quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Acordo entre Grécia e Macedônia contraria a Rússia. O que Moscou tem a ver com isso?

(Os primeiros-ministros Zoian Zaev, da Macedônia, e Alexis Tsipras, da Grécia, observam os ministros das relações exteriores assinarem o Acordo de Prespa.)

          Tudo indica que a relação entre Grécia e Rússia piorou nos últimos meses. A causa seria o Acordo de Prespa, que os gregos fecharam com a Macedônia, e os efeitos disto para a geopolítica da região, tradicionalmente influenciada pelos russos há pelo menos duzentos anos.

          O Acordo de Prespa, assinado em 17 de junho de 2018, resolveu uma disputa entre Grécia e Macedônia sobre o nome deste último país. Atenas reclamava que a nomenclatura era referência à região histórica ao norte de seu território na fronteira com a Macedônia, e poderia haver reivindicação dos vizinhos quanto à posse da área. Com o acordo, o país terá de tomar uma série de medidas administrativas e passará a se chamar República da Macedônia do Norte (ou Setentrional).

          Com efeito, o pequeno país dos Bálcãs poderá pleitear a entrada na UE e na OTAN, tornando-se o 30º membro da aliança militar. O último país a ingressar na aliança foi o pequeno Montenegro, em abril de 2017, com apoio dos EUA. O não-bloqueio da entrada da Macedônia nessas duas organizações é o único compromisso grego no acordo.

          É aí que mora o problema entre Grécia e Rússia. A OTAN é a principal adversária militar de Moscou, e foi o acordo fechado com a Grécia que tornou viável a entrada da Macedônia. Devido à disputa pelo nome, Atenas vinha bloqueando a entrada de Skopje tanto na OTAN quanto na União Europeia. 

          Pouco antes de fazer sua viagem à Sérvia em 17 de janeiro, Vladimir Putin disse que o acordo foi conseguido por pressão política. Neste caso, do Ocidente. Isso num país cujo regime democrático ainda é frágil. E que a entrada na OTAN deve trazer mais instabilidade numa região já instável. Não é necessário repetir aqui que a principal dor de cabeça do Kremlin é a aliança militar do Ocidente. Qualquer movimentação da organização provoca reação do lado oposto. E vice-versa.


          Para termos em mente a sensibilidade da região na disputa entre OTAN e Rússia, relembremos o caso de Montenegro que comentei neste blog. De setembro de 2015 até pelo menos maio de 2016, diversos protestos irromperam em Montenegro contra o governo, que então pleiteava a entrada OTAN. Os manifestantes reclamavam deste plano, bem como o cerceamento à liberdade de imprensa, a falta de democracia e pediam a renúncia do então primeiro-ministro Mila Djukanovic, há mais de vinte anos no poder. Acontece que os principais líderes da oposição eram favoráveis a uma proximidade com a Rússia, e foram a Moscou buscar apoio político para a mudança de governo. Prometeram pôr fim às sanções econômicas contra os russos e fazer de Montenegro um país "neutro" entre uma Sérvia aliada de Moscou e países europeus vinculados à OTAN e a UE. 

          Em 16 outubro de 2016, Djukanovic sofreu uma tentativa de golpe de Estado. Alguns de seus perpetradores foram presos. Alguns membros do grupo eram russos e/ou fugiram para a Rússia. Apesar da grande tensão, Montenegro ingressou na OTAN em abril de 2017

          Voltando à Grécia, o mal-estar com a Rússia causou a debandada do partido Gregos Independentes da coalização governista composta com o bloco Syriza do primeiro-ministro Alexis Tsipras. Uma aliança incomum, dado que o GI é um partido de perfil fascista e o Syriza um bloco de esquerda e extrema-esquerda. 

          Como comentei em duas postagens em junho de 2015 (aqui e aqui), o Kremlin foi um dos responsáveis pela costura desta aliança e considerava Tsipras como um firme aliado da Rússia. Uma lista de fatores vinculavam Atenas a Moscou: o governo eleito em janeiro de 2015 fechou um acordo de vendas de gás com a Gazprom em fevereiro e acertou a extensão do gasoduto Turkish Stream, da mesma empresa, até a Grécia em junho; em 2016, o Syriza votou contra as sanções econômicas da UE contra Moscou no Parlamento Europeu; em 2013, Alexander Dugin esteve na Grécia para uma palestra a convite do futuro ministro grego das relações exteriores, Nikos Kotzias, defendendo fazer da Grécia uma meio de influência da Rússia no bloco europeu, e noutra ocasião sugeriu o nome de Tsipras para o governo grego. 

          Konstantin Malofeev, oligarca promotor da política externa do Kremlin sob sanções econômicas da UE, foi o financiador dos contatos de Dugin na Grécia. Já um dos deputados do Gregos Independentes era presidente de Aliança Grego-Russa, organização voltada à promoção das relações entre os dois países. Tanto Tsipras quanto membros do GI estiveram diversas vezes na Rússia prometendo levantar as sanções econômicas e promover uma aliança com Moscou.      

          Portanto, o acordo da Grécia com a Macedônia não apenas ia contra ao histórico de proximidade entre gregos e russos, como atingiu a coalização governista e os planos do Kremlin para a Europa. Novamente, o pivô de toda a história era o grande adversário russo, a principal barreira às forças do oriente, a OTAN.

Nenhum comentário:

Postar um comentário