segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O filósofo mais perigoso do mundo (por Paul Ratner)

(Dugin manejando um lançador de foguetes na Ossétia do Sul, Geórgia, pouco antes da Guerra Russo-Georgiana em agosto de 2008.)

         O texto a seguir foi escrito em 2016 pelo escritor e cineasta Paul Ratner, contribuinte do site Big Think, e discute as ideias do filósofo russo Alexander Dugin. A importância do texto está no destaque que Ratner dá ao conteúdo escatológico da filosofia de Dugin e os paralelos entre seu pensamento e os últimos acontecimentos da política russa. Segundo o autor, o governo Putin está colocando em prática as ideias do filósofo, razão pela qual considera que "é difícil não levar as ideias de Dugin a sério".

          Mantive os links de referência e as fotos originais publicadas no texto e fiz alguns observações no final. A tradução é minha. 

          Boa leitura.

       O filósofo mais perigoso do mundo

        As relevações sobre o envolvimento da Rússia no hackeamento dos funcionários do Partido Democrata, com a intenção de fazer Trump vencer Hillary, adicionou mais combustível a um ciclo eleitoral já exaustivo e extenuante. Por que a Rússia faria isso, especialmente já que se revelou que o presidente russo Vladimir Putin provavelmente estava dirigindo pessoalmente a operação? Entre com Alexander Dugin, o cientista político conhecido como "Rapustin de Putin" ou "Cérebro de Putin", bem como um fascista ocultista. Ele é também um professor de sociologia na prestigiosa Universidade Estatal de Moscou*, um escritor prolífico, um assessor de figuras-chave de membros política e do meio militar e um articulador de uma filosofia nacionalista sancionada pelo Kremlin
          
          Ele também esteve na lista de sanções americanas após a aquisição da Crimeia pela Rússia, por defender o assassinato de ucranianos, entre outras coisas.**

        Não que Dugin seja pessoalmente responsável pelos hackeamentos, que atualmente são explicados como uma vendeta pessoal de Putin contra Clinton. Mas a influente filosofia de Dugin se alinha muito bem com o que parece ter acontecido e oferece uma excelente abordagem sobre o tema e em futuros conflitos com a Rússia. Provavelmente há motivos muito mais profundos por trás das ações russas.

          Alexander Dugin é ao mesmo tempo sociólogo, historiador e filósofo. Você pode encontrar várias de suas exposições on-line no Youtube, embora ajudaria se você soubesse russo. Ele mesmo fala dez línguas. Entre suas muitas opiniões controversas, ele expressou visões profundamente anti-científicas, pedindo a proibição da química e da física. Ele também se livraria da internet***, uma visão anti-tecnológica que, em última análise, decorre do seu desejo de dar um fim no mundo como o conhecemos.  

(Crédito: Dugin.ru)

        O que ele propõe é que havia três principais teorias políticas que impactaram o mundo no passado relativamente recente - o capitalismo liberal ou "liberalismo", o comunismo e o fascismo. De acordo com Dugin, os EUA são o líder do liberalismo, o qual oferece liberdade, uma abordagem racionalista e uma concorrência de mercado.

        Embora o liberalismo tenha sido a ideologia vitoriosa até agora, triunfando sobre o fascismo em 1945 e o comunismo em 1991 (quando a URSS se dissolveu), Dugin pensa que agora ele também experimenta uma crise fatal. Ele acredita que os próprios liberais seriam os primeiros a afirmar isto. Dugin considera que o liberalismo está próximo de um beco sem saída, atolado atualmente num "estágio pós-moderno niilista" porque está tentando se libertar do pensamento racional e da opressão do cérebro, que para um liberal é "algo fascista em si". Dugin dá um passo além, afirmando o liberalismo de hoje como algo que está tentando libertar os órgãos do corpo do controle do cérebro, aludindo à sua aceitação pela comunidade LGBT. 

          Aqui está como ele explica esse racioncínio:
"O liberalismo insiste na liberdade e na libertação de qualquer forma de identidade coletiva. Esta é a própria essência do liberalismo. Os liberais tem libertado o ser humano da identidade nacional, da identidade religiosa e assim por diante. O último tipo de identidade coletiva é o gênero. Então, há tempo de aboli-lo fazendo-o arbitrário e opcional".
          O que Dugin propõe em vez do que ele vê como três ideologias mortas e moribundas é sua "Quarta Teoria Política". Ela criaria um modelo político totalmente alternativo, contra o "progresso" da história mundial tal como é. Não seria baseada nas questões de individualismo, nação ou nacionalismo. Dugin vê essa teoria como parcialmente baseada no trabalho do filósofo existencial alemão Martin Heidegger, controverso com sua associação com o nazismo. Sua filosofia apresenta uma raiz da autoconsciência humana (chamado por Heidegger de dasein) a ser salva no mundo, já que tem sido diluída pelo espaço moderno pela tecnologia essencialmente desumanizadora.

          Já que essa raiz do ser difere de pessoa a pessoa e de cultura para cultura, o mundo deveria ser caracterizado por uma divisão de poder multipolar, ao contrário de uma superpotência nos EUA. Encontrar uma maneira de implementar uma forma tão nova de ver o mundo, segundo Dugin, seria retornar a um senso de identidade que os humanos têm perdido em todo o mundo.

          Dugin contrasta sua teoria de um mundo multipolar com o que ele (e teóricos da conspiração no mundo inteiro) vê como uma movimento em direção à criação de um "governo mundial" liderado por "elites globalistas" dissimuladas, que estão dispostas a privar as pessoas de um senso de identidade e subjugá-las às suas necessidades corporativas.

          Neste mundo de um certo número de superpotências regionais, qual seria o papel da Rússia? Dugin vê a Rússia como a nação líder na União Eurasiana e fundou o Movimento Eurasiano Internacional para alcançar este objetivo.

          O que é a Eurásia? Basicamente, é o território da antiga União Soviética. Dugin pensa que a União Soviética apenas tomou de volta as fronteiras de uma histórica união de povos e etnias que estavam lá desde o Império Russo. Como a Rússia é um país de cultura e destino únicos, é sua missão criar um centro de poder que tenha elementos da Europa da Ásia, os dois continentes abraçados pela expansividade do país.
"O Ocidente sabe pouco ou nada sobre a real história da Rússia. Às vezes eles pensam que a União Soviética era puramente uma criação comunista e estados como Ucrânia, Cazaquistão ou Azerbaijão eram independentes antes da URSS e foram conquistados pelos bolcheviques ou forçados a entrar no estado soviético," diz Dugin. "O fato é que eles nunca existiram ou representaram como tais, mas como distritos administrativos sem qualquer significado político ou cultural dentro do Império Russo, bem como dentro da URSS. Estes países foram criados artificialmente em suas atuais fronteiras apenas depois do colapso da URSS e como resultado deste colapso".  
          Assim, o objetivo do estabelecimento da União Eurasiana seria essencialmente corrigir um erro histórico e trazer de volta um império bem sucedido que existiu ainda antes da União Soviética. A recente aquisição da Crimeia pela Rússia e demais projetos na Ucrânia parecem ser uma parte lógica de tal plano.

          Dugin vai ainda mais fundo em sua muito controversa análise histórica, afirmando que o atual oponente da Eurásia não é apenas os Estados Unidos, mas o Atlanticismo, o eixo de cooperação entre Europa, EUA e Canadá que cruza o Oceano Atlântico. Essas nações marítimas e liberais valorizam a individualidade e as forças de mercado.         

          A Eurásia, por outro lado, representa a filosofia conservadora do continentalismo terrestre, que de acordo com os eurasianistas tem entre seus valores a estrutura hierárquica, a lei e a ordem, o tradicionalismo e a religião.

          Portanto nós temos Atlantis versus Eurásia. De fato, Dugin afirma que toda a história pode ser vista como uma batalha entre as nações marítimas e terrestres.     

        O que Dugin pensa sobre a vitória de Trump? Ele esteve muito entusiasmado com Trump ao longo de todo o processo eleitoral, para dizer o mínimo, descrevendo-o desta forma para destacar porque Trump é uma "sensação" que pode enfrentar as elites globalistas:
"[Donald Trump] é difícil, grosseiro, fala o que pensa, rude, emocional e, aparentemente, sincero. O fato de que ele é bilionário não importa. Ele é diferente. Ele é um americano comum extremamente bem sucedido..."  

          Dugin acha que a vitória de Trump é um golpe monumental contra os "globalistas", cuja candidata era Hillary Clinton - a mesma linguagem que você pode facilmente encontrar em apimentados sites americanos conservadores como Breitbart News, Drudge Report e o rei da conspiração Alex Jones (um dos favoritos de Dugin). Ele acha que a vitória de Trump foi um tipo de "revolução" iniciada pelo povo americano e deve levar a derrotas mundiais da agenda globalista, drenando o proverbial "pântano" em todo o mundo.   

          Entretanto, Dugin não para aí. Suas visões sobre qual é o significado da vitória de Trump implicam em mergulhar numa mudança apocalíptica e civilizacional:
"Nós precisado retornar ao Ser, ao Logos, à ontologia fundamental (de Heidegger), ao Sagrado, à Nova Idade Média - e portanto ao Império, à religião e às instituições da sociedade tradicional (hierarquia, culto, domínio do espírito sobre a matéria e assim por diante). Todo o conteúdo da modernidade é Satanismo e degeneração. Nada tem valor, tudo está para ser eliminado. A Modernidade está absolutamente errada - ciência, valores, filosofia, arte, sociedade, modas, modelos, 'verdades', compreensão do Ser, do tempo e do espaço. Tudo está morto com a Modernidade. Portanto ela deve acabar. Nós vamos acabar com isso."
          Está certamente não seria a primeira vez na história recente que um russo pensou que tudo está errado e que o mundo precisa ser completamente purgado. Nós sabemos como isso terminou. E os elementos sobrenaturais de algumas coisas que Dugin está dizendo, junto com sua barba, talvez mereçam a comparação com Rasputin. Mas Dugin acredita que medidas concretas deveriam ser tomadas para realizar sua visão de mundo? 

          Curiosamente, antes da vitória de Trump, influentes porta-vozes conservadores americanos, como a National Review, estavam alertando para as intenções da Rússia, destacando especificamente a ameaça que a ideologia de Dugin representava, chamando o eurasianismo de "um culto satânico". Agora que Trump venceu e que a Rússia estava implicada na interferência eleitoral, eles não estão tão interessados em abordar esta questão.

          Será que Putin realmente ouve Dugin. Acadêmicos e comentaristas dizem que sua ideias são levadas à sério por pessoas no círculo de Putin e sua crescente popularidade coincide com o autoritarismo e as ações em andamento de Putin. Notavelmente, em 2008 Dugin veio em apoio à tomada da Geórgia pelas tropas russas e se inflamou durante o conflito Rússia-Ucrânia de 2014, pedindo pelo massacre de ucranianos e a anexação de terras ucranianas que eram parte do antigo Império Russo.

          Para saber o que Dugin deve especificamente defender, podemos olhar seu livro mais vendido "O Fundamento da Geopolítica" de 1997, que teve particular sucesso entre os militares russos e de acordo com a Foreign Policy (e as próprias palavras de Dugin) é designado para leitura nas universidades militares russas.       

          O livro descreve uma perspectiva para a Rússia no século XXI que levaria à formação da Eurásia, mas também inclui estratégias específicas para derrotar ou neutralizar os EUA. Estas incluem campanhas de desestabilização e desinformação utilizando as forças especiais russas e a guerra assimétrica, dividindo as alianças entre os EUA e países como Alemanha e França, bem como a fermentação da divisão dentro do próprio país, destacando especialmente as relações raciais. Na página 367 da primeira edição do livro, Dugin explica:     
"É especialmente importante introduzir desordem geopolítica dentro da atividade interna americana, encorajando todos os tipos de separatismos e conflitos étnicos, sociais e raciais, apoiando ativamente todos os movimentos dissidentes - grupos extremistas, racistas e sectários, desestabilizando, portanto, os processos políticos internos nos EUA. Também fazeria sentido apoiar simultaneamente as tendências isolacionistas na política americana..." 
          Depois de nossas eleições hiper-divisivas, cheia das calamidades descritas acima, diante de uma investigação cada vez mais aberta sobre interferência russa em nossa mais estimada instituição democrática, é difícil não levar à sério as ideias de Dugin. Com a vitória de Trump, Dugin recuou um pouco em pintar os EUA como inimigo número um. Também foi relatado que o relacionamento entre Dugin e Putin pode ter esfriado recentemente, com Dugin criticando Putin por ser "muito lento" em realizar sua visão de mundo. Mas, olhando os fatos com os pés no chão, é possível concluir que Putin ainda pode estar jogando um longo jogo orientado à Eurásia, que não vai se encerrar apenas nos embaraçosos e-mails do Wikileaks. Especialmente à luz do fato de que agora os EUA se encontram numa posição vulnerável, buscando por uma filosofia unificadora e por um caminho a seguir.

          Aqui está um artigo sobre Dugin e seu livro feito por John B. Dunlop do Hoover Institution. Se você sabe russo, você pode ler o livro aqui.     

* No site Academia.edu, Dugin apresenta-se como membro da universidade.

** Também consta na lista ampliada de sanções do Canadá publicada em 2015. Em maio de 2016, ele chegou a ser barrado de entrar na Grécia, território da União Europeia, a pedido de autoridades húngaras, mas logo foi liberado. Dugin não está na lista de sanções do bloco.

*** De acordo com uma reportagem publicada pela agência de notícias BalticInfo através de sua filial em São Petersburgo, numa palestra realizada nesta cidade em junho de 2012 Dugin declarou, para espanto da platéia, que "se nós quisermos dar um fim no Ocidente, temos que dar um fim nos textos de química e física". Sobre a internet, o filósofo russo afirmou que "uma pessoa envolvida numa rede, e não numa organização territorial, torna-se um cidadão do mundo depois de usar a internet". De acordo com o jornalista Vladislav Golyanov, autor da reportagem, a palestra de Dugin versou sobre o confronto entre o Ocidente e os Estado nacionais, e suas declarações sobre as ciências e a internet ocorreu dentro de uma perspectiva religiosa. Disso se deduz que as ciências química e física e a internet devem ser combatidas no contexto da guerra contra o Ocidente. (O texto do link está traduzido do russo para o inglês pelo Google Translator.)  

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