(Vídeo no Youtube do Serviço de Inteligência da Ucrânia que mostra Rafael Lusvarghi detido por agentes ucranianos no Aeroporto de Boryspil, em 6 de outubro.)
Neste mesmo dia uma reportagem do site da Opera, revista brasileira de esquerda simpática à pessoa de Lusvarghi, recebeu uma série de informações de "amigos e militantes da causa novorrusa" através de André Ortega, ex-correspondente da revista que está na Ucrânia. Segundo ele "internautas do mundo russo-ucraniano" desconfiaram que a prisão de Lusvarghi fosse uma armação. A justificativa era de que o vídeo divulgado pela SBU mostrava o rosto do brasileiro embaçado, e sua barba seria mais volumosa do que a apresentada em vídeos recentes. A reportagem diz que os "militantes solidários com a causa novorrusa" estariam preocupados com a segurança do brasileiro, já que o governo de Kiev, onde atuariam "grupos paramilitares neonazis", estaria utilizando tortura contra seus prisioneiros. O texto também acusa "radicais nacionalistas" e a paralisia do governo ucraniano de não cumprirem os Acordos de Minsk, dentre eles a anistia a prisioneiros de guerra.
(Rosto embaçado levantou a suspeita por defensores de Lusvarghi de que o homem preso em Boryspil não seria o brasileiro.)
Lusvarghi havia recebido propostas de trabalho em outros lugares do mundo, dentre elas a da empresa Omega em agosto deste ano para atuar como segurança de um navio que sairia de Odessa, na Ucrânia, para Galle, no Sri Lanka. Ele aceitou a oferta, mas ao mesmo tempo reagiu com preocupação. O brasileiro entrou em contato com a empresa para saber dos riscos de passar pela Ucrânia depois de ter lutado em Donetsk e comunicou a respeito da anistia aos combatentes conforme os Acordos de Minsk. Ele também buscou orientação sobre sua situação junto ao Ministério das Relações Exteriores no Brasil. Segundo Ortega, Lusvarghi aceitou a oferta por ela oferecer apenas uma passagem só de ida, considerar Odessa uma cidade pró-Rússia e por confiar nos Acordos. A Omega teria entrado em contato com o escritório da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), localizado em Londres, que teria garantido não haver riscos para o brasileiro. Ele comprou passagem em 26 de setembro, embarcou para a Turquia dia 5 de outubro e no dia 6 voou para a Ucrânia. Segundo a reportagem, a Procuradoria de Kiev teria expedido mandato de prisão contra o brasileiro em 4 de outubro, um dia antes de sua saída do Brasil, e um "site pro-ucraniano" teria divulgado o trajeto de sua viagem. Estas informações seriam indicativos de que a SBU sabia da passagem de Lusvarghi pela Ucrânia.
Mesmo sem apresentar provas, a revista também sugere que a Omega teria contribuído para a prisão, já que entre seus clientes estaria o Diretório Máximo de Inteligência do Ministério da Defesa Ucraniano.
As informações disponíveis nos parágrafos acima levam a uma contradição: se Lusvarghi foi da Turquia para a Ucrânia, como afirma a Opera, como então seu voo, supostamente da British Airways, estaria indo para Moscou? Caso contrário o avião não teria sua rota desviada para pousar no aeroporto de Boryspil. Ou o brasileiro tinha a Rússia como destino para uma conexão, ou a revista errou (ou omitiu por razões desconhecidas) esta informação.
O site de notícias dos militantes pró-Rússia Slavyngrad.org afirma que o voo do brasileiro fazia a rota Dublin-Moscou. Ele iria à capital russa negociar a oferta de emprego da numa empresa de segurança de navios (não esclarece se da Omega). Lusvarghi teria sido enganado por agentes da SBU, que no contato para a oferta de trabalho teriam se passado por cidadãos russos. O site também levanta a hipótese de que haveria interferência no Reino Unido, questionando a imprudência do voo em fazer escala justamente na Ucrânia, que está em conflito com a Rússia.
A imprensa da RPD, como o esperado, também rejeitou a classificação do brasileiro como "mercenário estrangeiro", chamando-o de "guerreiro internacionalista".
No Brasil o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) recebeu a notícia da prisão do brasileiro no dia 7 de outubro através de sua Embaixada em Kiev. O setor consular da Embaixada entrou em contato com as autoridades ucranianas para visitar Lusvarghi e ter mais notícias do que havia acontecido. A resposta veio dia 14 pelo Itamaraty: o brasileiro estaria bem com acesso a boa alimentação, não sofreu maus-tratos, possuía um advogado, e um procurador ucraniano estava acompanhando o caso. Essas informações foram divulgadas depois que a Embaixada fez uma visita consular a Lusvarghi.
Mas como o combatente brasileiro chegou à Ucrânia? E qual foi sua trajetória antes da prisão?
(Lusvarghi, ao centro, na Legião Estrangeira Francesa em 2006.)
"Meu nome é Rafael Marques Lusvarghi. Sou militar, oficial do quadro de combatentes, e um muito bom. Comecei minha carreira cedo, me alistando na Legião Estrangeira Francesa como paraquedista na Companhia de Montanha do 2REP [ 2eme Régiment de Étrancher Parachutistes) onde participei de algumas missões [que não pode revelar], e também fazendo alguns cursos. Fui dispensado por problema de saúde. Recuperado, de volta no Brasil, passei em concurso para Soldado da PM do Estado de São Paulo em fins de 2005.
Lá meu serviço foi basicamente interno, com apenas algumas poucas rondas ostensivas e rádio patrulha. Mas mesmo assim aprendi muito sobre funcionamento da área administrativa, e a parte burocrática sem a qual é impossível gerar uma grande força. Apesar de não gostar deste papel, considero indispensável a burocracia e padronização de procedimentos e modos operantes.
Claro que, ambicioso e orgulhoso, quis crescer e me tornar oficial. Passei no concurso para o CFO [Curso de Formação de Oficiais] no Pará, e fui cursar a Academia de Oficiais da Policia Militar Coronel Fontoura no IESP. Tradicionalista, decidi por me aperfeiçoar na cavalaria e estive presente no Regimento Montado Cassulo de Melo.
Em 2010 cometi o grande erro de interromper minha carreira militar, pedindo baixa da corporação. Foi para ir viver na Rússia. Nunca tive paciência com a vida civil, a falta de disciplina e hierarquia, o preto no branco.
De volta ao Brasil em 2014, tomei certas atitudes por motivos que hoje discordo, a maneira como as manifestações se desenrolam no Brasil não é adequado. Gostaria de salientar aqui que sobretudo hoje sou apolítico, até tenho minhas concepções, acima de tudo contra todo esse vitimismo que assola nossa nação, quem quer consegue, quem quer faz, quem chora é fraco, e como dizemos no meio militar, os fracos que se explodam. Logo, me arrependo dos motivos que me levaram as ruas (durante as manifestações da Copa do Mundo no Brasil), mas não me arrependo das lutas que me envolvi. Como cidadão livre e em momento de folga, posso fazer o que bem entender não infringindo a lei. Se eu quiser beber e parar no meio de uma rua sem tráfego, farei, se quiser beber de saia, farei também. E estando certo, luto até a morte pelos meu direitos. Como dizem os US Marines, uma das melhores forças do mundo: Semper Fi, do or die!
Depois de solto retornei ao meu projeto de participar na guerra civil na Ucrânia, do lado pró-Rússia porque… Sou pró-Rússia incondicionalmente. Mas acontece que realmente são os pró-Rússia os certos nessa questão."
A viagem de Lusvarghi à Ucrânia recebeu significativa atenção da imprensa brasileira. Primeiro porque ele já era conhecido por participar de protestos de rua no Brasil em 2014; segundo, era curioso que um cidadão local fosse a um país tão distante para se envolver num conflito armado sem conexão direta com sua terra natal.
Apesar da sucinta descrição de sua carreira como militar, policial e combatente, Lusvarghi omite alguns detalhes que ajudam a entender a trajetória e as razões que o fizeram estas decisões.
As ações do brasileiro se tornam mais "radicais" depois de sua volta da Rússia em 2010, onde fez curso de administração em Kursk, trabalhou e aprendeu a língua russa. Um de seus professores lhe deu o apelido o apelido "Riurik Varyag Volkovich", numa referência à dinastia Rurik. Lusvarghi pretendia entrar no exército, mas não foi aceito por ser estrangeiro. Voltou para o Brasil em meados de 2013/14. Neste período de retorno ele afirma ter ido à Colômbia e entrado em contato Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a quem teria feito uma "visita" na cidade de Cartagena. Inclusive ele teria entrado na guerrilha, mas saiu porque os guerrilheiros "não têm cultura. (...) eles não têm preparo, não têm plano do que fazer", e se mostrou decepcionado com o processo de paz então em negociação entre o grupo e o governo de Bogotá que levaria à entrega das armas e a transformação guerrilha em partido político.
(À esquerda, detenção de Lusvarghi pela PM de São Paulo, em 12 de junho, cuja foto teve grande repercussão na imprensa brasileira; à direita, a prisão em 23 de junho vestindo kilt escocês.)
De volta ao Brasil, Lusvarghi conseguiu dois empregos em Indaiatuba, interior de São Paulo, um como professor de inglês e outro como assistente de helpdesk numa empresa de informática. Ele participou de protestos promovidos por movimentos e partidos de esquerda contra os gastos da realização da Copa do Mundo de 2014. Numa das manifestações realizadas na cidade de São Paulo em 12 de junho, dia da abertura do evento, ele foi detido depois de se colocar na frente do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Recebeu vários tiros de balas de borracha e só foi contido por cinco policiais ao mesmo tempo. Foi nesta ocasião que ele ficou famoso: numa foto amplamente divulgada pela imprensa brasileira, ele aparece sendo estrangulado por um policial militar, cuja imagem virou um dos símbolos dos protestos contra a Copa.
Em 17 de junho Lusvarghi se submeteu a uma escarificação num estúdio de tatuagem, técnica utilizada para cortar a pele e deixar um cicatriz, enquanto a seleção do Brasil jogava contra o México na Copa do Mundo. A marca foi inspirada nos personagem Leônidas, do filme 300, Kratos, de um jogo eletrônico de luta, e num ex-colega da Legião Estrangeira. Em 23 de junho Lusvarghi esteve em outro protesto, agora na Avenida Paulista, a principal de São Paulo. Houve novos confrontos com a PM, mas desta vez ele e um amigo estudante de Jornalismo da USP, Fábio Hideki, foram presos acusados de serem black blocs e de portarem explosivos. O futuro combatente estava trajado conforme seus ideais de luta: rosto cicatrizado, cabelos e barbas compridas (numa alusão aos guerreiros nórdicos), kilt (vestimenta escocesa similar a uma saia) e sem camisa. Ele também carregava uma tatuagem no ombro direito com um símbolo e a palavra russa "biersierk", que seria uma referência aos guerreiros da mitologia nórdica.
(Cicatrizes que Lusvarghi mandou marcar no seu rosto num estúdio de tatuagem: etapa de criação de um combatente nórdico.)
Em 17 de junho Lusvarghi se submeteu a uma escarificação num estúdio de tatuagem, técnica utilizada para cortar a pele e deixar um cicatriz, enquanto a seleção do Brasil jogava contra o México na Copa do Mundo. A marca foi inspirada nos personagem Leônidas, do filme 300, Kratos, de um jogo eletrônico de luta, e num ex-colega da Legião Estrangeira. Em 23 de junho Lusvarghi esteve em outro protesto, agora na Avenida Paulista, a principal de São Paulo. Houve novos confrontos com a PM, mas desta vez ele e um amigo estudante de Jornalismo da USP, Fábio Hideki, foram presos acusados de serem black blocs e de portarem explosivos. O futuro combatente estava trajado conforme seus ideais de luta: rosto cicatrizado, cabelos e barbas compridas (numa alusão aos guerreiros nórdicos), kilt (vestimenta escocesa similar a uma saia) e sem camisa. Ele também carregava uma tatuagem no ombro direito com um símbolo e a palavra russa "biersierk", que seria uma referência aos guerreiros da mitologia nórdica.
(Lusvarghi no dia de sua liberação da penitenciária de Tremembé, SP, em 7 de agosto, com tatuagem no ombro numa referência simbólica à mitologia nórdica.)
Lusvarghi também foi acusado de resistência, ação criminosa, incitação ao crime e desobediência. A Justiça de São Paulo liberou ele e o amigo 45 dias depois, em 7 de agosto, quando laudos do Instituto de Criminalística mostraram que o material que carregavam não era explosivo nem incendiário, e sim latas vazias de achocolatado e iogurte que, segundo a polícia, tinham "cheiro de combustível". O juiz, por sua vez, havia classificou os dois de "esquerda caviar", numa alusão ao fato de que seriam socialistas hipócritas. A prisão fez Lusvarghi perder os dois empregos e uma viagem à Ucrânia, para onde já tinha passagem comprada e deveria embarcar em 28 de junho. Liberto da penitenciária de Tremembé, onde estava preso, o futuro combatente buscou ajuda de "amigo politicamente engajados" (que, segundo ele, não seriam recrutadores) e reuniu documentação para viajar. Em 18 de setembro ele e Hedeki foram "sumariamente" absolvidos da acusação de porte de explosivos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No dia seguinte, Lusvarghi já estava em Moscou, de onde postou um foto no Facebook em que aparece na Praça Vermelha. Ele chegou à Ucrânia dia 20 para atuar junto aos separatistas pró-Rússia.
(Lusvarghi, à esquerda da bandeira do Brasil, com separatistas pró-Rússia no inverno 2014/15.)
Logo que chegou à Ucrânia, Lusvarghi entrou no Batalhão de Prisrak, em Donbass, onde a maioria dos integrantes eram voluntários. O conhecimento e experiência nas áreas militar, policial e em armamentos ajudaram-no a se firmar como combatente. Sua trajetória no primeiro ano de guerra foi intensa. O primeiro combate que participou foi em Vergulovka, em outubro de 2014. Em março de 2015 já comandava o próprio pelotão com cinco brasileiros denominado Unidade Internacionalista Ernesto "Che" Guevara, numa alusão ao guerrilheiro comunista argentino. O pelotão foi criado com autorização do batalhão ao qual fazia parte. Os integrantes vinham de diversas regiões do Brasil, possuíam perfis variados e tinham como função fazer reconhecimento do inimigo e praticar atos de sabotagem. Até este período Lusvarghi teria participado diretamente da morte de pelo menos quatro solados ucranianos, segundo sua própria declaração numa entrevista. Em 26 de abril ele ficou gravemente ferido nas pernas, tronco e braço ao ser atingido por tiros ou estilhaços de uma bomba na violenta batalha pelo Aeroporto Internacional de Donetsk. Recuperado no hospital da cidade, voltou à batalha mais de dois meses depois. Sua função militar durante quase todo este período foi de comandante de bateria de morteiros.
Com a divulgação de suas fotos pelo Facebook onde aparece em combate, Lusvarghi tem atraído mais pessoas do Brasil para lutar do lado dos militantes pró-Rússia. Hoje há em torno de dez brasileiros no campo de batalha.
(Lusvarghi realizando manutenção da metralhadora DShK 12,7 mm, no Aeroporto de Donetsk, em abril de 2015, pouco antes de ficar gravemente ferido numa violenta batalha.)
A volta da Rússia, o contato com as FARC, a participação dos protestos de rua no Brasil (de cujas motivações declara arrependimento) e a ida definitiva à Ucrânia revelam uma insistente busca do brasileiro por atividades mais perigosas. Algumas de suas declarações ajudam a entender as motivações pessoais e políticas para tais atitudes.
Logo após ser liberado da prisão, em 7 de agosto de 2014, ele foi entrevistado pelo site G1 das Organizações Globo. Num dado momento o jornalista questionou sua ideologia, e teve a seguinte resposta:
Na mesma entrevista o jornalista lembrou que Lusvarghi havia declarado anteriormente que era fã do ex-governador do Estado de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, por ser um nacionalista. Mas quando questionado se ele tinha simpatia pelo movimento integralista (movimento de direita fascista e nacionalista no Brasil dos anos 1930), ele mostrou rejeição ao espectro oposto da esquerda: "Eu não gosto de nada que tenha a ver com a direita", respondeu.
Nos últimos dias de setembro de 2014, pouco menos de dois meses depois da entrevista ao site G1, Lusvarghi, recém chegado à Ucrânia, trocou mensagens com o jornal O Estado de São Paulo onde mais uma vez respondeu às perguntas sobre suas posições políticas:
Na entrevista concedida à Istoé, uma das revistas de maior circulação do Brasil, em janeiro de 2015, o brasileiro já combatia em Donbass há quatro meses. Na ocasião ele revelou um pouco de sua motivação de ir participar da guerra na Ucrânia. Seu interesse pela Rússia é antigo, e acompanha tudo ligado ao país. "Além de também descender dos povos do Leste, meu interesse vem de infância, por tudo que é relacionado à Rússia, história, cultura, mentalidade do povo", diz, definindo-se como de esquerda e stalinista. Quando foi questionado por que ele acreditava que o leste da Ucrânia deveria se tornar independente, ele citou vários casos históricos de independência (inclusive o de Kosovo, criticado pela Rússia) e justificou o movimento separatista pelo "direito à autodeterminação dos povos". Noutra questão, lhe perguntaram a razão pela qual se alistou como voluntário num exército estrangeiro, e ele respondeu:
Logo após ser liberado da prisão, em 7 de agosto de 2014, ele foi entrevistado pelo site G1 das Organizações Globo. Num dado momento o jornalista questionou sua ideologia, e teve a seguinte resposta:
"Esquerda. Eu diria anarquista, mas anarquista é uma utopia. Então eu ficaria no stalinismo. Eu diria anarquista se achasse que funciona, mas é utopia. Então eu me classifico como stalinista."
Na mesma entrevista o jornalista lembrou que Lusvarghi havia declarado anteriormente que era fã do ex-governador do Estado de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, por ser um nacionalista. Mas quando questionado se ele tinha simpatia pelo movimento integralista (movimento de direita fascista e nacionalista no Brasil dos anos 1930), ele mostrou rejeição ao espectro oposto da esquerda: "Eu não gosto de nada que tenha a ver com a direita", respondeu.
(Brasileiro com símbolos do comunismo: admiração às ideologias de esquerda e uma crescente adesão ao nacionalismo russo a partir de 2014.)
"Na parte política, eu me oponho ao avanço imperialista na Ucrânia, às garras do grande capital financeiro internacional, a uma base da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, liderado pelos EUA) apontando mísseis para a Rússia."
Na entrevista concedida à Istoé, uma das revistas de maior circulação do Brasil, em janeiro de 2015, o brasileiro já combatia em Donbass há quatro meses. Na ocasião ele revelou um pouco de sua motivação de ir participar da guerra na Ucrânia. Seu interesse pela Rússia é antigo, e acompanha tudo ligado ao país. "Além de também descender dos povos do Leste, meu interesse vem de infância, por tudo que é relacionado à Rússia, história, cultura, mentalidade do povo", diz, definindo-se como de esquerda e stalinista. Quando foi questionado por que ele acreditava que o leste da Ucrânia deveria se tornar independente, ele citou vários casos históricos de independência (inclusive o de Kosovo, criticado pela Rússia) e justificou o movimento separatista pelo "direito à autodeterminação dos povos". Noutra questão, lhe perguntaram a razão pela qual se alistou como voluntário num exército estrangeiro, e ele respondeu:
"...luto aqui exclusivamente pela Grande e Sagrada Mãe Rússia, a terra dos meus ancestrais, pois o sangue que corre na minha veia é o mesmo do povo daqui. Politicamente sou totalmente contra o liberalismo, a política atual da União Europeia e dos EUA. Mas minha luta é, acima de tudo, pela independência do povo russo e pela união desse povo sob égide de um só país e uma só liderança."
O irmão do combatente, Lucas Lusvarghi, conta que desde criança ele se interessa pelas questões militares, principalmente história da guerra, e estudava muito geografia, história e estratégia.
O brasileiro também deixa claro noutras declarações sua predileção pela luta armada e a preferência pela Rússia. Na entrevista concedida ao site HMO, em setembro do mesmo ano, perguntaram por que ele saiu do Brasil para se juntar aos separatistas. A resposta foi esta:
"1) Não vou negar. Gosto de guerra. Além do mais, não é mentira, só vive em paz quem aprende a lutar. 2) Sou pró-Rússia de carteirinha, foi só isso que me trouxe aqui, absolutamente nenhuma ideologia política."
Ele também foi questionado por um leitor sobre como conseguia conciliar sua autodeclarada posição de "esquerda", divulgada na Revista Istoé, com a obediência a uma autoridade como Igor Strelkov, segundo o questionador um "monarquista de direita" e que "se declara abertamente czarista e nacionalista 'branco'" (numa referência às forças antibolcheviques na Guerra Civil Russa em 1917-1922). Eis o que o brasileiro respondeu:
"Quando eu disse stalinista, e me posicionei como de esquerda, a mais de um ano atrás, eu quis dizer que era um admirador, não um portador dessa bandeira. Várias vezes eu deixei claro ser uma pessoa prática, que não compra ideias em pacotes fechados, mas um pouco aqui, um pouco ali. Eu mesmo não carrego nenhuma bandeira... (...) Deve ser feito o melhor para a nação. Respondendo sua pergunta, não vejo problema em ser comandado por quem quer que seja... manda quem pode, obedece quem tem juízo."
Outro leitor perguntou se, mesmo sendo "seguidor de ideologia de esquerda", ele acreditava na liberdade dos pró-Rússia depois do conflito:
"Não sou de esquerda, e nosso combate é justamente para que o governo de Kiev não proíba o idioma e cultura russa no leste do país."
"Bem, em primeiro lugar, Brasil e Rússia estão muito proximamente alinhados pelos BRICS. Seja lá qual for o interesse da Rússia também favorece o Brasil de uma perspectiva geopolítica. Os BRICS podem se tornar um substituto da hegemonia dos EUA e da Europa no mundo - mas apenas de se as ações finalmente tomarem o lugar das palavras que ouvimos agora.
A influência dos EUA no Brasil é muito forte. Tudo o que os EUA tocam se apaga: valores familiares e religião, embora eu não seja muito religioso. Tudo se torna um tanto sem sentido."
Ainda em 2014 Lusvarghi havia se declarado abertamente de "esquerda", "stalinista" e mesmo "anarquista". Nas entrevistas concedidas ao final do mesmo ano quando já estava na Ucrânia, ele demonstra um relativo distanciamento de uma extrema-esquerda "pura" à qual simpatizava quando estava no Brasil. Ao compararmos as declarações sobre suas motivações políticas e sua ideologia, o brasileiro demonstra uma "evolução" de uma extrema-esquerda para o nacionalismo russo entre 2014 e 2015.
Lusvarghi vê a si mesmo com um militante e herdeiro legítimo da "causa" nacionalista da Rússia sob um viés de esquerda, antiamericano e antiocidental. Desde que chegou na Ucrânia sua posição política, a julgar pelas declarações à imprensa brasileira, se tornou mais pró-Rússia do que exclusivamente esquerdista. Diria que uma mescla de ambos, numa absorção da ideologia de esquerda no nacionalismo russo. Ele não declara abertamente se teve algum envolvimento pessoal com as ideias e o movimento político eurasiano, como o pensamento de Alexander Dugin ou a União de Juventude Eurasiana, que desde de pelo menos 2006 já preparava uma uma futura guerra na Ucrânia. Esta hipótese é levantada quando Lusvarghi recorre à mesma linguagem do movimento ao se declarar radicalmente contra o liberalismo ocidental, faz referências à geopolítica da Rússia e ao mesmo tempo demonstrar admiração a figuras aparentemente antagônicas no campo ideológico como Stálin e Strelkov. Outro indício, este mais evidente, é uma foto publicada em 18 de julho de 2015 na "Frente Brasileira de Solidariedade com a Ucrânia", grupo criado no Facebook em apoio aos separatistas pró-Rússia, onde Lusvarghi aparece segurando uma bandeira símbolo do Movimento Eurasiano.
(Lusvarghi, à direita, com seu colega de combate Luizz Davi: Movimento Eurasiano na guerra na Ucrânia.)
O neoeurasianismo desenvolvido por Dugin tem como uma de suas principais características a combinação de elementos da extrema-esquerda e da extrema-direita num mesmo movimento político. Isto fica claro nas declarações do pensador russo durante o debate com o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, onde ele propõe uma aliança entre todos os elementos sociais capazes de fazer frente ao globalismo norte-americano. Carvalho, por sua vez, alerta exatamente a este aspecto do neoeurasianismo de Dugin, capaz de absorver os extremistas de ambos espectros e fazê-los trabalhar juntos em nome de uma ditadura global, como comenta no artigo Eurasianismo e Genocídio.
A ligação de Lusvarghi ao movimento eurasiano fica mais clara na entrevista concedida à seção em português da Vice News e divulgada nove dias após chegar na Ucrânia. Ele afirma que "respondeu ao chamado da Frente Brasileira de Solidariedade com a Ucrânia" e da Brigada Continental, braço armado da Unidade Continental, nas suas palavras uma "síntese entre as FARC e o Hezbollah", para lutar no país. A Brigada, diz, é uma unidade dentro do batalhão Prisrak, do qual faz parte, e braço armado da Unidade, que teve origem em janeiro de 2014 em Belgrado, na Sérvia, e é composto principalmente por sérvios e franceses.
("Glória a Rafael Lusvarghi": capa estilizada de página no Facebook utilizada para trocar informações e recrutas combatentes brasileiros para a guerra exalta a figura de seu principal representante.)
Mas o mais importante aqui é a menção de Lusvarghi à "Frente Brasileira de Solidariedade com a Ucrânia". Ainda que não seja possível provar, este é possívelmente o grupo ao qual pertencem os "amigos politicamente engajados" que teriam ajudado Lusvarghi a ir para a Ucrânia depois de sair da cadeia. O grupo possui uma página no Facebook que é utilizada para recrutar futuros combatentes brasileiros para o separatistas pró-Rússia. Lá também são disponibilizadas informações sobre o conflito e notícias da imprensa russa ou pró-Rússia. Seus membros ativos fazem críticas aos países ocidentais e ao governo de Kiev, inclusive comemorando a morte de soldados mortos do lado ucraniano, e exibem símbolos e linguagem característicos da ideologia neoeurasiana. Muitos trocam mensagens pedindo informações de como chegar no campo de batalha. O grande símbolo da página, que até a presente data possui quase doze mil curtidas (muitos apenas como observadores), é o próprio Lusvarghi, pioneiro e referência para os brasileiros que querem lutar do lado russo da guerra. A capa da página apresenta uma imagem sua de forma estilizada com a saudação "Glória a Rafael Lusvarghi" em russo.
Em 7 de outubro, um dia após a prisão, foi criado no Facebook uma página para pedir a libertação do brasileiro: "Free Rafael Lusvarghi". Até a presente data contava com mil curtidas.
(Imagem retirada da página do Facebook que pede a libertação de Lusvarghi: similaridade com a figura de Jesus Cristo - acrescentada a luz do alto que ilumina seu rosto - reforça uma imagem idealizada do brasileiro.)
No próximo texto veremos como é feito este recrutamento, a rede de contatos no Brasil e quem são os brasileiros que, além de Lusvarghi, estão lutando do lado dos separatistas pró-Rússia.
Que porra é essa? Este cara é só um aventureiro sem escrúpulos e sem rumo.
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