quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Putin tenta ganhar tempo na Ucrânia

(Christine Lagard, diretor geral do FMI, e Vladimir Putin, presidente da Rússia num dos diversos encontros paralelos realizados no encontro do G20.)


O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou de surpresa, no dia 16 de novembro durante o encontro do G20 na Turquia, que estava disposto a negociar com a Ucrânia a reestruturação de sua dívida de U$ 3 bilhões que venceria dia 20 de dezembro. A proposta é oferecer à Kiev a possibilidade de pagar sua dívida em três vezes, um bilhão a cada ano até 2018.

Moscou, porém, considera que o empréstimo realizado à Ucrânia no final de 2013 ainda no governo Yanukovich é uma negociação entre Estados e não aceita a reestruturação da dívida nos moldes dos credores comerciais tal como afirma Kiev. Isto implicaria possivelmente perda financeira para a Rússia, a exemplo de uma das renegociação que o governo ucraniano realizou com o fundo de gestão de investimentos Franklin Templenton, que reduziu em 20% o valor total de U$ 15 bilhões a ser pago. É este tipo de reestruturação proposto pelo FMI para que o fundo conceda novos empréstimos à Ucrânia.

 (Barricada e mensagens antiocidentais colocada por militantes pró-Rússia em frente à sede do governo em Donbass. Conflito na região já deixou mais de 8 mil mortos e mais de 1,4 milhão de desabrigados.)

O aceno de Putin à Ucrânia é mais do que mera necessidade financeira, vide a crise econômica que deve derrubar o PIB russo em 3,5% neste ano. É também estratégico. Primeiro, ele busca um aparente relaxamento das tensões entre russos e ocidentais, principalmente por terem, apesar dos diversos atritos, um inimigo em comum a ser combatido: o extremismo islâmico. O anúncio ocorreu num evento de grande visibilidade como o encontro do G20 e a três dias após os atentados em Paris que deixaram 130 mortos. Mas o mais importante, como sugere o jornalista da Rádio Europa Livre, Brian Whitmore, é que Putin está tentando ganhar tempo no conflito na Ucrânia. Nos últimos dias o conflito tem se intensificado na região de Donbass mesmo após as negociações de paz em mais um dos muitos vaivéns da crise. A estratégia russa de anunciar uma tentativa de acerto da dívida  justamente após os chocantes atentados de Paris durante uma das mais importantes reuniões de líderes mundiais é a ocasião perfeita para Moscou desviar a atenção da Ucrânia. Quem olhará para um conflito que se arrasta à conta gotas e que é de interesse vital para o projeto eurasiano dos russos enquanto o mundo está voltado às questões econômicas típicas dos encontros do G20 e ao mesmo tempo aterrorizado com o massacre na França? Evidentemente saltam aos olhos do mundo a mortandade surpreendente, não uma guerra que se arrasta de forma discreta e indefinida.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O cavalo de Tróia russo e a ação do FMI na disputa pela Ucrânia



Quando o governo do ex-presidente da Ucrânia, Victor Yanukovich, suspendeu as negociações para avançar o Acordo de Associação com a União Europeia e firmou um acordo com a Rússia, estopim da crise que se abateu sobre o país a partir de novembro de 2013, uma das vantagens oferecidas pelo governo russo foi o empréstimo de U$ 15 bilhões a Kiev, além de desconto no preço do gás. Na ocasião, Moscou chegou a emprestar inicialmente U$ 3 bilhões, mas o governo Yanukovich foi derrubado e o empréstimo foi suspenso. A dívida dos U$ 3 bilhões ainda não foi paga, e seu vencimento ocorrerá mês que vem.

O empréstimo russo apenas fortaleceu a oposição que foi às ruas, que via neste laço financeiro uma dependência de Moscou. Com a crise provocada pelos protestos, a queda de Yanukovich, a ocupação da Crimeia pela Rússia e o conflito armado em andamento no leste do país, além do histórico de corrupção e má administração, a Ucrânia projeta uma queda de até 9,5% no seu PIB (o FMI fala em 11%) neste ano tendo caído mais de 12% no período 2014-15.

(O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, e a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, num encontro em setembro deste ano.)

O FMI, como de costume, propõe uma série de reformas econômicas, administrativas e financeiras para conceder empréstimos ao país (detalhes dos ajustes e dados gerais da economia ucraniana de março/2015 aqui). Em julho o Fundo aprovou a liberação da primeira parcela no valor de U$ 1,7 bilhão de um total de U$ 17,5 bilhões em ajuda ao longo de quatro anos. Dentre as prerrogativas do empréstimo está a negociação das dívidas com credores internacionais que somam U$ 15 bilhões. E dentre eles está o empréstimo ainda não pago de U$ 3 bilhões à Rússia.

A dívida pendente com a Rússia é o calcanhar de aquiles do atual projeto de empréstimos do FMI à Ucrânia e, em última instância, um mecanismo arrasto da Ucrânia à órbita de Moscou ao mesmo tempo em que este busca cortar a influência do Ocidente sobre Kiev.



Como sugere uma reportagem da Rádio Europa Livre, o empréstimo rápido inicial da Rússia à Ucrânia foi o "cálice envenenado" que agora ameaça a capacidade do país que quitar suas dívidas, um cavalo de Tróia que garantiria influência de Moscou em Kiev. Com a economia em grave crise, altamente endividada e desorganizada, os ucranianos tendem a perder ainda mais confiança no mercado internacional e afugentar investimento estrangeiro, como coloca o relatório do FMI. Segundo as regras do Fundo, um país membro não pode receber empréstimos enquanto estiver endividado com países ou credores. A solução seria, ou o pagamento da dívida (o que não é possível até sua data limite, mês que vem), ou a sua reestruturação. A Rússia, porém, está buscando bloquear futuros empréstimos à Kiev através da não renegociação de sua dívida. Moscou alega que o dinheiro a ser pago é de Estado para Estado, ao passo que a Ucrânia considera esta mesma dívida relacionada a credores comerciais. Em suma, para os russos a dívida é "oficial", mas os ucranianos ela é "comercial". Com a recusa russa de sentar-se à mesa, o primeiro-ministro da Ucrânia ameaçou dar um calote na Rússia.

Sendo a Ucrânia pivô de uma crise mais ampla, o Ocidente reagiu por meio do FMI: o Fundo, cujos votos no Conselho Executivo é comandado principalmente por americanos e aliados, está buscando mudar as regras de empréstimo internacional para permitir que países endividados possam receber ajuda financeira. Desta forma a Ucrânia estaria livre para receber dinheiro do FMI mesmo com a dívida pendente com os russos. A expectativa é que as mudanças nas regras sejam anunciadas no encontro do G-20 na Turquia ainda neste mês.  

O FMI já havia perdoado U$ 3,8 bilhões da Ucrânia em 27 de agosto passado como forma de estimular as reformas internas para pagar sua dívida externa. Um corte bastante generoso numa época em que parte do Ocidente passa por uma crise econômica, mas que parece se justificar por razões geopolíticas, isto é, de afastar a Ucrânia da Rússia. Para Kiev foi um "ganho" maior do que o dinheiro depositado por Moscou na esteira de crise que derrubou Yanukovich.

A economia da Ucrânia não deve retomar seu desenvolvimento tão cedo. O relatório do FMI projeta que o PIB do país atingirá o patamar do final da era soviética só em 2019. Isto se tudo der certo, segundo o desejo do Fundo. Mas como a crise na Ucrânia provou, o jogo pesado da Rússia não está nas finanças, mas no seu hard power. O mecanismo financeiro é apenas um ponto menor de tensão para um país que está disposto, a julgar por seu revisionismo nacionalista, sua ação na Crimeia e na recente intervenção na Síria, de ir bem além do que os líderes ocidentais esperam. Isto apesar da crise econômica na própria Rússia. Ainda há muitos capítulos pela frente. Resta saber qual dos lados suportará o desgaste de longo prazo.