, e publicou As Fundações da Geopolítica (3), um súbito bestseller que se tornou particularmente popular entre os militares.

          A introdução de Dugin na política convencional veio em 1999, quando ele se tornou conselheiro do parlamentar russo Gennadii Seleznev, um dos políticos mais conservadores da Rússia, por duas vezes presidente do parlamento russo, membro do Partido Comunista e fundador do Partido do Renascimento da Rússia. Neste mesmo ano, com a ajuda de Vladimir Zhirinovsky, líder nacionalista da Rússia e do muito mal nomeado Partido Democrático Liberal da Rússia, Dugin se tornou presidente da seção geopolítica do Conselho Consultivo sobre Seguração Nacional da Duma.

          Mas sua inclusão na política não se traduz necessariamente num maior apelo nas políticas da elite. Para isso, Dugin teve de transformar sua ideologia em algo mais - algo singularmente russo. Ou seja, ele eliminou os elementos mais escandalosos, esotéricos e radicais de sua ideologia, incluindo seu misticismo, e em vez disso se baseou no eurasianismo clássico de Trubetzkoy e Savitskii. Ele começou a trabalhar criando o Movimento Eurasiano Internacional, um grupo que viria a envolver acadêmicos, políticos, parlamentares, jornalistas e intelectuais da Rússia, de seus vizinhos e do Ocidente.

PARA A EUROPA E ALÉM

          Como os eurasianos clássicos das décadas de 1920 e 1930, a ideologia de Dugin é antiocidental, anti-liberal, totalitária, ideocrática e socialmente tradicional. Seu nacionalismo não é eslavo-orientado (embora os russos tenham uma missão especial de unir e liderar), mas também se aplica às outras nações da Eurásia. E rotula o racionalismo como ocidental e assim promove uma visão de mundo mística, espiritual, emocional e messiânica.

          Mas o neoeurasianismo de Dugin difere significativamente do antigo pensamento eurasiano. Primeiro, Dugin concebe a Eurásia como sendo muito maior do que seus predecessores jamais imaginaram. Por exemplo, enquanto Savitskii acreditava que o estado russo-eurasiano deveria se estender da Grande Muralha da China no leste até os Montes Cárpatos no oeste, Dugin acredita que o estado eurasiano deve incorporar todo os antigos estados soviéticos, membros do bloco socialista e talvez mesmo estabelecer um protetorado sobre todos os membros da UE (4). No leste, Dugin propõe ir até a Manchúria, o Xinjiang, o Tibet e a Mongólia. Ele ainda propõe eventualmente que se volte ao sudoeste em direção ao Oceano Índico.

          Para incluir a Europa na Eurásia, Dugin teve de retrabalhar o inimigo. No pensamento eurasiano clássico, o inimigo era a Europa romano-germânica. Na versão de Dugin, o inimigo é os Estados Unidos. Como escreve: "Os EUA são uma cultural quimérica, anti-orgânica e transplantada que não possui as tradições do estado sacro e do solo cultural, mas, no entanto, tenta impor nos outros continentes seu modelo anti-étnico, anti-tradicional [e] babilônico." Os eurasianos clássicos, ao contrário, favoreciam os Estados Unidos e o consideravam até mesmo um modelo, elogiando especialmente seu nacionalismo econômico, a Doutrina Monroe e a sua não associação na Liga das Nações.

          Outro pronto crucial de diferença é sua atitude em relação ao fascismo e a Alemanha nazista. Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, os eurasianos clássicos se opunham ao fascismo e se posicionaram contra o antissemitismo racial. Dugin elogiou o Estado de Israel por aderir aos princípios do conservadorismo, mas também falou de uma conexão entre o sionismo e o nazismo e sugeriu que os judeus só mereceram seu Estado devido ao Holocausto. Ele também divide os judeus em "maus" e "bons". Os bons são ortodoxos e vivem em Israel; os maus vivem fora de Israel e tentam assimilar. Obviamente, nos dias hoje, estes são pontos de vista aos quais ele raramente alude em público.

JOGO DE PUTIN

          Desde o início dos anos 2000, as ideias de Dugin apenas têm ganho popularidade. Sua ascensão reflete a própria transição de Putin de aparente democrata para autoritário. Na verdade, a virada conservadora de Putin deu a Dugin uma chance perfeita de "ajudar" o líder russo com explicações históricas, geopolíticas e culturais apropriadas às suas políticas. Reconhecendo o quão atraentes são as ideias de Dugin para alguns russos, Putin tomou algumas delas para promover seu próprios objetivos.

          Embora de tempos em tempos Dugin tenha criticado Putin por seu liberalismo econômico e sua cooperação com o Ocidente, ele geralmente tem sido o firme aliado do presidente. Em 2002, ele criou o Partido Eurásia, que foi bem recebido por muitos na administração de Putin. O Kremlin há muito tolerou, e mesmo encorajou, a criação de pequenos partidos políticos aliados menores, que dão aos eleitores russos a sensação de que eles realmente vivem numa democracia. O partido de Dugin, por exemplo, fornece um espaço para aqueles com inclinações chauvinistas e nacionalistas, mesmo que o partido permaneça controlado pelo Kremlin. Ao mesmo tempo, Dugin criou fortes laços com Sergei Glazyev, co-líder do bloco patriótico Rodina e atualmente conselheiro de Putin sobre a integração eurasiana. Em 2003, Dugin tentou se tornar deputado parlamentar pelo bloco Rodina, mas falhou.

          Embora sua incursão eleitoral tenha sido um fracasso, a recepção positiva de alguns eleitores a seus projetos antiocidentais encorajou Dugin a prosseguir com o movimento eurasiano. Depois do impacto da Revolução Laranja da Ucrânia em 2004, ele criou a União da Juventude Eurasiana, que promove educação patriótica e antiocidental. Ela possui 47 escritórios de coordenação por toda a Rússia e nove em países da Comunidade do Estados Independentes, Polônia e Turquia. Seu alcance é muito superior ao de qualquer outro movimento pró-democrático existente.

          Em 2008, Dugin se tornou um professor da melhor universidade da Rússia, a Universidade Estatal de Moscou, e chefe da organização sociológica nacional Centro de Estudos Conservadores. Ele também aparece regularmente em todos os principais canais de TV da Rússia, comentando sobre questões domésticas e estrangeiras. Sua exposição só aumentou desde os protestos pró-democracia do inverno 2011-12 e da ação de Putin em torno da mesma época ao criar a União Eurasiana. Sua presença generalizada na vida pública russa é um sinal da aprovação de Putin: a mídia russa, particularmente a televisão, é quase totalmente controlada pelo Kremlin. Se o Kremlin desaprova (ou não utiliza mais) uma pessoa em particular, ele o removerá das transmissões televisivas.

          Dugin e outros pensadores com ideias semelhantes apoiaram de todo o coração a ação do governo russo na Ucrânia, pedindo para ir além e tomar o leste e sul ucraniano, que, escreve ele, "congratula-se com a Rússia, espera por ela, pede para que a Rússia venha." O povo russo concorda. Os índices de aprovação de Putin saltaram no último mês [março de 2014], e 65 por cento dos russos acreditam que a Crimeia e as regiões orientais da Ucrânia são "territórios essencialmente russos" e que a "Rússia está certa em utilizar a força militar para defender a população." Dugin, então, provou ser um ótimo recurso para Putin. Ele popularizou a posição do presidente em questões como os limites à liberdade pessoal, uma compreensão tradicional da família, a intolerância à homossexualidade e a centralidade do cristianismo ortodoxo no renascimento da Rússia como uma grande potência. Mas a sua maior criação é o neoeurasianismo.

          A ideologia de Dugin influenciou toda uma geração de ativistas conservadores e radicais e políticos, que, se tivessem a chance, lutariam para adaptar seus princípios fundamentais à política de Estado. Considerando a pobre situação da democracia russa e o contínuo afastamento do país de ideias e ideais ocidentais, pode-se dizer que as chances de ver o neoeurasianismo conquistar novo terreno está crescendo. Embora a fórmula de Dugin seja altamente teórica e profundamente mística, ela está provando ser uma forte concorrente para o papel de principal ideologia da Rússia. Se Putin pode controlá-la, assim como controlou muitas outras fórmulas, é uma questão que pode determinar sua durabilidade.

* Traduzi o adjetivo "eurasianist" como "eurasiano" para simplificar a tradução. 
(1) Analistas do Eurasia, da Foreign Policy Initiative
(2) O panfleto virou livro com o título A Grande Guerra dos Continentes.
(3) Não há o livro em português. Em inglês está pelo título Foundations of Geopolitics.
(4) O vídeo que estava marcado neste trecho foi retirado do Youtube. Mas neste outro vídeo Dugin afirma, de forma direta, que a Rússia deveria anexar a Europa. Diz ele, a partir de 1:06: "...nós precisamos ocupar a Europa, conquistar e anexar."