(Presidente da Armênia, Serzh Sargsyan, votando no plebiscito do dia 6.)
No último dia 6 de dezembro a Armênia, pequeno país do Cáucaso ao sul da Rússia, foi às urnas para votar pela mudança do regime político do país para parlamentarista ou mante-lo como presidencialista. Segundo os resultados oficiais a maioria votou o "sim" pela mudança de regime:
Sim: 66,35%
Não: 32,35%
Comparecimento às urnas: 50,5%
Proporção do "sim" do total de eleitores: 32,17%
Com o "sim" a Armênia adotará a nova ordem institucional a partir de 2016. A principal mudança será o aumento do poder do primeiro ministro em detrimento o presidente. O presidente continuará a ser eleito diretamente pela população, mas não possuirá vínculo partidário. Já o primeiro ministro, este sim terá o poder real do país, passando a ser indicado pelo partido majoritário no parlamento e tendo entre outras prerrogativas a chefia das forças armadas. Outro elemento será a diminuição do número de deputados parlamentares, de 131 para 101.
Com a mudança constitucional, o atual presidente, Serzh Sargsyan, poderá sair da presidência e ocupar o cargo de primeiro-ministro. Este é o principal ponto criticado pelos partidos e ativistas da oposição. Sargsyan está no seu segundo mandato de cinco anos, que se encerrará em 2018, sendo inelegível para um terceiro. Mas caso Partido Republicano da Armênia (PRA), do qual é líder, vença o próximo pleito, ele será apontado como primeiro-ministro e continuará como líder efeitov do país. O PRA é majoritário no parlamento desde as eleições de 2000, e na oposição não há partido ou liderança capaz de fazer frente ao atual status quo. Alguns de seus críticos afirmam que o principal mecanismo de intervenção da população sobre a política nacional é a eleição para presidente, cujos poderes ficarão muito mais limitados, não podendo sequer vetar projetos parlamentares. De agora em diante serão as eleições parlamentares, dominadas pelo PRA, o centro da vida política da Armênia.
As suspeitas das reais intenções do referendo, o terceiro no país desde a sua independência da União Soviética em 1991, geraram protestos nas ruas ainda no final de novembro e mobilizações pelo "não" por parte de grupos civis e partidos de oposição na TV e na internet. Tais manifestações vieram na esteira dos protestos de rua ocorridos durante o verão contra o aumento das tarifas de energia elétrica, e que desencadearam mais protestos contra a corrupção e a falta de sensibilidade por parte do governo federal para com a sociedade armena.
Mas onde está a Rússia na dinâmica sociopolítica que agitou o referendo na Armênia?
Em primeiro lugar, russos, assim como ocidentais, estiveram no pequeno país do Cáucaso como observadores internacionais do referendo. As posições não poderiam ser mais evidentes: ocidentais e ativistas independentes apontam diversas fraudes que podem inclusive ter alterado o resultado final da votação. Já os russos consideram que o pleito ocorreu dentro da normalidade e sem problemas significativos. Entre os convidados pelo parlamento da Armênia estavam a presidente do Conselho da Assembleia Interparlamentar da Comunidades dos Estados Independentes (CAI-CEI) Valentia Matvyienko, também deputada da Duma e membro do Partido Rússia Unida de Putin, o presidente do Parlamento Europeu e a presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
(Protesto no centro de Yerevan, dia 7, contra o resultado e as alegadas fraudes um dia depois do referendo que mudou o regime político do país.)
No dia seguinte ao referendo um protesto no centro de Yerevan e o partido de oposição Congresso Nacional Armeno (CNA) rejeitaram seu resultado final denunciando compra e o registro duplo de votos. Uma ativista russa independente presente no país descreveu um processo de fraude chamado de "carrossel", onde o eleitor vendia seu voto para um terceiro após registrá-lo na urna. Um levantamento feito pela ONG Compass Research, instituto de pesquisa da própria Armênia, verificou o desaparecimento de nomes e a repetição de identidades de centenas de eleitores na lista de votantes em diversas zonas eleitorais.
Por outro lado, o presidente da Comissão Central Eleitoral Russa, Vladimir Churov, afirmou que não foi observado qualquer fraude no referendo apesar alguns observadores terem notado pequenos problemas de organização. Churov é conhecido na Rússia como "O Mágico" por dar validação a eleições claramente fraudadas. Ele já foi alvo de protestos como os ocorridos na Rússia em dezembro de 2011 após as eleições parlamentares deste país onde os manifestantes pediam sua renúncia, além da libertação de presos políticos e novas eleições. Um membro da missão da CAI-CEI e membro da Duma (parlamento russo), além de outros dois observadores também da Duma, afirmaram que o referendo foi tranquilo e sem violações da lei.
As posições de validação dos representantes russos não é acidental. A Armênia é o único país do Cáucaso (os demais são Geórgia e Azerbaijão) a possuir uma parceria estratégia com a Rússia, e é bom para os interesses de Moscou haver um regime político forte e estável neste país.
No Cáucaso, a Armênia é o único país a fazer parte da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) que abrange, além de outros países da Ásia Central, Rússia e China. É também o único a fazer parte da recém formada União Econômica Eurasiana (UEE) em 2014 e, junto com o Azerbaijão, faz parte da Comunidade dos Estados Independentes (CEI).
Por outro lado os países vizinhos aos armênios, a Geórgia e o Azerbaijão, possuem problemas de relacionamento com a Rússia e a Armênia, respectivamente, sendo o primeiro em função de sua aproximação com o Ocidente e a guerra de 2008 e o segundo em função de disputas territoriais. Ao sul o Irã possui uma boa relação com Moscou, mas tem relações tensas com o Azerbaijão. Já ao oeste a Turquia mantém fechada sua fronteira com a Armênia depois de ter apoiado o Azerbaijão na Guerra de Nagorno-Karabakh (1988-1994) vendendo armamentos para Baku. Ademais, Turquia e Rússia têm relações intensas mas instáveis, a exemplos dos projetos de transporte de gás russo pelo território turco e a crise política provocada pela derrubada de um caça russo por forças turcas nas últimas semanas.
O cruzamento das relações e tensões descritos acima mostram que a Armênia é um parceiro necessário para a Rússia no Cáucaso ou, nas palavras do analista Gaïdz Minassian referenciado no parágrafo anterior, um "entreposto russo" na região. Dessa forma Moscou garante algum grau de estabilidade ao Cáucaso, contrabalanceando a influência ocidental sobre a Geórgia, utilizando a Armênia como passagem ao Irã e o Oriente Médio ao sul e apaziguando as divergências entre Yerevan-Baku e Yerevan-Ancara. Outro ponto é a intenção russa de manter congelado o conflito entre Armênia e Azerbaijão sobre o território de Nagorno-Karabakh, enclave de maioria armênia dentro do território azeri. Para Moscou é importante não atiçar o conflito para não estimular movimentos separatistas dentro de sua federação, bem como impedir uma maior inclinação dos armenios em direção ao Ocidente. Além da aliança militar com a Rússia, o país recebe vultuosos investimentos das grandes estatais deste país, que dominam a produção e distribuição de energia além de investirem pesado em transporte, telecomunicações, alumínio, diamante e urânio. A Armênia também recebe um montante de aproximadamente U$ 1 bilhão ao ano em remessas de emigrados na Rússia. Tais investimentos garantiram à Armênia um crescimento econômico acima de 10% em parte dos anos 2000. Apesar do apoio econômico e militar, Yerevan vem com insatisfação a falta de firmeza russa em apoia-la nas suas pretensões territoriais sobre Nagorno-Karabakh.
(Yerevan, capital da Armênia. Ao fundo o Monte Ararat, o mais alto e símbolo do país.)
Sua relevância estratégica e as divergências existentes com a Rússia dá Armênia maior margem de manobra e uma relativa (mas limitada) aproximação com o Ocidente. Moscou não gostaria de ter problemas com seus parceiro ao sul, e portanto "permite" que Yerevan mova-se, até certo ponto, para o oeste. É a chamada de "finlandização" de sua política externa, numa referência ao comportamento Finlândia durante a Guerra Fria, cuja fronteira com a então União Soviética obrigava o país a se equilibrar politicamente entre os blocos comunista e ocidental. A Armênia vive hoje situação similar, porque apesar do apoio militar, da presença de uma base russa e de grandes investimentos no seu país, ela também atua em conjunto com a OTAN em ações internacionais, como no Kosovo, e mantém parceria com esta organização. O país também está negociando o aprofundamento das relações com a União Europeia. Em novembro de 2013, porém, o governo voltou atrás na última hora e desistiu de assinar a nova etapa do Acordo de Associação na expectativa de aprofundar suas relações com o bloco, seu principal parceiro econômico e responsável por 39% de suas trocas comerciais. Foi exatamente a mesma atitude sobre o AA que desencadeou a crise na Ucrânia que derrubou o governo Yanukovich em fevereiro de 2014.
O governo Sargsyan, assim como o governo Putin, é herdeiro político dos tempos soviéticos. A exemplo dos colegas russos, seu partido, o Republicano da Armênia, possui uma inclinação "eurasiana" no que diz respeito ao seu apelo cultural e nacionalista. Um exemplo desta inclinação está nas duras críticas que o partido recebeu do ex-presidente e líder do partido de oposição Congresso Nacional Armeno (o mesmo que não aceitou o resultado do referendo), Levon Ter-Petrosyan, ao acusar o PRA de colocar sua ideologia etnorreligiosa (i.e., racista, segundo sua declaração) acima dos princípios constitucionais da Armênia. Há uma proximidade ideológica deste partido com o movimento eurasiano na Rússia, que propõe a união de todos os povos associados aos russos a se unificarem sob um mesmo Estado liderado por Moscou.
(Serzh Sargsyan e Vladimir Putin em encontro dia 8 de setembro passado na Rússia.)
Sargsyan mantém certo distanciamento do Ocidente. Além de rejeitar o Acordo de Associação com a UE, seu governo não pretende incluir o país na OTAN. O resultado do referendo permitirá que ele saia da presidência em 2018 e, caso seu partido continue a dominar a vida política no país como vem fazendo nos últimos quinze anos, se torne o poderoso novo primeiro-ministro. Como de costume, Moscou continuará a agir de forma pragmática com os armênios e certamente vê com bons olhos o fortalecimento de uma autoridade que, além de ser capaz de controlar o país mesmo com as insatisfações políticas e protestos de seus opositores, é claramente contrário às chamadas "revoluções coloridas" como a ocorrida Ucrânia e que criou dores de cabeça para Moscou e Yerevan. Não importa muito quantas fraudes hajam no referendo, e nem importa se elas realmente aconteceram na proporção em que apontam os observadores ocidentais e críticos de Sargsyan. Os russos já sabiam o que tinham a dizer sobre o resultado final.
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