(Ocidente e Rússia: pouco amigos.)
Não pretendo aprofundar os fatos a seguir, mas dar um panorama geral de como os últimos eventos podem afetar a relação da Rússia com o Ocidente e contribuir para a compreensão do clima político que envolve esta relação.
(União Europeia renovou por mais seis meses as sanções econômicas contra a Rússia. Sinal vermelho para o Kremlin.)
Em 15 de junho União Europeia renovou por mais seis meses as sanções econômicas contra a Rússia por sua atuação no conflito na Ucrânia. A medida afeta personalidades da política e da economia e investimentos russos no continente e são válidas até 31 de janeiro de 2017. Nada de novo neste aspecto já que a renovação era esperada. Como resposta, a Rússia anunciou aplicar o princípio de reciprocidade e irá impor sanções à importação de alimentos da Europa. Há uma falta de perspectiva de suspensão das sanções.
(Legisladores no senado de Chipre na capital, Nicósia: país de tradição ortodoxa de históricas relações com a Rússia.)
Em compensação há movimentos dentro de alguns países que questionam a eficácia das sanções e pressionam a União Europeia para suspendê-las. Tais questionamentos partem de grupos eurocéticos e/ou pró-Rússia. Um deles é Chipre. Em 7 de julho seu parlamento pediu o fim das sanções dizendo que elas prejudicavam o comércio entre os dois países, eram contraproducentes, "inaceitáveis" e que os alvos das sanções eram pessoas amigas do país. A Itália também posicionou-se contra a renovação das sanções. A resolução foi adotada em 27 de junho pelo senado à pedido da Liga Norte, partido de estreitas ligações com o Kremlin (a Liga também pediu que o senado reconhecesse oficialmente a Crimeia como território russo, mas esta resolução foi negada). Outros dois partidos pró-Rússia, Cinco Estrelas e Força Itália, também apoiaram a resolução. E há algumas semanas governos regionais italianos têm pedido a suspensão das sanções. Outro país que tomou a mesma medida foi a Grécia, cujo governo de Alexis Tsipras, da coalização esquerdista Syriza, têm se oposto sistematicamente às sanções contra a Rússia. Durante uma visita de Putin ao país no final de maio, Tsipras declarou mais uma vez ser firmemente contra tais sanções. O Syriza governa a Grécia junto com o partido de extrema-direita Gregos Independentes, também pró-Rússia. Membros de ambos partidos possuem estreitas ligações com o Kremlin, como já comentado neste blog.
(Logotipo do encontro da OTAN em Varsóvia com as bandeiras dos países membros.)
(Vladimir Putin com o primeiro-ministro finlandês, Salui Niinisto: o presidente russo foi claro no que pensa sobre uma possível integração da Finlândia à OTAN.)
(Bicampeã olímpica em Atenas e Pequim, tricampeã mundial e tetracampeã mundial indoor no salto com vara: para Yelena Isinbayeva o banimento dos russos do atletismo é o "funeral" do esporte e "uma evidente ordem política".)
Nos esportes a Rússia também teve prejuízos. No dia 17 de junho, a Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF, sigla em inglês) baniu os atletas russos do atletismo das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro sob acusação de que muitos deles utilizavam substâncias proibidas para melhorar o desempenho esportivo. Tais usos eram sistemáticos e faziam parte de uma política de dopagem apoiada pelo Estado. Segundo o relatório publicado pela Agência Mundial Anti-Doping (WADA) houve muitas fraudes na coleta para análise: muitas delas foram canceladas ou recusadas, outras foram perdidos e amostras de urina foram trocadas. Neste últimos caso o trabalho teria sido feito pelo serviço secreto russo. O banimento vem na sequência da punição sofrida pelos mesmos atletas em novembro de 2015. Na ocasião ele foram suspensos de todas as competições internacionais devido ao mesmo escândalo. As investigações apontaram que as fraudes nos testes anti-doping haviam sido generalizadas.
O Comitê Olímpico Russo (ROC) e outros 68 atletas tentaram reverter o banimento para os Jogos do Rio, mas até o momento sem sucesso. O Comitê Olímpico Internacional (COI) disse que os atletas russos poderiam competir caso provassem que estavam limpos do uso de substâncias proibidas, e que sua presença nos jogos seria sob bandeira neutra. No dia 25 de julho, outros sete atletas russos, desta vez do nado sincronizado, também foram banidos pela Federação Internacional de Natação (FINA, sigla em francês).
(As Olimpíadas de Moscou, em 1980, teve boicote norte-americano em resposta à invasão soviética do Afeganistão: esporte e política nunca estiveram totalmente separados. Soviéticos responderam boicotando os jogos de Los Angeles quatro anos mais tarde.)
As defensivas de Lavrov e Putin sugerem, por um lado, que o escândalo de doping generalizado é real; por outro lado as críticas às organizações anti-doping de outros países sugerem uma motivação política para o banimento dos atletas russos. Real ou não, esta atitude transfere em alguma medida o significado do banimento da esfera esportiva para a política internacional. É mais um ingrediente nas más relações entre russos e ocidentais. Apesar do COI ser uma organização mundial, os organismos internacionais são vistos pelo Kremlin como instrumentos políticos do Ocidente, mais especificamente dos EUA, e o banimento do atletismo russo das Olimpíadas seria mais uma provocação política. O boicote dos americanos às Olimpíadas de 1980 em Moscou em resposta à invasão soviética do Afeganistão (1978-1988) e a resposta soviética de boicote às Olimpíadas de 1984 em Los Angeles mostram que o esporte funciona, também, como instrumento de pressão internacional. Caso se confirme o banimento dos russos para as Olimpíadas do Rio, será a primeira vez que um grande número de atletas (mais de cem) fica de fora da competição desde 1984 por razões de doping ou políticas, e será a terceira vez que uma crise deste tipo envolve os russos.
(Pavel Sheremet e o carro em que estava após a explosão em Kiev, no dia 20 de julho: instabilidade política na Ucrânia.)
O carro em que estava explodiu no centro da cidade enquanto ia ao trabalho pouco antes das 8 h da manhã. A dona do veículo era sua mulher, Olena Prytula, jornalista e ex-editora do jornal em que ambos trabalhavam, Ukrayinska Pravda. O jornal, fundado em 1990, tem um histórico de oposição ao governo ucraniano. Um de seus fundadores, Georgiy Gongadze, que na época era próximo de Prytula, foi sequestrado e decapitado em 2000 durante o governo de Leonid Kuchma. O caso teve grande repercussão e ajudou a precipitar a "Revolução Laranja" em 2004 que levou ao poder opositor de Kuchma, Viktor Yuschenko. Sheremet era amigo de Boris Nemtsov, um dos principais opositores de Putin na Rússia, e tornou-se mais um dos quase vinte jornalistas assassinados no país desde sua independência em 1991. Uma assessora do Ministério do Interior da Ucrânia afirmou que não poderia ser excluído o possível envolvimento do serviço secreto russo no assassinato. Outra suspeita era de que o alvo era Prytula, já que a bomba fora plantada em seu carro. O trabalho recente de Sheremet versava, também, sobre a corrupção do governo de Poroshenko e a atuação do pró-Ucrânia Batalhão de Azov e liderado pelo extremista Setor de Direita. Poroshenko descreveu o assassinato como "tragédia" e disse que conhecia jornalista pessoalmente.
(O político russo assassinado Boris Nemtsov ao lado de Sheremet ao microfone.)
(Relacionamento cada vez mais difícil.)
Por outro lado a possibilidade (ainda que fortemente especulativa) de que a Rússia tenha alguma relação com o assassinato de Sheremet apenas contribui para o aumento da tensão política na região e uma maior instabilização da Ucrânia. Já o desconforto gerado pelo banimento dos atletas russos das Olimpíadas do Rio desmoraliza as autoridades do país ao expô-las ao mundo como profundamente corruptas e pouco confiáveis. Nos dois últimos casos os precedentes históricos de assassinatos de jornalistas no países da antiga URSS e os episódios de retaliações políticas em eventos esportivos contribuem para ou aumento da desconfiança generalizada em relação à Rússia.
O pedido do ministro russo Sergey Lavrov ao Secretário de Estado americano John Kerry para que o escândalo de doping não se transformasse em mais uma contenda política entre os dois lados é mais um sinal de que a lógica da realpolitik invadiu todos canais de contato entre a Rússia e os países do Ocidente. Cada acontecimento é equacionado dentro do quadro de problemas e discordâncias entre ambos. Todo o cuidado é pouco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário