sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O caso Litvinenko e o aprofundamento das divergências entre Londres e Moscou

(Alexander Litvinenko, em novembro de 2006 sem cabelo e no leito do hospital onde faleceu.)

Neste dia 21 saiu  "O Inquérito Litvinenko", documento publicado pela Casa dos Comuns de Londres baseado nas investigações sobre a morte do ex-agente da KGB e FSB Alexander Litvinenko em novembro de 2006.

O inquérito afirma na conclusão que é certo que dois agentes da FSB, Andrey Lugovoy e Dmitri Kovtun, agiram na intenção de envenenar Litvinenko, que o então chefe da FSB, Nikolai Patrushev, provavelmente ordenou seu assassinato, e que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, provavelmente aprovou a ação.

(University College Hospital, em Londres, onde Litvinenko foi internado para tratamento.)

Obviamente tal inquérito explodiu como uma bomba tanto no Reino Unido quanto na Rússia. O uso do material radioativo para matar Litvinenko, o polônio-210, só pode ser produzido por reatores nucleares e, portanto, vir de um país que possui capacidade de fabricar os equipamentos. Não poderia haver envenenamento por polônio sem um suporte estatal. Esta era a suspeita do então governo trabalhista de Tony Blair à época da morte de Litvinenko, suspeita compartilhada pelo atual governo conservador de David Cameron.

O ex-espião atuava como investigador e crítico de Putin, e teria colaborado com o MI6, o serviço secreto britânico. Ele teria sido expulso da FSB pelo próprio Putin depois de conceder uma entrevista a um jornalista russo onde expunha o trabalho sujo do serviço secreto que tinha entre seus objetivos matar diversas figuras proeminentes do país. Com esta denúncia pública, Litvinenko colocava a própria vida em risco, bem como de sua família. Disse ele: "Mas agora chegou eu acredito que a hora chegou [de contar o que faz a FSB]. Se eu estivesse com medo, eu não faria o que faço agora. Mas eu temo pela vida de minha mulher, minha filha" [tradução live]. Com ajuda de Bóris Berezovsky, adversário de Putin, Litvinenko fugiu para o Reino Unido em 2000 onde conseguiu asilo político. Quando estava no hospital tentando se recuperar, o ex-espião acuso Putin de ter ordenado pessoalmente sua morte.

Como era de se esperar, as já antagônicas relações entre Reino Unido e Rússia pioraram. David Lidington, secretário de Estado para a Europa, disse que o inquérito piora ainda mais as relações entre os dois países, e exigiu que a Rússia dê uma resposta e se responsabilize pelo ato. O embaixador russo em Londres, Alexander Yakovenko, também endossou a piora das relações e disse que a conclusão do inquérito era "absolutamente inaceitável", deduzindo disto que as exigências feitas pelo governo britânico à Rússia são igualmente inaceitáveis. O porta voz do Kremlin, Dmitry Peskov, desqualificou as conclusões do inquérito dizendo que são baseadas em suposições, e que tal postura contraria a prática legal russa de investigação. As supostas falhas grosseiras da investigação foram tema de um artigo publicado na Sputnik, imprensa oficial russa notória por sua defesa do governo e por suas repetidas críticas ao Ocidente, que afirma que o procedimento teve motivações políticas, foi instrumentalizado para fazer propaganda contra Putin e a Rússia e que sua publicação neste momento aumenta ainda mais a pressão sobre Moscou a respeito de sua intervenção militar na Síria.

(Emblema do Serviço de Segurança Federal da Federação Russa - FSB - e o logo do Serviço Secreto de Inteligência britânico - MI6)

Como sugere um pesquisador da Catham House de Londres, apesar de Reino Unido e Rússia estarem envolvidos numa crescente cooperação do campo educacional e cultural e de haver mais de mil empresas britânicas atuando na Rússia (bem como muito dinheiro russo investido na City londrina), existe pouca boa vontade de ambas as partes de melhorar as relações de Estado para Estado. Londres e Moscou têm um histórico de rivalidade que remonta principalmente ao Grande Jogo, período do século XIX em que o Império Britânico e o Império Russo mediam forças no domínio sobre a Ásia Central, e desde então estão quase sempre em lados opostos nas questões políticas globais. Como lembra o pesquisador, apesar de uma potencial cooperação na questão do terrorismo e na proliferação das armas de destruição em massa, há um hiato de valores entre ambos países, a exemplo da recorrentes acusações de governo britânico sobre as violações dos direitos humanos por Moscou na Chechênia. Também há um histórico de escândalos de espionagem de ambas as partes sobre a atuação dos serviços secretos britânico e russo em território alheio, e uma massiva propaganda antibritânica na Rússia. Em 2006, mesmo ano da morte de Litvinenko, o Kremlin tentou a extradição de Boris Berezovsky, adversário político de Putin então exilado em Londres, sem sucesso. O mesmo agora ocorre com os espiões acusados de matar Litvinenko, cuja crise política resultou na expulsão de ambos diplomatas russo e britânico. Desde então a relação formal entre Reino Unido e Rússia é incipiente. Também é recorrente a existência de pedidos de asilo políticos de russos para o Reino Unido. Berezovsky morreu em março de 2013 sem ser extraditado.

Certamente divulgação do Inquérito Litvinenko piorará ou pelo menos fortalecerá os problemas de relacionamento entre Londres e Moscou. Quando estive em Londres em 2015, tomei o conhecimento de que quando os britânicos vão ao continente europeu eles dizem estar "indo à Europa". É um sinal claro de que, quanto à Europa (e mais ainda à Rússia), Londres prefere preservar sua autonomia em relação ao restante do continente, vide às resistências de adotar a livre circulação de pessoas dentro da União Europeia e a preservação da libra esterlina como moeda. A aliança preferencial do Reino Unido é os Estados Unudos. Não é à toa que Moscou vê Londres não como um potencial aliado, mas um tradicional opositor de sua estratégia eurasiana de cooptar os europeus à sua esfera e combater o poder de Washington. O caso Litvinenko apenas reforça esta constatação.