sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A publicação do debate entre Olavo e Dugin na Romênia: a necessidade de se defender uma nação

(Capa da publicação romena.)

Pela primeira vez o debate entre Olavo de Carvalho e Alexander Dugin será publicado numa língua além de português e inglês. Trata-se de uma iniciativa da Editora Humanitas, da Romênia. A publicação é, portanto, na língua romena, e sairá dia 20 de novembro deste ano.

(Horia-Roman Patapievici)

Numa entrevista concedida a uma televisão do seu país, o filósofo, ensaísta e ex-presidente do Instituto Cultural Romeno, Horia-Roman Patapievici, falou sobre a publicação do livro (aqui e aqui para os que dominam o romeno). Patapievici foi questionado sobre a razão de se publicar na Romênia um livro com as ideias de Dugin devido à hostilidade inspirada por seu pensamento filosófico e o Movimento Eurasiano. No texto abaixo, reproduzido em português no perfil do Olavo de Carvalho no Facebook, estão as respostas do pensador romeno.

"Entrevistador: Por que a editora Humanitas publica Alexandre Dugin?
Horia-Roman Patapievici: Porque temos de conhecer bem nossos adversário, e Dugin é autor de uma teoria bem articulada, que recupera as ideologias totalitárias do século XX, mas também a ideia do messianismo russo, para propor uma teoria do eurasianismo. O Liberalismo ocidental é, para ele, o mal absoluto. O ódio - deslegitimado pela prática política liberal - contra a modernidade e a pós-modernidade tem de levar, afinal, à aniquilação do Ocidente e do seu sistema de valores. 
Entrevistador: Não é, então, nociva a propagação de suas ideias no espaço romeno? 
Horia-Roman Patapievici: Não, porque a réplica do professor brasileiro Olavo de Carvalho é uma réplica brilhante. Olavo de Carvalho é o oposto completo da ideia do intelectual institucionalizado, como é o caso de Dugin. Exilou-se de seu Brasil natal para uma quinta dos EUA, onde tem um "jardim" filosófico online com 3000 alunos. Ele opõe à retórica emocional de Dugin a argumentação proveniente da racionalidade de tipo ocidental. Portanto, a editora Humanitas publica este livro, em primeiro lugar, para conhecer uma ideologia extremamente perniciosa, contra os valores em que cremos e mesmo contra nossa estatalidade, mas também para ter acesso a uma contra-argumentação, uma réplica brilhante, que mobiliza o melhor na sociedade ocidental, para mostra que a ideologia de Dugin não tem nenhuma raiz na filosofia, no pensamento, na cultura e na religião ocidental. 
Entrevistador: Por que é perigoso o putinismo para a estabilidade romena?
Horia-Roman Patapievici: Porque o plano eurasiano conta [com a] divisão da Ásia entre a Rússia e a China, passando a Europa a ser integralmente da Rússia. Neste plano, a Romênia não tem nenhum futuro. Tem de fazer parte da Rússia. É inaceitável, não apenas do ponto de vista romeno, como também europeu."

Sem entrar no mérito do debate, dois pontos nas respostas de Patapievici merecem atenção. O primeiro é a guerra cultural travada por Dugin contra os valores que sustentam política e socialmente o Ocidente. Sua guerra não se restringe no campo das ideias: ela entra na política. Na sua complexa trajetória como filósofo, ideólogo, fundador de movimentos culturais e assessor de líderes políticos, o pensador russo já declarou abertamente que sua intenção não é atuar como um político, mas agir nos bastidores do poder com o objetivo de influencia-lo. Ao criar o movimento político Evraziia, em 21 de abril de 2001, Dugin declarou: "Nosso objetivo não é chegar ao poder, nem lutar pelo poder, mais lutar por influência nele." Segundo a professora Marlène Laruelle, o movimento tinha como objetivo formular uma "ideia nacional" para Rússia. Dugin abandonou o Evraziia em setembro de 2003, pouco mais de um ano depois de sua transformação em partido político e dois meses depois de sua fusão com o Bloco Rodina, de cujo perfil ideológico discordava. Mas ele continuou sua trajetória como assessor de outros parlamentares russos e professor na Universidade Estatal de Moscou (de onde saiu em 2014), divulgando de uma série de livros e textos na internet, como no The Fourth Political Theory e o recém fundado Katehon.

(Mastodôntico Palácio do Parlamento - 365 mil m² - construído pelo ditador Nicolae Ceaucescu, em Bucareste: experiência comunista ajudou a colocar a Romênia na UE e na OTAN.)

O segundo ponto é a dimensão geopolítica do pensamento neoeurasiano. Em junho fiz uma breve análise da visão de Dugin sobre o Brexit com base numa entrevista concedida ao think thank Katehon (do qual ele é um dos membros do Conselho Supervisor) sob o título "Brexit: a Europa está caindo no abismo" e no debate com Olavo de Carvalho. O pensador russo afirma que o declínio europeu seria devido à "ideologia ultraliberal" atuante no continente, e põe em cheque a liderança ocidental no mundo. Por outro lado ele mostra preferência pela alternativa rival, a Organização de Cooperação de Shanghai (OCS), cujo dois grandes membros são Rússia e China. "O Brexit é o colapso do Ocidente e é uma vitória da humanidade", afirma Dugin, que depois completa: "E a bandeira da humanidade é a OCS, a Rússia, a atual Rússia multipolar livre soberana liderada por Putin, e aqueles que estão no Clube Eurasiano".

A guerra cultural e as consequências geopolíticas do neoeurasianismo são o cerne do alerta de Patapievici. Num mundo moldado pelo Movimento Eurasiano e liderado pela OCS haverá pouco ou nenhum espaço para oposição de países menores como a Romênia. Após a experiência do bloco comunista, isto ajuda a explicar a opção do país pela União Europeia e a OTAN. Ademais, Rússia e China possuem uma aliança estratégica de longo (a exemplo dos multibilionários acordos de fornecimento de gás russo em 2014), sendo a China polo de atração de toda a Ásia Oriental e a Rússia a linha de frente da expansão do eurasianismo com suas investidas na Europa e mesmo nos EUA em no campo político, cultural e militar. Num mundo onde poderes multinacionais (seja eurasiano ou ocidental) crescem de forma desmedida, é necessário saber onde mora o maior perigo para saber se situar de forma mais consciente e menos desconfortável junto às grandes potências. No caso da Romênia esta acomodação é estritamente necessária, dado que o país situa-se na Europa Oriental junto à Moldávia e Ucrânia, países sob ação direta da Rússia.

 (Terceira e segunda edições de "O Jardim das Aflições", do filósofo Olavo de Carvalho: defesa da liberdade interior contra a intromissão do Estado moderno. Na terceira edição, o filósofo corrige algumas distorções de seu ensaio e o complementa com uma breve análise do neoeurasianismo de Dugin.)

Por fim, cabe aqui o que Patapievici comentou sobre o filósofo brasileiro: "Olavo de Carvalho é o oposto completo do intelectual institucionalizado", cuja réplica a Dugin ele definiu como "brilhante". Isto vai de encontro ao que eu escrevi no texto sobre o Brexit: Dugin não entende o pensamento de Carvalho, não consegue vê-lo fora de um esquematismo ideológico, e por isso mesmo sente-se confuso no debate que travou com o brasileiro. Para o russo era inconcebível que seu oponente fosse um opositor do plano eurasiano e também do plano globalista do Ocidente. Ocorre que Carvalho pensa como indivíduo e não dentro de esquemas ideológicos, por mais complexos que sejam. É esta liberdade interior que Patapivici também quer preservar, porque dela depende a liberdade de uma nação. Esta última frase não é uma defesa apaixonada, emocional da liberdade: é pilar do pensamento de Olavo de Carvalho, como bem demonstra o capítulo final daquele que considero o melhor de seus livros, O Jardim das Aflições (p. 307, 2ª edição):

"Na ausência do poder espiritual (...) o poder é o único juiz. Democrático ou oligárquico, comunista ou capitalista, monárquico ou republicano, socialdemocrata ou neoliberal, ele será sempre o poder de César, com uma propensão incoercível de autodivinizar-se. E enquanto não compreendermos essas coisas continuaremos a apostar neste ou naquele sistema político, não enxergando que os méritos de qualquer sistema político dependem essencialmente de que ele saiba respeitar os limites impostos pela consciência religiosa do povo, vivificada pela presença da autoridade espiritual e firmada em valores que antecedem de muito o nascimento desse sistema e da própria sociedade que ele governa; que o antecedem, talvez, desde a eternidade"

Nenhum comentário:

Postar um comentário